Goiânia - Cunhados têm má fama de há muito. Concunhados não sofrem do mesmo estigma, mas estão próximos. Pois um concunhado meu vem repisando um mantra: "No tempo dos militares não era assim...!" Ou então : "Precisamos trazer de volta os militares!" pensamento típico de quem não gosta de muita conversa, o problema é que não é só meu concunhado.
Além de muita gente vir repetindo o chamamento, a coisa tomou novo rumo desde a declaração de voto de um infeliz deputado durante a seção de votação do impeachment, no domingo 17 de abril. Ao anunciar seu voto, o deputado o dedicou a um conhecido torturador dos tempos do regime militar. O tal torturador, coronel de patente, foi diretamente responsável por tortura e assassinato de quase 700 pessoas. Em outubro de 2008, um juiz de primeira instância de São Paulo numa ação declaratória, deu uma sentença em que definia o coronel como responsável por sequestro e tortura. Essa ação não implica prisão nem qualquer tipo de indenização, mas apenas a definição e o reconhecimento de uma situação – daí o nome "ação declaratória". O infeliz coronel morreu ano passado, em 2015, aos 83 anos.
Afinal, o deputado poderia ter dito o que disse?
Palavras são poderosas e provavelmente vamos discutir o assunto por algum tempo ainda. E não custa lembrar um exemplo interessante que vem da Alemanha. País que sofreu com um partido maluco no poder por cerca de 20 anos, desde o fim da Segunda Guerra, em 1945, estão lá proibidos o uso de símbolos e qualquer ação política voltada para a antiga ideologia, o nacional-socialismo. Na prática, é proibido o uso de símbolos e a propaganda política com referências ao pomposo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, da sigla em alemão).
Nesses anos todos, sempre houve discussão sobre a incompatibilidade da proibição e a liberdade de expressão. Em 2009, um Tribunal Constitucional, especialmente reunido para este fim, em Karlsruhe, reiterou que menções ao regime ou ao partido Nacional Socialista são ilegais e representam uma "exceção" à regra geral de liberdade de opinião e expressão. Os EUA têm entendimento diferente, e lá pode-se usar a suástica livremente – mas essa é outra discussão.
Por trás dessa discussão teuto-brasileira estão duas premissas importantes. Em primeiro lugar, fica evidente o quanto é importante definir as coisas e seus nomes. A tal ação declaratória brasileira definiu o coronel como torturador; a lei alemã define bem os símbolos proibidos, suástica, siglas variadas e por aí afora.
Em segundo lugar, fica evidente a força das palavras. A proibição alemão de evocar o nome do partido ou de seu antigo líder prova a força negativa que o uso dessas palavras pode desencadear. Mais ou menos como uma antiga palavra mágica, abracadabra ou abre-te, Sésamo, que teria o poder de conjurar o demônio!
Já que estamos nos ocupando de definir coisas e chamá-las por seus nomes adequados, talvez não fizesse mal algum à nossa democracia um pouco do pragmatismo alemão. Proibir a defesa pública de regimes ou pessoas que afrontem a Constituição pode ser um passo importante. Definir regimes militares e tortura como afronta à Constituição pode ser outro passo.