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Escritora participa de bate-papo em Goiânia | 25.08.23 - 09:14
(Foto: divulgação)José Abrão
Goiânia – A escritora Aline Bei, autora dos livros “O Peso do Pássaro Morto” (Editora Nós, 168 páginas) e “Pequena Coreografia do Adeus” (Companhia das Letras, 264 páginas), está em Goiânia nesta sexta (25/8) a convite do Serviço Social do Comércio (Sesc) Goiás. Ela participa do Circuito Literário Sesc, em que oferece uma oficina de escrita pela manhã e um bate-papo literário às 19h no Teatro Sesc. Em entrevista exclusiva ao jornal A Redação, a autora falou sobre suas obras, seus projetos futuros e muito mais.
A primeira pergunta tem que ser sobre suas escolhas formais para a narrativa: a interação entre o texto e o espaço em branco na página é uma característica marcante de seus livros. Como você desenvolveu essa abordagem única para a escrita? Imagino que isso será abordado na sua oficina em Goiânia, gostaria de saber o que você planejou para essa “aula”.
Eu sinto que esse modo de escrever vem de duas forças principais: a primeira é a poesia, a poesia como um engano, como algo que eu tinha imaginado que fazia quando comecei a escrever. E por ter imaginado que era poetisa, eu comecei a me dar muita liberdade na folha, comecei a encontrar um ritmo conciso para narrar as minhas histórias. E outra força foi o teatro. A minha primeira formação é em Artes Cênicas. Acho que o modo que o meu corpo foi atravessado pela experiência do palco marca o modo como até hoje eu olho para as palavras e manejo as palavras na folha. Como uma forma, também, de narrar, de fazer com que a escrita seja uma experiência, mais do que uma contação de histórias, para que possa ter suas próprias texturas, inclinações. Para que cada página possa ser única, uma experiência visual para o leitor. Na minha oficina eu vou falar um pouco sobre isso, sobre esses processos de construção que me guiam.
Seus livros também são marcados por protagonistas complexas, gostaria de saber um pouco como você as constrói. A questão da perda é central em muitos de seus trabalhos.
Minha construção de personagem é muito importante para mim, não só das minhas protagonistas, mas das outras pessoas que habitam o livro. A minha pesquisa é sempre muito mais extensa do que eu coloco ali na folha. Acho que eu tenho um desejo grande de encontrar personagens que não sejam facilmente compreendidos e resolvidos pelo leitor, mas que possam também desafiar o modo como a gente compreende a nossa própria humanidade. Os personagens precisam ser regidos por forças contraditórias, eles precisam ser vulneráveis quando estão sendo compostos e maleáveis às situações que estão sendo postas.
Como você acha que a literatura pode ajudar as pessoas a compreender e lidar com essas emoções difíceis?
A literatura não tem um papel, mas ela acaba oferecendo muito para quem adentra o seu mistério. Não só a literatura, mas as artes no geral, são muito bem-vindas para nos tirar certas certezas e nos tornar mais sensíveis ao mundo. Isso vai ao mesmo tempo nos deixando mais corajosos para viver e mais vulneráveis, como se soubéssemos que realmente a vida não é só para nós, que é difícil e pesada em alguns momentos. Essa revelação que a literatura nos dá nos ajuda a viver de uma forma mais leve, mais dentro de quem somos.
Ainda dentro deste escopo, como a escrita desempenha um papel na sua própria jornada de autodescoberta?
A escrita tem sido uma descoberta muito bonita, não só das minhas matérias internas e de tudo que me habita, que eu apenas precinto, mas que a escrita vai puxando para fora, transformando em algo que tem vida própria. A escrita como gesto, como ato, incorporado na minha rotina, é algo que me assusta e me assombra até hoje, porque não é uma coisa que eu sabia sobre mim. Eu não sabia que eu escrevia, nem que se tornaria tão importante na minha vida. Eu sempre fui leitora, mas ser leitora não me levou exatamente a escrever, acho que muito pelo contrário. Há um momento em que ler te coloca em um lugar em que aquilo não te pertencesse de tão bonito e forte que são as obras com que a gente entra em contato. O que me aproximou da escrita foi a ausência do teatro e a aproximação de pessoas que escreviam na minha faculdade de Letras.
Você integra uma geração de escritoras brasileiras que têm se destacado cada vez mais no mercado literário. Nessa turma incluo também Ana Paula Maia, Carla Madeira e Micheliny Verunschk. Você acha que é um novo momento de destaque para a mulher na literatura brasileira?
Acho que sim. Acho que estamos vivendo um momento muito bonito na nossa literatura contemporânea, com escritoras e escritores muito interessantes, com pesquisas originais, muito comprometidos com o texto. Eu sou absolutamente fã dessas autoras que você citou e eu acho que é muito a gente estar produzindo, desdobrando a nossa pesquisa nos livros, e estando tão bem acompanhada por autoras e autores excepcionais. Fico muito orgulhosa de fazer parte dessa geração com esse novo olhar para a literatura contemporânea. Leia mais Escritora Aline Bei participa do Circuito Literário Sesc em Goiânia Sesc Goiás promove simpósio em Goiânia sobre os 200 anos de Dostoiévski
Você publicou dois livros de sucesso e conquistou muitos leitores. Isso trouxe alguma pressão adicional ao escrever? Como você lida com as expectativas dos leitores?
Quando eu estava escrevendo “Pequena Coreografia do Adeus”, senti muito esse peso, da expectativa pelo que eu estava escrevendo, e isso foi bem difícil de lidar. Num primeiro momento eu tentei ignorar esse sentimento e isso me atrapalhou muito. Quando eu acolhi esse medo, foi melhor, e eu consegui acessar o livro com mais profundidade. E agora no processo de escrita do meu terceiro livro, sinto que aprendi muito, nesses dois trabalhos, a respeito do meu próprio processo. E aprendi muito a me respeitar, a me escutar, e a entender que um livro se faz muito mais em um tempo próprio do que em um tempo que está relacionado aos meus desejos e ansiedades. Eu tenho aprendido a me recolher um pouco mais e deixar que o livro ganhe espaço e cresça ele mesmo pelas suas próprias pernas.
Qual conselho você daria para jovens escritores e como você enxerga o mercado literário no Brasil hoje? Vale a pena buscar as editoras ou o melhor caminho é a autopublicação?
O conselho para quem está começando a escrever é realmente escrever. Às vezes a gente passa tempo demais pensando no pós-escrito: o que a gente vai fazer com o livro que a gente nem começou a escrever. E a gente escreve o livro com muita reescrita, escrevendo livremente, tentando encontrar no gesto da escrita um terreno muito próprio para comunicar suas sensibilidades, suas impressões de mundo, a história que você quer contar. [Aconselho] se ocupar primeiro do essencial: da escrita, estudar bastante, ler muito, estar vivo e forte nos lugares em que você habita para deixar que a vida te mostre muitas coisas que a gente precisa compreender e que só no dia-a-dia nós vamos compreender e saber que tudo isso alimenta a nossa escrita. A questão da publicação vai se resolvendo, as respostas vão aparecendo para cada pessoa, mas o principal é a escrita.
Quais são seus projetos futuros? Há algo novo que você possa compartilhar com seus leitores?
Meu terceiro livro é muito sobre silêncio, um trabalho mais maduro. Estou escrevendo o meu terceiro livro há dois anos. Fiz uma pós em escritas performáticas pela PUC-Rio e acabei de me formar, em julho. Foi um encontro com muitos artistas e professoras que admiro muito e que me ajudaram a dar conta desse material que se insinua para mim. Acho que é isso que posso falar por enquanto.