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Setor responde por 83% dos empregos formais | 29.06.22 - 08:00
Maria Margarete Guerini e a filha, Luiza Cunha Lima, abriram uma microempresa de doces (Foto: Divino Rufino) Divino Rufino
Goiânia - Localizado a 425 quilômetros de Goiânia, Alto Paraíso de Goiás é um município pequeno – tem pouco mais de 7.750 habitantes, segundo estimativa do IBGE –, mas ao mesmo tempo grande, dadas as sensações e sabores que desperta. Para os amantes da natureza, tem sabor de aventura, com as trilhas e cachoeiras deslumbrantes que integram a Chapada dos Veadeiros, declarada Patrimônio Mundial Natural pela Unesco em 2001.
Para os místicos, o sabor é sobrenatural: há minas de cristais nas redondezas, e representações de alienígenas e óvnis estão por toda parte, contribuindo para uma espécie de “realidade paralela”. Existe, inclusive, a crença de que o local é resguardado do fim do mundo.
Já para Maria Margarete Guerini, carinhosamente chamada de Vídia, de 62 anos, e Luiza Cunha Lima, 32, mãe e filha empreendedoras, o gostinho de Alto é doce: juntas, elas comandam a Sabor do Paraíso, uma microempresa de confeitaria que tem o pão de mel como carro-chefe.
Maria Margarete Guerini e a filha, Luiza Cunha Lima, falam com orgulho da microempresa que criaram juntas (Foto: A Redação)
Nascida no Rio Grande do Sul, Dona Vídia aprendeu a receita do doce ainda moça, com a avó e as tias. Por sua vez, Luiza, que é alto-paraisense, aprendeu a fazer o quitute com a mãe. Uma receita de família que foi transformada em negócio rentável, mantendo um ingrediente que faz toda diferença no produto final: o afeto.
“São as nossas raízes. Fazer um produto que as pessoas gostam é muito bom. O trabalho na cozinha é muito cansativo, são horas e horas em pé. Então quando a gente recebe um feedback positivo, a gente ganha o dia. Esse reconhecimento traz felicidade”, pontua Luiza.
E, ao longo dos anos, a felicidade vem acompanhando a evolução da Sabor do Paraíso numa crescente. O que começou de forma despretensiosa em 2004, em uma cozinha comum, com duas fornadas de 50 pães de mel por semana, hoje é uma microempresa formalizada com três colaboradoras com carteira assinada e produção diária de 150 pães de mel, além de bolos, tortas e kits-lanche para turistas.
(Foto: Divino Rufino)
“Nosso pão de mel já está à venda em Alto Paraíso de Goiás, São Jorge e Cavalcante, em diversos estabelecimentos como mercados, pousadas, empórios e lanchonetes”, comemora Luiza. Segundo ela, a produção não está sendo suficiente para atender a atual demanda e, por isso, articula com a mãe um novo salto produtivo.
Não é exagero afirmar que o sucesso da Sabor do Paraíso representa também uma conquista do Brasil, do ponto de vista econômico e social. Levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostra que, atualmente, os micro e pequenos negócios respondem por 99% das empresas do país, mais de 54% dos empregos formais e 29,5% do PIB. Mais: 40,4% da população é beneficiada direta ou indiretamente pela atividade de micro e pequenas empresas, o que representa 86,5 milhões de brasileiros.
Em Goiás, 83% dos 110.787 empregos gerados no ano de 2021, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), vieram de micro e pequenos negócios. Este setor emprega mais no Estado do que a média nacional, de 79%, e teve participação de 35,5% no PIB goiano.
“Foi por isso que, principalmente no início da pandemia de covid-19, as ações do Governo de Goiás foram focadas no fortalecimento das micro e pequenas empresas. A maior preocupação do governador Ronaldo Caiado foi manter e gerar novos empregos, e esta categoria foi essencial para conseguirmos alcançar dados positivos consecutivos no Caged e no IBGE”, afirma o titular da Secretaria de Estado da Retomada, Cesar Moura.
Titular da Secretaria de Estado da Retomada, Cesar Moura (Foto: Governo de Goiás)
Dentre as medidas de apoio aos empreendedores goianos, o secretário destaca a criação do programa Mais Crédito, que facilita o acesso a linhas de crédito, renegociação de dívidas, consultoria empresarial e de planejamento; a liberação de R$ 125, 8 milhões em empréstimos para micro e pequenas empresas e microempreendedores individuais (MEIs) via Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe); além de um pacote de R$ 112 milhões de crédito com juro zero à disposição de empresários goianos que não demitirem.
Ingredientes
O pão de mel Sabor do Paraíso leva farinha, leite, manteiga, chocolate, açúcar mascavo, especiarias como cardamomo, cravo, canela e noz moscada, e, claro, mel. São oito opções de recheio: brigadeiro, doce de leite, trufa de café, trufa de castanha do Pará, nozes, abacaxi com coco, damasco e passas ao rum.
“O leite a gente usa da região, a gente compra na feira do produtor. O açúcar mascavo também é daqui da região, então a gente busca sempre valorizar os produtores locais. E na cobertura de chocolate, a gente só usa chocolate nobre, não é hidrogenado, é um chocolate muito bom, e eu acho que por isso ele tá há tanto tempo no mercado. A gente tem clientes desde o comecinho que falam: eu sempre venho e é sempre a mesma qualidade”, destaca Luiza, que não esconde o orgulho.
Já a receita para a microempresa constituída em 2018 “ficar no ponto”, levou uma boa dose de conhecimento. “No início dos anos 2000 eu fiz um curso do Sebrae, o Empretec, que me deu uma base muito boa sobre como montar um empreendimento. Esses ensinamentos ficaram para sempre e ajudaram muito”, relembra Dona Vídia.
Segundo a gerente de Apoio Institucional da Junta Comercial de Goiás (Juceg), Ana Paula Chaves Amador, a falta de conhecimento e planejamento podem ser fatais para qualquer empresa. “Ao iniciar um negócio é imprescindível um planejamento, que inclui o ramo de atividade a ser desenvolvida, a carga tributária, o tipo jurídico da empresa, o local, o mercado. Lembrando que existe um tipo de empresa para cada negócio”, diz.
Desde o segundo semestre de 2021, os empreendedores goianos de “primeira viagem” podem contar com o auxílio do programa Comece Certo, uma parceria da Junta Comercial do Estado de Goiás (Juceg) com o Sebrae Goiás que tem o objetivo de impulsionar a organização e os negócios da empresa, identificando oportunidades, dificuldades, riscos e propondo soluções.
“Após formalizar a empresa na Juceg, todos os interessados são atendidos de graça pela equipe do Sebrae, que orienta sobre a programação de encontros de negócios, cursos, consultorias, feiras, oficinas e conteúdos digitais mais adequados para cada empresa”, explica o diretor-superintendente do Sebrae Goiás, Antônio Carlos de Souza Lima Neto.
Diretor-superintendente do Sebrae Goiás, Antônio Carlos de Souza Lima Neto (Foto: Sebrae Goiás)
“Além disso, vale destacar a atuação do Sebrae no tocante à melhoria do ambiente para as pequenas empresas permanecerem no mercado, por meio de programas de políticas públicas realizados em parceria com organismos públicos, privados e terceiro setor”, ressalta.
Fermento
Vinte minutos antes de ir para as forminhas, a massa do pão de mel recebe fermento para crescer. E o bolo das empresas em Goiás também aumentou no último ano com o estímulo da retomada econômica aliada à busca de muitos por recolocação no mercado de trabalho.
Dados da Juceg apontam que em 2021 houve recorde de abertura de empresas no Estado: foram mais de 90 por dia, entre microempresas, empresas de pequeno porte e empresas de médio e grande porte, num total de 34.613 negócios. Número 33% superior ao registrado em 2020, e maior do que o acumulado de seis décadas, considerando que de 1941 a 2003 foram iniciadas 19.003 empresas.
Já o número de empresas extintas no ano passado somou 14.762. Entre aberturas e fechamentos, o saldo foi positivo, de 19.851 empresas. O ramo que liderou o número de negócios abertos foi o do comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios. Na sequência, aparece promoção de vendas; e em terceiro lugar estão cabeleireiros, manicure e pedicure.
Em Alto Paraíso de Goiás, cidade onde a microempresa de Vídia e da filha funciona, foram abertas 316 empresas em 2021, incluindo os MEIs. O município conta hoje com 1.707 empresas, sendo que apenas 32 são de médio ou grande porte. De acordo com o gerente regional do Sebrae Goiás, Cleber Chagas, o interior do Estado apresenta muitas oportunidades para os pequenos negócios.
“Para grandes empresas, a instalação fora de grandes centros se torna mais complexa. Por isso os pequenos negócios se beneficiam, e acabam se tornando fundamentais para o desenvolvimento e dinamicidade da economia de cidades do interior”, explica Chagas.
Goiás é hoje o segundo Estado brasileiro mais rápido para abertura de novas empresas, o que também favorece o ambiente de negócios. O tempo médio para abrir uma empresa aqui é de 16 horas, atrás apenas de Sergipe, com 13 horas. Essa posição foi alcançada graças à integração em um único sistema de todos os órgãos envolvidos no Registro de Empresas, inclusive as prefeituras.
Além disso, a Juceg disponibiliza ao empreendedor um contrato padrão para registro que é automaticamente deferido e arquivado, não demandando análise por parte da Junta Comercial, eliminando a ocorrência de pendências no processo, e diminuindo sensivelmente o prazo para constituição de empresas.
Gerente de Apoio Institucional da Junta Comercial de Goiás (Juceg), Ana Paula Chaves Amador (Foto: Juceg)
“Essa agilidade na abertura de empresas no Estado atrai investimentos e, por consequência, aumenta postos de trabalho, fomentando a economia e melhorando a qualidade de vida dos goianos”, destaca Ana Paula Chaves Amador.
Modo de preparo
Do tempero do chocolate até o embalo, a produção do pão de mel envolve surpreendentes 19 etapas. Dá trabalho fazer o doce que, muitas vezes, é devorado em questão de minuto. Fazer uma empresa dar certo também não é tarefa fácil: exige paciência e atualização constante.
“Tem que se preparar, estudar bastante. A Luiza estuda muito tentando se profissionalizar para trazer o melhor para o negócio. E o legal é que agora eu também aprendo muito com a Luiza, né? Ela tá sempre fazendo um curso on-line, já tem uma bagagem grande e compartilha tudo comigo”, relata Dona Vídia.
Após 18 anos de atividade formal, considerando os períodos como microempreendedora individual (MEI) e microempresa, Luiza avalia que a sensação é de vitória. A empresa vem crescendo gradualmente, com consistência, respeitando todas as etapas. E cada degrau alcançado traz novas recompensas e responsabilidades.
“A gente passou de MEI para microempresa e deu aquele frio na barriga. Porque são mais responsabilidades, os impostos são maiores, funcionários de carteira assinada, tirar nota fiscal... Os cuidados de uma gestão de uma microempresa são maiores”, conclui.
A pandemia de Covid-19, que nos dois últimos anos fez muito negócio Brasil a fora desandar, não impactou a Sabor do Paraíso. Luiza conta que a confeitaria atravessou bem a fase mais crítica da pandemia, com pouca oscilação no faturamento, e que com o fim do lockdown as vendas do pão de mel e de bolos dispararam. Agora, segundo ela, é hora de avançar.
“Sei que precisamos focar mais no administrativo. A gente se apega na produção, quer fazer sempre tudo bem feito, mas chega um momento em que para crescer você tem que saber delegar para cuidar do todo, porque a empresa não é só o produto”, analisa.
Vendas
O pão de mel Sabor do Paraíso é vendido por Luiza e Dona Vídia a R$ 6 a unidade. E vale cada centavo. O preço foi, digamos, congelado, apesar da inflação persistente que encarece as matérias-primas com certa regularidade.
“Você vai no mercado e os preços só aumentam. Mas eu não posso vender o pão de mel hoje a R$ 6 e, amanhã, a R$ 6,50. É difícil porque a gente não muda a qualidade do chocolate, da massa... Para se ter uma ideia, o cardamomo tá custando agora R$ 600 o quilo, e a gente continua usando porque é o nosso nome, a gente não abre mão”, frisa Luiza.
Pesquisando por doces, muita gente tem encontrado a confeitaria da jovem na internet. Ela ampliou a presença na web no último ano, uma tendência observada entre os pequenos negócios. De acordo com o Sebrae Goiás, em 2020, 44% dos MEIs goianos vendiam produtos os serviços pela internet, e em 2021 o número subiu para 69%.
“Hoje em dia está todo mundo on-line, então se você também não estiver, fica para trás. O número de pedidos pelo Instagram cresceu muito, a gente já tem WhatsApp comercial e eu coloquei nossa empresa no Google, então o pessoal consegue achar fácil”, destaca Luiza.
Abrir uma loja física também está nos planos da confeiteira, que vislumbra ainda ampliar a cozinha da confeitaria, fortalecer o comércio na Chapada como um todo e em Brasília, comprar novos equipamentos e, em breve, lançar a nova identidade visual, que acabou de sair do forno. “A meta é fazer com que cada vez mais gente conheça esse sabor do Paraíso. Queremos crescer mantendo o mesmo sabor artesanal, crescer com qualidade”, enfatiza.
Para quem pensa em empreender e sente algum receio de fracassar, Luiza tem um conselho. “Tem que ter persistência, não pode desistir na primeira dificuldade. Nem na segunda, na terceira, na quarta... As dificuldades virão, e você precisa ter garra pra enfrentar. Isso eu aprendi com a minha mãe”, derrete-se.
Outro toque importante que ela dá é o da autovalorização. “Às vezes a gente começa pequeno e fala ‘vou colocar um preço baratinho porque eu estou começando’. Esse é o erro de muita gente, subestimar o próprio produto. Se você mesmo não reconhece o valor daquilo que produz, quem reconhecerá?”, finaliza a empreendedora.