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Sobre o Colunista
Leonardo Razuk
Leonardo Razuk é jornalista / atendimento@aredacao.com.br
Bobby Gillespie e Jehnny Beth (Foto: divulgação)
“Toda a dor de não ter sido amado quando criança fica gravada no cérebro, nos músculos, nos ossos. Ela nunca vai embora”, escreveu Arthur Janov, quando criou as bases da chamada Terapia Primal, nos anos 60. Ela consiste na possibilidade do paciente expressar sentimentos e emoções reprimidas durante a infância e, quando se atinge o pico de intensidade da dor sentida, o paciente é incentivado a soltar o “Grito Primal”, conseguindo assim, liberar as emoções retidas para fora, permitindo-se curar de tais dores.
Essa teoria inspirou Bobby Gillespie a dar nome a seu grupo, o Primal Scream, no fim dos anos 80, depois de ter sido baterista do Jesus and Mary Chain. Com um som que misturava rock, psicodelismos, punk, soul e música eletrônica, ele gritou em obras como Screamadelica, considerado um dos 50 maiores álbuns de todos os tempos, e cravou seu nome no rock mundial.
O novo trabalho de Bobby Gillespie é também um grito primal. A expressão e a libertação da dor e do sofrimento de um casal em processo de separação. Ao lado de Jehnny Beth, líder do Savages, ele fez um disco conceitual, Utopian Ashes, inspirado nas antigas duplas country como Johnny Cash e June Carter, Gram Parsons e Emmylou Harris ou Tammy Wynette e George Jones.
Bobby e Jehnny se conheceram em 2016 para cantar juntos a esquisita canção sessentista Some Velvet Morning, de Nancy Sinatra e Lee Hazlewood. Agora, voltam a fazer duetos para expor um relacionamento em ruínas. “Podemos dormir juntos, mas na verdade estamos sozinhos”, cantam em Remember We Were Lovers, um dos primeiros singles do álbum e que também traz versos como “lembra que éramos amantes? / Parece muito tempo atrás / Agora o amor é apenas uma memória / Fotografias antigas mostrarão”. É ressentimento, mágoa do início ao fim.
Utopian Ashes não é um disco de country music, apesar da inspiração, e mesmo tratando de um tema tão batido, não apela para clichês. O álbum conta com as participações de três dos principais membros do Primal Scream - Andrew Innes (guitarra), Martin Duffy (piano) e Darrin Mooney (bateria) - e o baixista Johnny Hostile, que há anos acompanha Jehnny Beth, e mergulha em estilos que vão do próprio country-soul, aos duetos românticos dos anos 60, passando pelo britpop de bandas como The Verve (bem evidente em Chase it Down) e valsas (mórbidas?) ao estilo Leonard Cohen.
A melancolia está presente em todo o disco. É uma linda ode à tristeza, à dor, à mágoa, ao rompimento, à perda. Emoções sendo liberadas em busca de cura. Pura terapia primal. E a sessão tem momentos fulminantes como em Your Heart Will Always Be Broken, You Don’t Know What Love Is, You Can Trust Me Now ou Living a Lie. “Estamos vivendo uma mentira / Não há nada que possamos fazer / Pelo menos tentamos ver através / Estou sofrendo, baby, e você também / É hora de dizer adeus...”
Nem mesmo o final é feliz. Sunk in Reverie, a última faixa, tem uma levada menos dramática e mais suave, mas com uma letra de destruir corações. “Oi como vai? Beijando ar / Oi como vai? Não tem ninguém aí / Não tem ninguém aí...” É o fim, a tal solidão que devora, que faz os relógios caminharem lentos, causando descompasso no coração, como diria o mestre Alceu.
Utopian Ashes não é um disco primoroso como os gritos do Primal Scream, mas é interessante, fora de padrões e nos faz encarar de frente a realidade de que tudo tem seu fim. Até os relacionamentos que começam cheios de fogo, um dia viram cinzas, seja por desgastes, incompreensões, traições, mentiras, desrespeitos ou mesmo a morte. Talvez o que importa é manter a chama acesa pelo maior tempo possível. Ou, como uma fênix, renascer das cinzas em busca de novos romances.
PS - Se ficar muito deprê depois de ouvir o disco, de um play em Movin’ On Up, do clássico Screamadelica, do Primal Scream, e melhore seu astral com os versos: “Eu estou subindo agora / Saindo da escuridão / Minha luz brilha / Minha luz brilha...”