Carla Lacerda
Goiânia – Condenado nacionalmente em mais de uma oportunidade pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), o chamado “chip da beleza” - que consiste em um implante hormonal subcutâneo para fins estéticos e de aumento de desempenho físico, muito utilizado pelas mulheres -, também não encontra respaldo entre os especialistas que atuam em Goiás. A mais recente orientação da Sbem nacional é bem clara e ratifica as posições anteriores:
“A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) vem a público informar que também não reconhece os implantes de gestrinona como uma opção terapêutica para tratamento de endometriose, rechaça veementemente o seu uso como anabolizante para fins estéticos e de aumento de desempenho físico, e conclama as autoridades regulatórias para incluir a gestrinona na lista C5 e aumentar a fiscalização do uso inadequado destes implantes hormonais no nosso país”, diz trecho do documento divulgado no último dia 6 de novembro.
Presidente da regional da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia em Goiás, Marco
Elísio: uso do chip da beleza traz efeitos colaterais irreversíveis para mulheres (Foto: Divulgação)
A decisão é acompanhada em 100% pela regional da Sbem em Goiás, presidida pelo endocrinologista Marco Elísio Sócrates de Castro. “Não há o reconhecimento científico para o tratamento de nenhuma doença ou situação a partir da gestrinona (um dos hormônios mais utilizados no chip da beleza)”, ressalta. “Uma das nossas lutas, atualmente, é para que a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] inclua a gestrinona no rol de anabolizantes, porque, assim, teríamos o controle especial e, na receita, haveria o CPF do prescritor e o CID da doença”, explica Marco, ao destacar que a medida seria uma estratégia para coibir o uso desse implante hormonal no Brasil.
Neste sentido, a coordenadora do ambulatório de Tireoide do Hospital Estadual Alberto Rassi - HGG e também integrante da Sbem-GO, Raquel Andrade de Siqueira, lembra que a gestrinona já está na lista internacional de substâncias proibidas no esporte pela Agência Mundial Antidoping, a World Anti-Doping Agency (Wada). “Trabalhamos na conscientização, junto a colegas médicos e à sociedade, para mostrar que não há segurança científica no uso do chip da beleza”, pontua Raquel.
Riscos
Na última recomendação emitida pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia está latente a preocupação com o aumento do uso desse recurso estético: “No Brasil, a utilização de implantes hormonais utilizando esteroides sexuais e seus derivados aumenta de forma avassaladora”.
“O comunicado da Sbem foi muito importante e serve como alerta”, avalia o endocrinologista Elias Hanna, que também é conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego). Ele reforça o que dizem os colegas: o chip da beleza não tem, conforme pontuam os especialistas, aceitabilidade terapêutica, já que não é um medicamento oral e, muito menos, deve ser recomendado para fins estéticos. “O excesso de androgênios traz inúmeros prejuízos à saúde da mulher, como propensão às doenças cardiovasculares e risco aumentado de câncer de mama e endométrio”, exemplifica.
Elias Hanna (Foto: Divulgação)
A lista de malefícios, principalmente a longo prazo, é densa: além dos complicadores citados por Hanna, existem outros, alguns irreversíveis, como alteração da voz e aumento do clitóris. Aumento de pelos, oleosidade da pele, acne, toxidade hepática, risco de trombose também estão entre os efeitos colaterais da gestrinona.
Mito da Mulher Maravilha
A coordenadora do HGG faz uma análise sobre o ritmo da sociedade atual, que não reconhece os limites físicos e o cansaço como características naturais de qualquer ser humano. Neste contexto, a mulher se sente ainda mais cobrada a atingir um padrão de perfeição que, na verdade, é inalcançável.
"Vivemos em uma sociedade do 'cansaço', em que as pessoas são valorizadas pelo tanto que produzem. Por isso, estão eternamente insatisfeitas", assinala Raquel Andrade. "Muitas mulheres que buscam o chip da beleza estão atrás do vigor físico para dar conta de tantas tarefas e papeis desempenhados ao longo do dia", complementa a especialista, que acompanha a posição da Sbem em condenar o uso da substância por falta de evidências na literatura médica.
Raquel Andrade de Siqueira (Foto: Divulgação)