Luana Avelar
Goiânia - O documentário Rio, Negro, dirigido e roteirizado pelos cientistas sociais Fernando Sousa e Gabriel Barbosa, foi selecionado para o Festival Internacional O Cubo de Cinema em Língua Portuguesa - 2024. A produção mergulha nas contribuições da população negra na construção do Rio de Janeiro, revelando o protagonismo dessa comunidade em aspectos culturais, políticos e sociais da cidade, que vão desde a religiosidade e medicina popular até as festas tradicionais como o Carnaval.
O Festival O Cubo, realizado em formato híbrido, valoriza a diversidade cultural dos países lusófonos e é uma importante vitrine para obras que exploram temas históricos e sociais. Com depoimentos de pesquisadores e figuras públicas, Rio, Negro examina as influências afro-brasileiras na constituição do Rio e como essas contribuições resistem até hoje, apesar de uma história marcada pela violência e perseguição institucionalizadas.
Para Sousa, evidenciar essa dualidade entre exclusão e protagonismo negro foi essencial. “A desigualdade que marca o Rio de Janeiro não é natural, isso tem uma história. Ao mesmo tempo em que eram afastados desse espaço, ocupando os morros, a população negra foi fundamental para a formação da cidade, tanto do ponto de vista econômico quanto sociocultural”, explica. Barbosa acrescenta que o documentário sugere que a transferência da capital para Brasília, sob a alegação de modernização, ocultava a intenção de afastar o poder federal das massas populares que demandavam igualdade.
A obra também aborda a singularidade do Rio de Janeiro como o local que abrigou o Cais do Valongo, maior porto escravista da América no século 19. O historiador Eduardo Possidonio define a cidade como “um quilombo a céu aberto”, destacando a presença massiva de africanos e afrodescendentes nas ruas, onde se ouviam mais línguas africanas do que europeias. Esse cenário foi crucial para o desenvolvimento de uma identidade cultural que mescla saberes tradicionais, como o uso de plantas medicinais e práticas religiosas afro-brasileiras, ao cotidiano carioca.
A narrativa do documentário destaca ainda a resistência negra que se manifesta até hoje. No Brasil Colônia, grandes quilombos e associações negras eram espaços de organização e cultura. Após a abolição, mesmo com a exclusão por políticas como as leis de “vadiagem” e o incentivo à imigração europeia, as comunidades afro-brasileiras continuaram lutando, dando origem a movimentos como a Revolta da Chibata e a mobilização por direitos nos bailes e escolas de samba.
Segundo Sousa e Barbosa, Rio Negro resgata essa história com um olhar crítico e sensível, questionando as forças políticas e raciais que moldaram a cidade.
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