Aos 13 anos, Bernardo está prestes a fazer história. Será o primeiro aluno do Senac Idiomas a prestar o TOEFL com adaptações específicas para autistas. O exame, reconhecido internacionalmente por avaliar a proficiência em inglês, ganha aqui um novo significado: o de se tornar também uma ferramenta de inclusão.
Mais do que uma prova de língua, o TOEFL pode ser uma ponte entre diferentes formas de pensar, aprender e existir. Ao oferecer possibilidades de adaptação para estudantes neurodivergentes, o TOEFL reforça a urgência de avaliações que sejam, acima de tudo, humanas. Porque, quando a educação respeita as singularidades dos alunos, até a fluência ganha outras vozes.
O TOEFL é uma das certificações de proficiência em inglês mais reconhecidas internacionalmente, desenvolvido pela ETS (Educational Testing Service). Pensado para diferentes faixas etárias e propósitos educacionais, o exame possui versões distintas: o TOEFL Primary, voltado a crianças nos primeiros anos de contato com a língua; o TOEFL Junior, destinado a adolescentes em fase de consolidação linguística; e o TOEFL ITP, aplicado por instituições de ensino para avaliar estudantes de níveis variados. Há ainda o TOEFL iBT, uma versão mais robusta e exigente, voltada ao contexto acadêmico universitário internacional.
Entre essas modalidades, o TOEFL Junior se destaca por oferecer uma avaliação precisa, criteriosa e respeitosa das competências linguísticas de jovens entre 11 e 17 anos. A prova mede habilidades como compreensão auditiva, leitura e vocabulário aplicados a situações reais, alinhadas ao ambiente escolar. Mais do que classificar o nível de inglês, ela propõe um retrato abrangente da trajetória do estudante, funcionando como ferramenta de diagnóstico, orientação e validação.
Essa proposta, no entanto, só se realiza plenamente quando aplicada em condições justas e acessíveis a todos os perfis de alunos. Para estudantes neurodivergentes, como aqueles no espectro autista, é essencial que o exame leve em conta diferentes formas de processar informações, interagir com o conteúdo e responder às demandas cognitivas e sensoriais. O TOEFL Junior, nesse contexto, pode — e deve — ser também uma oportunidade concreta de inclusão.
Falar em inclusão, neste cenário, não significa apenas garantir acesso físico ou acolher com boa vontade. Trata-se de criar condições reais, planejadas com precisão, para que cada estudante seja avaliado de forma justa — com base no que sabe, e não no que o impede de demonstrar esse saber. Em exames padronizados, essa premissa torna-se ainda mais crucial.
Estudantes autistas, por exemplo, podem apresentar maneiras únicas de compreender linguagem, lidar com estímulos sensoriais, gerenciar o tempo e manter a atenção. Em um modelo tradicional de prova, essas diferenças frequentemente se transformam em obstáculos — não por falta de conhecimento, mas pela inadequação do formato à forma de funcionamento de seus cérebros.
As adaptações existem justamente para corrigir essa distorção. Não favorecem, não facilitam, não criam atalhos. Elas apenas equiparam. Permitem que a prova avalie aquilo que se propõe a avaliar: o domínio da língua inglesa — não a capacidade de tolerar ambientes ruidosos, cronômetros inflexíveis ou comandos rápidos demais. São ajustes como tempo extra, pausas programadas, ambiente controlado, apoio visual ou organizacional, sempre analisados individualmente.
Incluir, nesse contexto, não é abrir exceções — é cumprir o princípio básico da equidade. Quando um aluno autista realiza o TOEFL com as adaptações necessárias, ele não está sendo beneficiado. Está sendo respeitado. E a educação, nesse gesto, cumpre um de seus papéis mais nobres: reconhecer e validar a pluralidade humana.
Esse compromisso com a inclusão, no entanto, começa bem antes da aplicação da prova. Para garantir que o exame seja realmente acessível, é necessário um processo de solicitação cuidadoso, baseado em diálogo, planejamento e corresponsabilidade entre família, instituição e certificadora.
As adaptações podem ser solicitadas com base em pareceres técnicos e documentação médica, como laudos, relatórios psicopedagógicos e recomendações profissionais. O processo inclui o preenchimento de formulários específicos e, muitas vezes, uma análise detalhada do tipo de apoio necessário para aquele aluno em particular.
O papel da instituição que aplica o exame é decisivo. Cabe a ela acolher a demanda com seriedade, intermediar a comunicação com a organização responsável e viabilizar todas as condições práticas para que a experiência seja ética, tranquila e acolhedora. Quando isso acontece, o exame deixa de ser apenas um momento de avaliação — e passa a ser uma vivência de pertencimento e afirmação.
A preparação para a prova, nesse contexto, também ganha outra camada. Mais do que estudar inglês, o aluno precisa sentir-se seguro. Conhecer o formato da prova, entender os horários, visualizar o ambiente e saber que será respeitado contribui para a redução da ansiedade e o fortalecimento da autonomia. A adaptação bem-feita não apenas permite que o estudante realize o exame, mas permite que ele se reconheça capaz dentro dele.
E quando essa história acontece pela primeira vez, ela vira marco. Ser o primeiro é sempre abrir caminho para muitos. Uma aplicação inclusiva não atende apenas a um nome específico: ela aponta o que é possível, inspira novas práticas, orienta equipes pedagógicas e convida toda a comunidade educacional a repensar seus protocolos. Não é apenas um feito isolado. É um chamado coletivo para um futuro mais justo.
Em toda mudança real, há sempre alguém que passa primeiro pela porta. Ser o primeiro não significa apenas realizar algo inédito; significa, muitas vezes, carregar o peso simbólico de tudo o que poderia não ter sido permitido — e abrir espaço para tudo o que, a partir dali, passa a ser possível.
Quando um aluno presta o TOEFL com adaptações específicas para autistas pela primeira vez em uma instituição, ele inaugura uma nova narrativa. Ele prova, na prática, que a inclusão é viável, que as estruturas podem ser flexíveis sem perder a excelência, e que respeitar as singularidades de cada aluno é uma forma de fortalecer — e não de comprometer — a legitimidade de um exame.
Esse primeiro passo é também um gesto pedagógico. Ele transforma a prova em uma declaração: a de que todos têm o direito de serem avaliados com equidade, dignidade e respeito. Para os próximos alunos, o caminho já estará um pouco mais trilhado. Para as próximas famílias, um pouco mais visível. Para os educadores e aplicadores, um pouco mais naturalizado.
Mais do que cumprir um protocolo, esse gesto transforma a cultura da avaliação. E talvez esse seja o maior impacto: quando se naturaliza o respeito, a equidade deixa de ser exceção. Torna-se padrão. E o que antes parecia excepcional, passa a ser apenas o que sempre deveria ter sido: um direito garantido.
A excelência educacional não está apenas na transmissão de conteúdo, mas na capacidade de garantir que ele seja acessível a todos. Quando uma instituição viabiliza a aplicação do TOEFL com adaptações específicas para estudantes autistas, ela não está abrindo exceções, está afirmando um compromisso com a equidade.
Esse primeiro passo representa mais do que um marco individual. Ele aponta para um futuro em que avaliações internacionais reconhecem, desde a base, a diversidade cognitiva e emocional dos alunos. Um futuro em que as diferenças não são vistas como obstáculos, mas como dados essenciais para uma educação mais justa, sensível e eficaz.
Que esse gesto inspire outras instituições, educadores e gestores a refletirem sobre o poder transformador da escuta. Porque, no fim das contas, a fluência mais importante que podemos promover é a da empatia. E toda vez que a inclusão ganha voz, o mundo educacional aprende a falar melhor todas as suas línguas.
* Carolina Eliam – professora de Inglês da Escola de Idiomas Senac e mãe do aluno Bernardo