Fernando Dantas
Especial para o jornal A Redação
Goiânia - Em Goiás, cerca de 582 mil pessoas possuem pelo menos um tipo de deficiência, o que equivale a 8,52% da população goiana, segundo estudo divulgado em 2023 pelo Instituto Mauro Borges (IMB), órgão que faz parte do Governo do Estado. A mesma pesquisa revelou que conforme a idade avança, aumenta a participação dessa comunidade no total da população. Para aqueles com mais de 60 anos, por exemplo, o quantitativo sobe para 44%. Já em todo o País, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que 8,9% da população tenha alguma deficiência, ou seja, 18,6 milhões de pessoas com dois ou mais anos.
É importante explicar que quando se fala em pessoa com deficiência, o Artigo 1º da Convenção das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Pessoas com Deficiência define que “são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. A forma para se referir a essa parte da população também passou por mudanças ao longo dos anos e agora, em todo mundo, o termo utilizado tem sido ‘pessoas com deficiência (PcD)’ e não mais portador de deficiência, pessoa com necessidades especiais ou portador de necessidades especiais.
Devido à quantidade de PcDs no País e o trabalho de apoio realizado por instituições, tanto públicas quanto privadas, avanços têm sido registrados de forma progressiva por essa parcela da população, que enfrentou – e ainda enfrenta - preconceitos, desafios e dificuldades. Atualmente, indústrias e empresas reconhecem a relevância de promover ações, programas, políticas e projetos que possam assegurar a igualdade de oportunidades e combater a discriminação nos ambientes de trabalho. Isso pode ser percebido por meio de estatísticas de inserção no mercado de trabalho. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) mostram, por exemplo, que houve crescimento de 60% no mercado geral de emprego, no período de 2009 a 2021, para pessoas com deficiência.
Já levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) calcula que são mais de 545,9 mil pessoas com deficiência ou reabilitados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) atuando no mercado formal de trabalho. Em Goiás, o estudo do IMB trouxe um recorte que revela que 94,5% das pessoas com deficiência estão ocupadas, mesmo na informalidade.
Uma explicação para o crescimento na inclusão de PcDs no mercado de trabalho é a aprovação de normas e leis voltadas para a proteção dos direitos da pessoa com deficiência, em consonância com várias Convenções Internacionais, como da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. No Brasil, uma das leis mais significativas que trata da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é a nº 8.213/1991, chamada Lei de Cotas, que prevê a reserva de vagas nas empresas com 100 ou mais empregados às pessoas com deficiência. De acordo com essa legislação, empresas com 100 a 200 colaboradores devem reservar 2% das vagas para PcDs; de 201 a 500 profissionais no quadro funcional, a reserva é de 3%; enquanto de 501 a 1000 colaboradores o valor sobe para 4%. Já as empresas com mais de 1000 trabalhadores devem respeitar o percentual de 5%. Conforme boletim elaborado pelo MTE, a maioria das contratações realizadas pelas empresas para cumprimento da cota legal é de pessoas com deficiência física, seguido dos trabalhadores com deficiência mental, visual, auditiva e múltipla.
Existem ainda no sistema normativo nacional as leis nº 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão, e a nº 12.764/2012, também chamada de Lei Berenice Piana, que equipara a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) à pessoa com deficiência. “O principal objetivo dessas normas jurídicas é garantir os direitos fundamentais dessa parcela da população, como a inclusão no mercado de trabalho, promovendo dignidade, autonomia e participação efetiva na sociedade”, destaca a desembargadora Iara Teixeira Rios, que é coordenadora do Subcomitê de Acessibilidade e Inclusão do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18/GO), área que trata das questões relacionadas à inclusão de pessoas com deficiência.
Desembargadora Iara Teixeira Rios destaca que ao longo dos anos foram criados fóruns e associações voltadas à discussão e promoção de ações para inclusão da pessoa com deficiência na sociedade (Foto: Divulgação/TRT-18)
De acordo com ela, desde o início da cobrança para aplicação da Lei de Cotas pelos órgãos governamentais, na virada do milênio, o percentual de cumprimento da cota de pessoa com deficiência no mercado de trabalho saltou de 11,37% da cota legal, em 2000, para 49,81% no ano de 2021. “Isso se deve às inspeções realizadas pelos auditores fiscais do trabalho, atuação do Ministério Público do Trabalho com a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com as empresas e ajuizamento de ações civis públicas”, acrescenta.
Apesar deste crescimento significativo, ainda há um longo caminho a ser percorrido. A desembargadora destaca que mesmo com a Lei de Cotas, ainda existem setores econômicos que veem empecilhos para a contratação de pessoas com deficiência e a manutenção do contrato de trabalho. “A questão é bastante complexa, mas algumas das dificuldades encontradas atualmente são creditadas a atitudes discriminatórias por parte de empresários e gestores, oferecimento de vagas de emprego com baixo valor remuneratório, baixa qualificação dos trabalhadores com deficiência, acessibilidade precária dos espaços públicos e dos estabelecimentos empresariais e desinteresse do trabalhador em razão da percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC)”.
Ela reforça que quando se trata de inclusão, é necessário que os empregadores entendam a importância de um ambiente de trabalho adaptado e acolhedor, que se adéque às necessidades dos empregados, principalmente daqueles com deficiência, além de uma formação profissional direcionada à pessoa com deficiência para uma melhor adesão ao ambiente de trabalho, tanto do empregado, quanto do empregador.
Na Cargill, uma das principais indústrias de alimentos do Brasil, há a preocupação em investir na melhoria da estrutura empresarial para contribuir para inclusão e diversidade, já que um dos lemas da empresa é levar a sério seus valores, como o de “fazer a coisa certa” e o de “colocar as pessoas em primeiro lugar”. Por reconhecer os desafios das pessoas com deficiência, a Cargill criou programas específicos para motivar a participação nos processos seletivos e uma rede de afinidade específica que reúne lideranças da empresa, aliados e colaboradores PcDs. “Parte das ações do grupo são focadas em treinamentos específicos, sensibilização e troca de informações que beneficiam a todos. Nossa experiência tem demonstrado que o letramento é necessário para todos nós, e o resultado é um ambiente de trabalho ainda mais inclusivo e respeitoso”, afirma a diretora de Recursos Humanos da Cargill no Brasil, Simone Beier.
Ela destaca que a atuação em Goiás é similar ao que é feito pela empresa no Brasil todo. “Seja na fábrica ou nos armazéns e centros de distribuição, temos a inclusão como um valor inegociável. Em Anápolis, por exemplo, contamos com uma fábrica de farelo e biodiesel recém-adquirida e que já está sendo adequada para estar no mesmo padrão das outras localidades. Isso inclui coisas básicas como banheiros inclusivos, até mudanças mais estruturantes. Em Rio Verde, que é uma planta de 20 anos, já passamos por essas transformações e hoje podemos celebrar que temos sala de lactante, estacionamento exclusivo para gestante/PcD/pessoa dentro do espectro do Autismo. As instalações como um todo são adaptadas para acessibilidade de profissional cadeirante trabalhando na empresa ou visitante, incluindo ônibus com acessibilidade para transporte dos funcionários”, lista.
De acordo com Simone, é importante reconhecer as diferenças, fazendo com que cada pessoa se sinta bem-vinda, valorizada e ouvida. “É a coisa certa a fazer, também a mais inteligente. Para fornecermos melhores soluções aos nossos clientes e, consequentemente, para o público que eles atendem, reforçamos a importância de times diversos, que nos ajudam a compreender a complexidade de cada desafio para os nossos negócios. Criamos e seguimos com atenção nossa Política Global de Antidiscriminação da Cargill, que determina que todo mundo importa e todos contam. Alinhado ao Código de Conduta da Companhia, a política proíbe discriminação e assédio de qualquer tipo”, reforça.
Diretora de Recursos Humanos da Cargill no Brasil, Simone Beier diz que um dos lemas da empresa é “colocar as pessoas em primeiro lugar” (Foto: Divulgação/Cargill)
Em relação às funções desempenhadas pelas pessoas com deficiência, a diretora de Recursos Humanos informa que os colaboradores PcDs realizam atividades diversas, desde Administrativo, Logística até Manutenção. “O leque é grande e muda conforme a função para a qual foi contratada, garantindo sempre a segurança de nossos colaboradores. Assim, temos profissionais que desempenham atividades operacionais diretamente ligadas à linha de produção, bem como funções administrativas relacionada às atividades necessárias definidas pela função e área de contratação. Nossa visão de inclusão parte do pressuposto de que todos têm que encontrar um ambiente seguro, adaptado e respeitoso para mostrar seu talento e desenvolver sua carreira”, diz.
Para desempenhar as atividades citadas, a empresa investe também em diferentes tipos de treinamentos para os colaboradores se desenvolverem. “Para uma melhor comunicação e absorção do conhecimento por parte destes colegas, temos o cuidado em garantir apoio adequado e adaptado para todos, assegurando que o conhecimento seja passado da melhor maneira para garantir a absorção dos conceitos e procedimentos ensinados. Para citar um exemplo, temos na nossa operação alguns funcionários com deficiência auditiva e, por isso, nos treinamentos contamos com tradutores que falam Libras (Linguagem Brasileira de Sinais) para que o conhecimento seja passado para esses funcionários. Já utilizamos sistemas de apresentação que trazem essa tradução automática para Libras”, complementa Simone.
A oferta de trabalho para PcDs está diretamente ligada ao acesso à educação. A baixa qualificação ou formação profissional é uma das principais barreiras que dificultam a entrada, a adaptação e a sustentabilidade da população com deficiência no mercado de trabalho. Para tentar mudar esse cenário, diferentes instituições têm desenvolvido ações, projetos e programas que buscam assegurar o direito ao trabalho e a participação plena na sociedade das pessoas com deficiência, resultando em ganhos tanto social quanto econômicos. Um dos exemplos positivos é o Programa Sesi Senai de Ações Inclusivas (PSSAI). Criado em 1999, com o objetivo de ampliar o acesso à educação profissional e ao mercado de trabalho, o programa foi desenvolvido para atender a uma demanda crescente por inclusão e diversidade nas indústrias e promover uma sociedade mais justa e equitativa, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e com os princípios de ESG (Environmental, Social and Governance) – que significa Ambiental, Social e Governança.
O público-alvo do PSSAI inclui pessoas com deficiência, que buscam qualificação profissional e inclusão no mercado de trabalho, além de outros grupos em situação de vulnerabilidade que enfrentam dificuldades para acessar oportunidades educacionais e profissionais. É desenvolvido por meio de pilares (ver quadro abaixo), estruturados em cinco áreas principais, que visam promover um ambiente inclusivo, acessível e respeitoso para todos os participantes do programa.
(Arte: Fernando Rafael)
Segundo a pedagoga, psicopedagoga e analista de Educação do Sesi Senai, Ráysa Horranna, o PSSAI busca criar um ambiente acessível e igualitário, valorizando a diversidade como um fator essencial para o desenvolvimento social e econômico, além de proporcionar oportunidades educacionais e profissionais para todos. “Em Goiás, o programa é implementado com base em ações específicas voltadas para a inclusão no ambiente educacional e profissional, envolvendo iniciativas para garantir acessibilidade nos cursos oferecidos, suporte adaptado para os alunos e parcerias com indústrias locais para facilitar a entrada dessas pessoas no mercado de trabalho. O Sesi e o Senai trabalham em conjunto com as unidades regionais e setores industriais para maximizar o impacto do programa”, explica.
Ela defende que a capacitação de pessoas com deficiência ou reabilitadas de acidentes de trabalho é essencial para promover inclusão social e equidade no mercado de trabalho, permitindo que essa parcela da sociedade tenha oportunidade de emprego em condições de igualdade. “Além de valorizar suas habilidades e combater estigmas, essa formação enriquece a diversidade e a inovação nas organizações, gerando ambientes mais produtivos e criativos. Investir na qualificação desses indivíduos é uma estratégia que transcende a responsabilidade social das empresas, contribuindo para uma sociedade mais justa e acessível a todos”.
Analista de Educação do Sesi Senai, Ráysa Horranna e Marilda Melo, junto a estudantes com deficiência visual, durante treinamento em Crixás (Foto: Arquivo Pessoal)
Segundo Ráysa, o envolvimento das indústrias é fundamental para que o programa consiga obter resultados positivos. “O PSSAI estabelece uma parceria sólida com indústrias e empresas goianas, oferecendo capacitação contínua para tratar de questões de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho. Através de iniciativas como palestras, rodas de conversa e formações específicas, o programa busca preparar os industriais e colaboradores para lidar de maneira eficaz e sensível com as demandas inclusivas. Essa colaboração visa não apenas conscientizar, mas também transformar a cultura organizacional, promovendo um ambiente de trabalho mais inclusivo, respeitoso e aberto à diversidade”.
Marcos Almeida Mota, de 31 anos, é uma das pessoas com deficiência que participou de qualificação profissional com apoio do programa Sesi Senai de Ações Inclusivas, em Aparecida de Goiânia. Por ter deficiência auditiva, ele precisou da ajuda de uma intérprete para fazer o curso técnico em Manutenção Automotiva, na forma presencial e on-line (Educação a Distância).
Após a conclusão e passar pelo programa de estágio, Marcos tentou uma vaga na Escola Senai Dr. Celso Charuri, também em Aparecida de Goiânia, e hoje é colaborador da unidade. “Enfrentei desafios para conseguir me formar e entrar no mercado de trabalho, mas não podemos desistir. É preciso esforçar, se dedicar, ter determinação e perseverança”, avalia.
O técnico em Manutenção Automotiva, Marcos Almeida, junto a duas intérpretes, em evento da área automotiva 9Foto: Arquivo Pessoal)
Para ir além do cumprimento de cotas, o trabalho de inclusão de pessoas com deficiência, tanto no mercado de trabalho quanto em todas as áreas da sociedade, depende do apoio de entidades que atuam para orientar, levar informações, combater discriminação, promover igualdade e assegurar que todos tenham acesso aos mesmos direitos sociais e oportunidades que os demais trabalhadores. É com esse objetivo, por exemplo, que o Fórum Goiano de Inclusão no Mercado de Trabalho das Pessoas com Deficiência e Reabilitados pelo INSS (FIMTPODER) foi criado em junho de 2012. “A criação foi motivada pela necessidade de promover um espaço de diálogo entre governo, empresas e sociedade civil sobre a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A ideia era unir esforços para enfrentar os desafios da inclusão e garantir que as legislações fossem cumpridas de forma eficaz, além de fomentar a troca de experiências e boas práticas”, explica o coordenador do FIMTPODER, Trajano Figueiredo – que também é representante da Associação dos Deficientes Visuais de Goiás (Adveg).
Segundo ele, o Fórum realiza ações de conscientização e capacitação, organiza eventos, seminários e oficinas para discutir temas relacionados à inclusão, como acessibilidade, direitos das pessoas com deficiência e aplicação das leis de cotas. É composto por diversas entidades, incluindo representantes do governo, empresas privadas, sindicatos, entidades representativas de setor, como a Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), associações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência e instituições de ensino. O número e a natureza das entidades variam, mas geralmente incluem órgãos como Ministério Público do Trabalho, Ministério Público de Goiás, INSS, entidades patronais e organizações da sociedade civil voltadas para a inclusão.
Entre as ações já realizadas pelo FIMTPODER, ao longo de mais de uma década, estão eventos e campanhas orientativas, como é o caso da “Iguais como Você e Eu”, veiculada em duas etapas, cujo foco foi demonstrar à sociedade goiana que o mundo do trabalho se torna mais rico, em sonhos e aspirações profissionais, se acolher a diversidade das pessoas. O Fórum também organizou dois Congressos Goianos de Gestão de Pessoas com Deficiência e Reabilitados pelo INSS no Mercado de Trabalho, envolvendo mais de 2 mil pessoas, desde profissionais vinculados à área de Gestão de Pessoas, Medicina do Trabalho, rede de atendimento, além de estudantes e representantes de entidades de defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
Outras iniciativas importantes foram o Dia Nacional de Contratação de Pessoas com Deficiência e Reabilitados pelo INSS, realizado nos anos de 2015 a 2019; o projeto de capacitação dos Conselhos de Políticas Públicas e Defesa de Direitos – “Projeto Refletir” -, que qualificou mais de 500 conselheiros, dirigentes, profissionais e gestores de diferentes políticas públicas, em cinco microrregiões de Goiás; e a capacitação de 1.800 profissionais do contexto escolar das redes pública e privada sobre a educação inclusiva, com o Seminário de Educação Inclusiva.
O FIMTPODER também elaborou o Material Facilitador para Inclusão e Permanência de Pessoas com Deficiência e Reabilitados pelo INSS no Mercado de Trabalho (
DISPONÍVEL NESTE LINK), que visa estimular as relações entre empregadores e empregados, de modo a fomentar o respeito às diversidades humanas no mundo corporativo e desmascarar a ideia de que a pessoa com deficiência não tem capacidade laboral. O documento traz mais detalhes sobre leis, tipos de deficiência (ver quadro abaixo), dúvidas sobre contratações e mercado de trabalho, entre outros.
( Arte: Fernando Rafael)
O coordenador do FIMTPODER, Trajano Figueiredo, - que acompanha há anos a luta de pessoas com deficiência -, diz que é importante reconhecer que houve avanços para essa parcela da população, especialmente com a criação de leis, como a de Cotas, e que as indústrias goianas têm investido cada vez mais em programas de inclusão, adaptações no ambiente de trabalho e capacitação para garantir que essas pessoas possam desempenhar suas funções de forma adequada, além de aumentar a conscientização e o treinamento sobre diversidade e inclusão dentro das empresas. Mas, segundo ele, sempre é preciso fortalecer esse trabalho, porque ainda existem desafios a serem ultrapassados para garantir o acesso ao mercado de trabalho. “Um dos principais é a falta de mais fiscais do trabalho e o baixo conhecimento, por parte de algumas empresas, sobre como adaptar o ambiente de trabalho para pessoas com deficiência. Outros obstáculos continuam sendo o preconceito e a desinformação que ainda cercam a contratação dessas pessoas, o que podem levar ao cumprimento da lei de maneira superficial, sem promover verdadeira inclusão”, destaca.
De Goianésia, vem outro exemplo positivo de política estratégica de gestão e de verdadeira inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. É o caso da Jalles, empresa com sede administrativa no município e que conta com três usinas de cana-de-açúcar em Goiás e Minas Gerais: Usina Otávio Lage, Usina Jalles Machado e Usina Santa Vitória Açúcar e Álcool. Ao todo, são 120 PcDs nas três unidades da empresa, que trabalham em várias áreas como Tecnologia da Informação (TI), Contabilidade, Agrícola, Indústria, Manutenção, Projetos e investimentos, Qualidade, Logística, Suprimentos, Engenharia de Manutenção Corporativa.
De acordo com a gerente de Recursos Humanos da Jalles, Ludmilla Gratão, as ações de inclusão realizadas pela empresa têm um impacto significativo na vida das pessoas com deficiência. “É um passo fundamental para a construção de um ambiente de trabalho diversificado, justo e produtivo. É algo que vai muito além do cumprimento de uma legislação, pois promove a igualdade de oportunidades, reforça a nossa responsabilidade social, contribui para a construção de uma sociedade equitativa e inclusiva e favorece a inovação e a diversidade na empresa”.
Gerente de Recursos Humanos da Jalles, Ludmilla Gratão reforça que as empresas precisam criar ambientes de aprendizado constante (Foto: Arquivo pessoal)
Ela explica que a Jalles procura realizar processos de seleção de forma inclusiva. “Por exemplo, se identificamos que o candidato possui deficiência auditiva, incluímos um intérprete para acompanhar as etapas de seleção. Na Unidade Santa Vitória, anualmente realizamos um curso de qualificação exclusivo para PcDs da comunidade local, sendo que em 2024 é o quarto ano da iniciativa. Já realizamos cursos de Assistente Administrativo, Introdução à Informática, Operador de Computador e neste mês de outubro iniciamos o curso de Excel. Também temos intérprete em todos os eventos corporativos”, relata.
Ludmilla acrescenta que há a preocupação em oferecer oportunidades de forma igualitária para todos os colaboradores, de modo que possam desenvolver o máximo potencial deles na empresa. “Temos muitos exemplos de pessoas com deficiência que tiveram promoções ao longo de suas trajetórias na empresa. Há um forte compromisso com o desenvolvimento de talentos, incluindo profissionais com deficiência, com programas de capacitação para garantir que todos os funcionários possam desenvolver suas habilidades e avançar em suas carreiras. A empresa oferece treinamentos específicos e workshops voltados para o crescimento profissional, ajudando a identificar e nutrir talentos internos. Isso inclui tanto habilidades técnicas quanto competências comportamentais, promovendo um ambiente de aprendizado constante para todos”, reforça.
Quem aproveitou as oportunidades para poder se desenvolver e crescer na Jalles é o planejador de Manutenção Agrícola, Reinattan Oliveira, de 34 anos. Ele possui distrofia muscular, doença que afeta a vida útil do músculo, reduzindo força e reflexos. Considerada deficiência, a doença evoluiu a partir dos 17 anos de idade. “O desafio maior é a falta de força motora e a dificuldade para conclusão de exercícios físicos. Para superar, faço academia para fortalecer a musculatura e manter a vida ativa”.
Apesar das dificuldades, a deficiência não foi obstáculo para ele tentar uma vaga de trabalho na Jalles. Há oito anos está na empresa e já recebeu várias promoções. “Atualmente, executo os planos de manutenção dos equipamentos, como máquinas agrícolas, tratores, caminhões, implementos e componentes diversos. Mas entrei como balanceiro, em 2016. Pesava os caminhões de insumos, matéria-prima e materiais acabados e não acabados na Unidade Jalles Machado. Em 2018, fui promovido para controlador de tráfego, controlava os equipamentos da colheita, plantio e preparo de solo. Já em 2020, fui promovido para analista de operações agrícolas, controlando os equipamentos da colheita e transporte de cana, plantio e preparo de solo com novas tecnologias e ferramentas. Em 2023, passei a ser planejador de Manutenção Agrícola na Unidade Otávio Lage”, relembra.
Planejador de Manutenção Agrícola na Jalles, Reinattan Oliveira possui distrofia muscular, mas destaca que a deficiência não o impede de desenvolver atividades na empresa (Foto: Arquivo Pessoal)
Ele ressalta que foi bem acolhido na empresa, inclusive junto aos colegas de trabalho, e desde então tem tido oportunidade de crescimento pessoal e profissional, que refletiram nas promoções. Em relação a preconceito no ambiente de trabalho, Reinattan defende que só existe a partir do momento em que a pessoa abre possibilidade para que isso ocorra. “Mas se não abrir, não tem. Vejo que se a pessoa tem uma dificuldade, ela deve tornar isso como ponto de superação e força para seguir em frente. Depende da postura do próprio portador de deficiência. Tem gente que usa a deficiência como vitimismo e não como ponto de crescimento e evolução. Não vejo preconceito nas empresas, porque têm cotas para serem cumpridas. Depende muito do perfil da pessoa. As vagas estão aí, depende de a pessoa querer, se aceitar e procurar se qualificar para que possa crescer”, avalia.
Reinattan afirma ainda que a partir do momento que entrou na empresa, com a possibilidade de crescimento, resolveu fazer curso superior em Logística e duas pós-graduações, em Engenharia Logística e outra em Gestão de Estoque e Logística Empresarial. Agora, ele almeja algo maior. “Um cargo de liderança. Ainda tenho muito a crescer e depende muito de mim. Vejo que possibilidade tem, basta a pessoa querer. Vou continuar me qualificando e me preparando para novas oportunidades na empresa”, finaliza.
(Arte/Fernando Rafael)