O corpo se esfaz na terra:
O sopro que Deus lhe dera
Está livre como o vento.
Nunca pensou que pudesse
Andar por tantas lonjuras
Como anda o pensamento
Mas não era de turismos...
Voltou, ficou por ali...
Leu o resto de uma página
Que deixara interrompida...
Sentou no topo da escada.
Sentou na beira da estrada.
Morte ____ que grande estopada!
Até que um Anjo Glorioso
Passou
Olhou
Não viu nada
...um anjo tão esplendente
que a própria luz o cegava!
(Mário Quintana)
Atravessando o mês de Outubro e adentrando o de Novembro, onde, no entremeio, há duas celebrações peculiares: Halloween (ou dia das bruxas) e Finados (ou dia dos mortos), nos deparamos abruptamente com a legítima atmosfera escorpiana.
Notamos na erudição dos versos de Quintana, que ele traduz um requinte fugaz da morte. Andar na lonjura dos pensamentos vai além de andar a turismo.
Em "Ideias para adiar o fim do mundo", Ailton Krenak enfatiza o turismo sem proposito:
"Em diferentes lugares do mundo nos afastamos de uma maneira tão radical dos lugares de origem, que o trânsito dos povos já nem é percebido. Atravessamos continentes como se estivéssemos indo ali do lado. Se é certo que o desenvolvimento das tecnologias eficazes nos permite viajar de um lado para o outro, que as comodidades tornaram fácil a nossa movimentação pelo planeta, também é certo que essas facilidades são acompanhadas por uma perda de sentido dos nossos deslocamentos".
O estoico, Marco Aurélio, tem um célebre pensamento sobre a comodidade: "O conforto é o pior dos vícios". Refletir sobre o nosso precioso tempo nesta aventura do viver é caminhar por entre sombras e luzes, bruxas e fadas, o confortável e o desconfortável, o topo da escada e a beira da estrada.
Os escritores, os filósofos e as crianças sabem disso como ninguém. Vivem intensamente suas imaginações, suas criações e a celebração do dia como se fosse o último: carpe diem.
Não é sobre viver como um turista ao léu, ou um bêbado deslumbrado, ou ainda como um ninfomaníaco à espreita, mas um entregar se à aventura com sentimentos verdadeiros, pensamentos sinceros, palavras gentis e de gratidão.
Concluindo a vibe escorpiana, na passagem astral de Marte em Câncer, onde a força bruta do fazer confronta com o lado sensível do afeto, encontramos no parecer do estoico Sêneca, um alento, um conselho, ou quem sabe, o décimo primeiro mandamento: "tota vita discendum est mori", a vida toda é um aprender a morrer.
Na beira da estrada
Registro em Pirenópolis
Poema de Mario Quintana