Imagine que, por onze anos, você acorda cedo todos os dias, trabalha sob o sol e a chuva e, com o fruto desse esforço, mantém sua casa, paga as contas, alimenta seus filhos e constrói, com dignidade, uma vida honesta. Agora imagine que, de repente e sem aviso prévio, o poder público determina o fim do espaço onde você sempre garantiu o sustento da sua família.
É o que muitos trabalhadores de Goiânia estão vivendo após a Prefeitura iniciar a remoção dos tradicionais quiosques de água de coco dos parques da cidade, como o Vaca Brava, sob o argumento de “regularizar” as áreas públicas.
E um desses trabalhadores é o seu João, um homem simples, nascido em Jaupaci (GO), que passa os dias vendendo água de coco em uma barraca que existe há mais de três décadas no Parque Areião, o seu segundo lar. Ele chega antes das sete da manhã e só vai embora quando o sol se despede, quase sempre sozinho, com o mesmo sorriso que o tornou conhecido entre os frequentadores. É dali que tira o sustento, o alimento e, como gosta de dizer, “a alegria de conversar com o povo”. Aquele espaço, que para muitos é lazer, para ele é vida e dignidade.
Mas agora, o que era rotina virou incerteza. Seu João teme perder o ponto que garante o pão de cada dia. Ficou sabendo, por amigos do Parque Vaca Brava, que as barracas estão sendo notificadas pela Prefeitura e que podem ser retiradas em breve. Desde então, vive com medo, medo de perder o trabalho, de ficar sem sustento, medo de ser esquecido por uma cidade que ele ajuda a manter viva.
Nos últimos meses, a Prefeitura de Goiânia iniciou uma série de notificações a vendedores e ambulantes dos parques, alegando irregularidades na ocupação de áreas públicas. A justificativa é o cumprimento do Código de Posturas, que proíbe estruturas fixas sem licitação. Ao mesmo tempo, circulam informações sobre um projeto de concessão à iniciativa privada, que promete “melhorar” a manutenção e o ordenamento desses espaços.
Mas a pergunta que ecoa entre os trabalhadores é simples: melhorar pra quem?
Por trás do discurso de modernização, há uma realidade que parece invisível, a dos homens e mulheres que vivem do trabalho informal, que não têm garantias, que constroem suas vidas à beira dos parques, e mantêm vivas as relações humanas que tornam o espaço público realmente público.
A retirada dessas barracas representa mais que uma mudança visual. Representa o rompimento de vínculos, a extinção de histórias e o apagamento de pessoas que encontraram no parque sua forma de dignidade. Muitos, como o seu João, não teriam outra chance de recomeçar, pela idade, pelas limitações físicas ou simplesmente pela falta de oportunidade em um mercado que já fecha portas para quem mais precisa.
Enquanto isso, os parques seguem enfrentando problemas estruturais sérios, como árvores caídas, falta de manutenção e segurança precária, situações que, ao que tudo indica, não receberam a mesma urgência que a retirada dos pequenos comerciantes.
É impossível não enxergar o contraste: de um lado, o poder público falando em eficiência e requalificação; de outro, trabalhadores que pedem apenas o direito de continuar sobrevivendo.
Se o objetivo é melhorar os parques, que se comece pelas pessoas, e não pela exclusão delas.
Porque cidade bonita não é a que esconde os humildes, mas a que os acolhe.