Gabriel Neves
Goiânia - Comemora-se neste domingo (13/2) o centenário da Semana de Arte Moderna, evento organizado por intelectuais brasileiros e que ocorreu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no Theatro Municipal de São Paulo. Em oposição ao espírito conservador da época, que dominava as artes em geral, o grupo tinha como mote a renovação. Nomes como Mário de Andrade, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral integravam o time de intelectuais do movimento.
Entre historiadores, é praticamente consenso a ideia de que o evento marcou a cisão entre o que se produzia e o que viria a ser produzido a partir daquele momento no Brasil. O Modernismo, considerado o principal fruto da Semana de Arte Moderna, assumiu a cena nas artes visuais, na literatura, na arquitetura, no teatro e na música, alterando, assim, os espectros culturais.
O Estado de Goiás, em 1922, ainda tinha como capital a Cidade de Goiás. Só em 1933, onze anos depois, Pedro Ludovico lançaria a pedra fundamental de Goiânia – a nova capital – que surgia com um modelo arquitetônico até hoje celebrado: o art déco. Entre os historiadores da arte e profissionais da área ouvidos pelo jornal A Redação, sobressai a ideia de que essa fora a principal tentativa de lançamento do Estado na cena cultural da época, que tinha São Paulo e Rio de Janeiro como destaques no Brasil.
Os primeiros respingos do Modernismo que chegaram em solo goiano só se deram por volta dos anos 1950, conforme explica o jornalista e escritor Iuri Godinho em entrevista ao AR. Segundo Godinho, a literatura de Bernardo Élis foi crucial nesse sentido, mas não é possível cravar que tenha começado a partir dele. Fato é que nomes importantes na literatura goiana, como o de Eli Brasiliense, autor do livro “Chão vermelho”, beberam da fonte modernista para escreverem suas narrativas.
Iuri Godinho (Foto: A Redação)
O fato de Goiás não estar no mesmo ritmo de outras capitais brasileiras, contudo, tem a ver com uma perspectiva política de desenvolvimento atrasada. “A construção de Goiânia foi um passo importante para a modernização de Goiás. O desenvolvimento das comunicações se deu a partir daí”, explica o jornalista.
“O fluxo modernista demorou a chegar aos goianos. Goiânia teve uma grande dificuldade no sistema de comunicação, em seu início. Para se ter uma ideia, os jornais impressos demoravam de 3 a 4 dias para chegar aqui. Não tinha TV, nem rádio e nem mesmo estrada que facilitasse o acesso a São Paulo, por exemplo", lembra Godinho.
Para especialistas das artes visuais, mesmo em meio a dificuldades, é importante reafirmar os ganhos que foram possíveis, à época, e focalizá-los como os feitos que trouxeram olhares de outras cidades para o estado de Goiás e, em especial, Goiânia. Mestre em História e artista visual, Sandro Tôrres sustenta essa afirmação. “Goiânia, seguindo o modelo art déco, foi construída com a ideia de ser uma cidade moderna, e isso despertou não só olhares, mas encontros de intelectuais por aqui”, diz.
Sandro Tôrres (Foto: Fabrício Cardoso/Acervo Pessoal)
Modernismo hoje
A celebração do centenário da Semana de Arte Moderna desperta questionamentos sobre o que mudou de lá pra cá. “Nós até fazemos sucesso e conquistamos nosso espaço, mas sempre com atraso. Se houver outra Semana de Arte Moderna, vai demorar dez anos para chegar aqui”, aponta Iuri Godinho.
“Goiás continua um Estado conservador e desconfiado a novidades. O fato que muda é que hoje é muito mais fácil ter acesso a tudo que está disponível no País, e as pessoas sabem disso, mas vale reafirmar que a política do Estado é agrária. Para fazerem sucesso, infelizmente, os artistas, de maneira geral, precisam sair de Goiás”, arremata.
Já para Sandro Tôrres, a principal questão a ser sublinhada não é o lugar em que o artista faz sua arte, mas como ele insere a sua arte onde está. “Hoje a nossa preocupação é com instituições e políticas que não fomentam a arte”, justifica. “Mas o trabalho de inserir os modernismos, na nossa época, é incessante.”
Programação
Em comemoração ao centenário, a Prefeitura de Goiânia promove o evento “Goiânia em 22, 100 anos depois – inquietações modernistas”, que ocorre entre os dias 11 e 18 de fevereiro na capital. Tôrres conta ao AR que a exposição “Reflexos modernistas - coleções privadas”, um dos pontos do evento da Prefeitura, abocanha exatamente essa iniciativa de trazer o debate e a provocação sobre o modernismo aos goianos, 100 anos depois da Semana de Arte Moderna. “Não queremos só celebrar este centenário, mas provocar o público, as autoridades, a sociedade em geral”, afirma.
As obras de Alfredo Volpi, Anita Malfatti, Cândido Portinari, Di Cavalcanti e Lasar Segall que integram a exposição levam não só a carga do pensamento e ideal modernista, iniciado na São Paulo de 1922, mas continuam a fazer ecoar aquelas vozes que ditaram um mundo cultural diferente e que, como dizem historiadores da arte, não pararam de se transformar.