Samuel Straioto
Goiânia - Nos últimos 20 anos, Goiânia tem registrado um aumento expressivo na abstenção eleitoral, especialmente no segundo turno das eleições municipais. Esse fenômeno preocupa especialistas, pois o crescimento constante do número de eleitores ausentes compromete a legitimidade do processo democrático e a representatividade dos eleitos. Desde 2004, a abstenção no segundo turno em Goiânia tem superado a do primeiro turno, revelando uma desmotivação crescente do eleitorado.
Nas eleições de 2020, o cenário atingiu um novo patamar, com uma abstenção de 36,75% no segundo turno. Mais de 356 mil eleitores deixaram de comparecer às urnas, um índice bem acima da média nacional para o segundo turno, que foi de 29%, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O aumento da abstenção em Goiânia tornou-se um padrão, já que no primeiro turno daquele ano o percentual também foi elevado, com 30,72% de eleitores ausentes. A disputa, vencida por Maguito Vilela (MDB), que obteve 52,60% dos votos válidos, aconteceu em meio à pandemia de covid-19, o que certamente afetou a participação popular. No entanto, o desinteresse já havia sido observado em pleitos anteriores.
No segundo turno, Maguito derrotou Vanderlan Cardoso (PSD) com 277.497 votos, enquanto seu adversário recebeu 250.036, o que representou 47,40% dos votos válidos. Ao todo, foram apurados 614.272 votos, dos quais 527.533 foram válidos, com uma abstenção de 356.949 eleitores. Esse segundo turno de 2020 marcou a maior abstenção já registrada na história das eleições municipais de Goiânia.
Histórico da abstenção nas eleições municipais de Goiânia
A evolução da abstenção nas eleições de Goiânia revela uma mudança significativa no comportamento do eleitorado, que tem demonstrado crescente insatisfação com as opções políticas e uma queda no interesse em participar do processo eleitoral. Esse descontentamento se intensifica no segundo turno, quando muitos eleitores cujos candidatos foram eliminados no primeiro turno optam por não comparecer às urnas.
Em 2004, por exemplo, a abstenção no segundo turno alcançou 19,26%, já superior aos 15,35% registrados no primeiro turno. Naquele ano, Iris Rezende (MDB) derrotou Pedro Wilson (PT) com 56,71% dos votos válidos, em uma disputa polarizada que já indicava a tendência de aumento da abstenção nas eleições seguintes.
Nos pleitos de 2008 e 2012, Goiânia não teve segundo turno, pois tanto Iris Rezende (MDB), em 2008, quanto Paulo Garcia (PT), em 2012, venceram no primeiro turno. No entanto, o índice de abstenção voltou a preocupar em 2016, quando Iris Rezende foi eleito pela quarta vez, derrotando Vanderlan Cardoso (PSB). A abstenção, que já era de 20,83% no primeiro turno, subiu para 24,09% no segundo.
Um episódio curioso nas eleições de 2016 foi a decisão do então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e do ex-prefeito de Goiânia, Paulo Garcia (PT), de alterar o feriado do Dia do Servidor Público, originalmente em 28 de outubro, uma sexta-feira, para o dia 25 de outubro, terça-feira. O objetivo era evitar que o fim de semana prolongado resultasse em maior abstenção no segundo turno, marcado para 30 de outubro.
A lógica por trás da decisão era que, com os feriados do aniversário de Goiânia, em 24 de outubro, e do Dia do Servidor, no dia 28, haveria um êxodo da cidade, elevando o número de eleitores ausentes. Ao modificar a data do feriado, o governo esperava reduzir a abstenção. No entanto, a estratégia não teve o efeito desejado, e mais de 230 mil eleitores não compareceram às urnas.
Comparativo da abstenção eleitoral de 2004 a 2024
O quadro abaixo apresenta a evolução da abstenção nas eleições municipais de Goiânia, do segundo turno de 2004 ao primeiro turno de 2024, ilustrando a tendência de crescimento ao longo dos anos.
Ano da eleição |
Abstenção 1º Turno (%) |
Nominal |
Abstenção 2º (%) |
Nominal |
2004 |
15,35% |
121.443 |
19,26% |
152.348 |
2008 |
Não teve segundo turno |
- |
Não teve segundo turno |
- |
2012 |
Não teve segundo turno |
- |
Não teve segundo turno |
- |
2016 |
20,83% |
199.407 |
24,09% |
230.555 |
2020 |
30,72% |
298.362 |
36,75% |
356.949 |
2024 |
28,23% |
290.754 |
Não realizado |
- |
As eleições de 2024, cujo primeiro turno registrou uma abstenção de 28,23%, com 290.754 eleitores ausentes, seguem a tendência observada nos últimos pleitos. A expectativa é que, caso haja segundo turno, o índice de abstenção possa ser ainda maior, repetindo o cenário de 2020 e 2016.
Especialistas apontam que o desinteresse do eleitorado tende a se acentuar quando as opções se restringem a dois candidatos. Essa dinâmica estaria ligada, segundo analistas, à falta de identificação dos eleitores com as candidaturas disponíveis, o que contribui para a queda na participação democrática.
Fatores que contribuem para o aumento da abstenção
O professor de Direito Eleitoral Luiz Almeida destaca que a abstenção eleitoral em Goiânia é impactada por uma combinação de fatores políticos e sociais.
"A desmotivação do eleitor é clara quando se analisa a diferença entre o primeiro e o segundo turno. Muitos eleitores, cujos candidatos não avançam para a fase final, acabam não se sentindo representados pelas opções que restam. Além disso, questões externas, como feriados, e situações atípicas, como a pandemia de covid-19, também influenciam o comparecimento às urnas", explica Almeida.
Ele ressalta que, em 2020, a pandemia teve um papel crucial no aumento da abstenção, especialmente entre os eleitores mais idosos, que faziam parte do grupo de risco. "A necessidade de distanciamento social levou muitos eleitores a preferirem não comparecer, mesmo com as medidas de segurança implementadas nos locais de votação. Isso se somou ao crescente descontentamento político, já observado em pleitos anteriores."
A cientista política Mariana Gomes reforça essa perspectiva, ressaltando que o fenômeno da abstenção em Goiânia é multifatorial. "Não se pode atribuir a abstenção a uma única causa. Ela resulta de uma combinação de desinteresse político, desilusão com os candidatos e fatores externos, como feriados e até a geografia urbana."
Mariana observa que Goiânia, por ser uma cidade grande, também enfrenta o desafio do deslocamento até os locais de votação, o que pode desmotivar eleitores já insatisfeitos com o cenário político. "Isso se torna um fator agravante para aqueles que já não têm confiança nas opções disponíveis."
Ela também aponta que as eleições de 2016 evidenciaram como as estratégias políticas nem sempre conseguem conter a abstenção. "A transferência do feriado do Dia do Servidor Público foi uma tentativa clara de reduzir a abstenção, mas os números mostram que, mesmo com essa medida, o desinteresse prevaleceu. Isso indica que o problema é mais profundo e vai além de questões de calendário ou conveniência."
Impacto da abstenção na democracia
A crescente abstenção em Goiânia acende um alerta sobre a representatividade e a legitimidade dos candidatos eleitos. Quando uma parte significativa do eleitorado não participa do processo eleitoral, a legitimidade dos eleitos pode ser posta em xeque. Para o professor Luiz Almeida, esse é um dos maiores desafios da democracia contemporânea.
"A participação eleitoral é crucial para garantir que os eleitos realmente representem a vontade da maioria. Quando a abstenção é alta, como em Goiânia, a sensação é de que muitos eleitores não se veem como parte desse processo. Isso mina a confiança no sistema e impõe um desafio extra aos futuros governantes", analisa o professor.
O aumento da abstenção, especialmente no segundo turno, indica que o sistema político precisa buscar formas mais eficazes de engajar o eleitorado, seja por meio de campanhas mais inclusivas, maior transparência ou um diálogo mais aberto com a população.