Mercadejar é próprio do homem. No princípio, era o escambo: trocava-se uma ovelha por 3 sacos de trigo, um cesto de pães por 5 ou 6 peixes. Quando o dinheiro, também conhecido como Mamon, entrou na jogada, o negócio se expandiu e a humanidade passou a gravitar — e gravita até hoje — em torno dessa divindade. Assim, onde dois ou três estiverem reunidos, lá estará Mamon no meio deles, ditando as regras de convivência.
O parque Vaca Brava onde caminho e corro atrás da boa forma perdida é um microcosmo de pessoas imersas em ocupações múltiplas. Há os meus confrades andadores e corredores, há os praticantes do treino funcional, os da academia ao ar livre e a turma da calistenia. Há mamães, vovós e babás a vigiar suas crianças praticantes da liberdade. Há os que se dedicam ao meticuloso exercício do sedentarismo — solitário ou compartilhado — mexendo no celular ou conversando sobre política, futebol e outros temas apetecíveis. Por último, e aqui o mais importante, há um grupo curioso e vário: os mercadores.
Ali se vende quase tudo: água mineral, água de coco, o próprio coco, caldo de cana, crepe, tapioca, sanduíche, pipoca, sorvete, picolé, biscoito, cocada, paçoca. O comércio desses gêneros molhados e secos é praticado pelos vendedores fixos, instalados em barracas e quiosques à volta do parque. Nos feriados e fins de semana, costumam aparecer os ambulantes pra vender artesanato. Há dois tipos de mercadores que merecem atenção especial, ambos pelo modus operandi pró-ativo e o segundo pelo produto que comercializa.
Vamos aos primeiros: os vendedores de apartamento. Esses trabalham em equipe de 2 ou 3 e apresentam-se muito bem vestidos: os homens de terno, as mulheres de tailleur (usualmente preto). Chegam por volta das 5 da tarde e montam sua estrutura: um banner do empreendimento e a banca, onde dispõem os prospectos e os brindes.
A estratégia que adotam é semelhante à que minha vó usava para agarrar uma galinha pro almoço. Ela jogava o milho, as penosas se aproximavam impelidas pela fome ou pela gula e, em pouco tempo, zás! Lá se ia uma desafortunada pra degola e depois pra panela. Aqui, o milho é o brinde e a galinha, o caminhante. Com um sorriso faceiro, a moça o interpela: aceita um copo d’água, um sorvete? Impelido pela sede ou pelos atributos femininos, o sujeito para. Enquanto saboreia o engodo, outra beldade vem pela retaguarda e lhe pede nome, telefone e e-mail. Pronto: foi fisgado. Nas próximas semanas, o homem-galináceo será bombardeado por ligações e mensagens com propostas imperdíveis.
Por fim, chegamos à categoria mais peculiar entre os mercadores do parque: os neopentecostais. A exemplo de seus colegas do ramo imobiliário, eles também atuam em equipes treinadas e também cevam seus clientes. Só que, ao invés de brindes físicos, oferecem algo bem mais sublime: a oração, o alimento espiritual.
A tática é a seguinte: munidos do livro sagrado, eles se posicionam em pontos estratégicos e põem-se a observar os passantes. Algum que lhes pareça mais suscetível se torna o alvo para o qual partem como elemento surpresa: “Posso orar por você, varão!?” O camarada, que já vinha meio aéreo e cheio de problemas, aceita complacente a oferta. Nesse momento, o vendedor de bençãos impõe a mão sobre a cabeça do pecador e profere palavras proféticas em nome do Deus de Abraão, de Isaque e Jacó. Daí a alguns dias, estará o convertido frequentando o culto, onde — a troco de uma módica contribuição pecuniária — receberá blindagem contra todos os males deste mundo. Aleluia, irmão!
O parque representa o mundo, vasto mundo, onde o maranhense Raimundo vende um coco por 9 reais, e o corretor, um apartamento por um milhão. A verdade é que, grandes ou pequenos, todos nós somos mercadores e estamos sempre vendendo alguma coisa: um produto, um serviço, uma informação.
Assim como errar, mercadejar é humano. O que não concordo é que nas relações comerciais — pelo fato de serem comerciais — seja permissível enganar, corromper, mentir. Ser honesto não é ser bobo, é ser justo. Além da justiça, sempre que pudermos quebrar essa lógica do “toma lá, dá cá” e praticar simplesmente o “toma, é seu, é um presente” estaremos nos afastando de Mamon e nos aproximando d’Ele.
*Luciano Alberto de Castro é escritor