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Sobre o Colunista

Nádia  Junqueira
Nádia Junqueira

Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

Ora, pois!

Sobre o direito de ter filho...

...ou de não tê-lo. | 23.02.15 - 17:59 Brasília - Histórias de mulheres ao meu redor. Que também estão ao seu. Acontece a todo momento e você pode substituir minhas mulheres por aquelas da sua convivência. Essa aconteceu há poucos dias. 

Uma professora universitária, no alto de seus 30 e tantos anos de idade e maturidade, dá a luz ao seu segundo filho. Quando deu a luz ao seu primeiro, não tinha mestrado ainda. Dessa vez, mestre e professora, cursa o doutorado. Seria motivo para celebrarmos: mais uma mulher que conquista o espaço acadêmico e consegue conciliar, com competência, sua decisão e vontade de ser mãe. Não foi o que pensou seu colega. “Que absurdo! É muita irresponsabilidade ter um filho cursando o doutorado”.

Ela é casada, muito bem formada, autônoma e madura suficiente para ter seu filho. Mas também aconteceu com outra, que era jovem, com menos maturidade, ainda conquistando autonomia, graduação por ser concluída e não era casada. Mas teve a mesma vontade e coragem em assumir a gravidez. "Uma irresponsabilidade" ouviu tantas vezes quando assumiu a gravidez. Contra a maré de preconceitos e terríveis julgamentos, com apoio ínfimo do pai da criança, conquistou sua autonomia, maturidade, graduação, casamento com outro rapaz e a criança é linda, alegre e doce. 

Mas também aconteceu com outra. Sem graduação, pobre, empregada doméstica, teve filho com um. Depois dois com outro. No quarto, de outro pai, enfrentava o árduo peso não só da tarefa de criar só as crianças sem apoio de nenhum dos pais, como o crescente julgamento que lhe inferiorizava. Não queria mais limpar chão e queria garantir um futuro melhor a ela e aos filhos. 

Trabalhava um período, estudava no ensino regular em outro e no outro fazia curso técnico, que tinha ganhado bolsa. Seria motivo para celebrarmos: as mulheres que têm a chance de deixar de ser domésticas, como suas mães, e terem acesso ao estudo e a um mercado de trabalho diferente. Mas ela foi julgada por ter se afastado de suas crianças e de seu dever de educá-las enquanto passava o dia todo na rua trabalhando e estudando.

Também aconteceu com outra professora universitária. Ela, diferente das mulheres acima, optou por não ter filho. Fez seu mestrado, doutorado, pós doutorado e decidiu desfrutar com plenitude a vida acadêmica e outras possibilidades que o tempo sem filho e sem marido lhe proporcionou. No alto de seus 50 e poucos anos se casou. Até aqui, enfrentou o forte julgamento e piadas perversas de ser tiazona solteira e, pior, de negar sua "essência feminina". Como religiosa fervorosa, ousou não seguir os mandamentos bíblicos de que devemos nos multiplicar. 

Também aconteceu com uma garota de 19 anos. Essa não conheci, mora na região da grande São Paulo. O pai da criança não quis ter o filho. Ela não se sentiu preparada para assumir a maternidade sozinha, nem os julgamentos que lhe acompanhariam. Tomou quatro comprimidos de Cytotec, remédio para úlcera que pode causar perda do útero e até a morte. Chegou ao hospital com hemorragia. Aquele único em que ela confiava naquele momento, o médico, lhe entregou à polícia.

As minhas três primeiras mulheres tiveram a coragem de ter filho. Outra teve a ousadia de não ter. Essa garota teve a decisão de interromper a gravidez. No fim das contas, elas enfrentaram e enfrentam o mesmo problema: a decisão delas esteve sempre em xeque. O que fazer de sua vida, de seu corpo, de seu futuro, da educação de seus filhos esteve sempre subordinado aos ditames de outrem que não elas. 

Se as que decidiram ter seus filhos ousassem fazer aborto, enfrentariam não só a tremenda dor física, emocional e espiritual (para algumas), mas o julgamento ainda mais pesado de serem consideradas assassinas. Se não fossem presas ao encontrar alguém que se considera um ser supramoral, como o médico de São Paulo, que coloca de lado sua ética profissional em nome de uma moralidade perversa. Ou ainda, o que é muito comum entre as mais pobres, se não morressem em clínicas clandestinas ou sem tratamento adequado depois de tomar Cytotec falsificado.

O que ocorre é que toda e qualquer decisão sobre a maternidade, de ter ou não ter filhos e de interromper uma gravidez, são sempre balizadas por uma moralidade que é expressa desde as expectativas, cobranças, opressões, até as leis. O resultado vai de constrangimentos diários a estatísticas crescentes de mulheres mortas por abortar sem o devido tratamento.

Estas decisões estão sempre sob os mesmos julgamentos que desconsideram não só a autonomia e decisão feminina, mas a pluralidade das mulheres expressa na singularidade de cada uma que as fazem tão distintas umas das outras.

São sempre julgadas por um dedo apontado pertencente a alguém que nunca estende a mão. Os pais dos filhos nascidos e não nascidos permanecem blindados das tragédias sobre os corpos e das dificuldades das vidas das mães e das crianças.  

Elas são responsabilizadas pela tragédia de seus corpos quando não acolhem o tratamento apropriado quando decidem não ter os filhos. Também são responsabilizadas quando a educação de seus filhos não corresponde ao que a sociedade espera, desconsiderando que a educação de um ser jamais pode ser imputada a duas quanto menos a uma pessoa. Quando viemos ao mundo, já viemos entre outros seres. É nesse compartilhamento de espaços em que devemos crescer e só podemos nos tornar gente se nossa educação também é compartilhada.

O que as histórias dessas mulheres - que somos todas nós - nos mostra é que por trás da discussão anti-aborto reside a mesma discussão pela decisão de ter filhos. O que está em jogo, no fim das contas, não é a falácia de preservar vida. Mas as decisões das mulheres que são sempre questionadas e a culpabilidade imputada a elas por todas as desgraças que podem decorrer dessas mesmas decisões.   
 

Comentários

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  • 02.04.2015 23:54 José Ricardo Eterno

    Se uma jornalista, ao marcar distanciamento no tempo ou no espaço, usa, em vez da preposição "a", o "há" de "haver", não dá pra esperar que ela tenha pensado seriamente na questão do aborto. A questão do aborto é simples: 1) Onde começa a vida? A ciência pode dizer com precisão? Todos os cientistas são unânimes? Não, não são. Se a resposta é não, concluímos que existe um risco de se matar inocentes em massa ao promover a prática do aborto. Isso é uma dedução lógica simples. Não é, como vocês abortistas gostam de dizer, "preconceitos machistas ou religiosos". 2) Os fetos, os bebês, nunca foram prolongamento do corpo das mães. Isso é de um analfabetismo científico monumental. Mulheres não têm quatro braços, quatro pernas ou duas cabeças. Aquela criança é um outro ser. Progressistas são assim: primeiro incentivam a putaria, para quebrar a moral burguesa. Depois da merda feita, depois que as mulheres começam a ser usadas, descartadas e abandonadas pelos aproveitadores de plantão, em vez de reconhecerem o erro, os progressistas começam a berrar aos quatro cantos do mundo: "abaixo a hipocrisia! Vamos abortar!" São os Herodes do século XXI. São os demônios de Dostoievsky.

  • 06.03.2015 10:46 Matheus Cajaíba

    Sobre o direito de matar o próprio filho, interessante. O resto é tergiversação de jornalista burra ou mau caráter - ou quem sabe as duas coisas.

  • 02.03.2015 10:29 Os cães ladram

    "os cães ladram e nós passamos por cima dos nossos filhos do jeito que achamos melhor". Foda-se a vida do meu filho. Acho que é exatamente isto que a professora Janaína quis dizer.

  • 01.03.2015 23:42 Janaina Cristina de Jesus

    Parabéns, Nádia, por mais esse gesto de coragem que é sua marca nos textos que elabora! Pelos comentários aqui postados, sua crítica suscita vários assuntos (e opiniões). A mim, chamou atenção a base comum em que você nos coloca (a todas): o fato de estarmos ou vermo-nos sempre submetidas aos ditames, julgamentos de outrem que, infelizmente, considera-se no direito de fazê-lo. Lá no íntimo, o desejo é responder serenamente a quem nos considera mulheres irresponsáveis: "os cães ladram e a carruagem passa"...

  • 27.02.2015 15:31 A sequela do aborto nos homens

    A sequela do aborto nos homens http://www.aleteia.org/pt/saude/artigo/as-sequelas-do-aborto-nos-homens-5284385523761152

  • 27.02.2015 11:10 Jackeline

    Não só dou meus parabéns à Nádia Junqueira. Preciso acrescentar que é muito fácil você massacrar os sentimentos e as vontades de uma pessoa, quando você nunca passou e nunca vai passar por situação nem semelhante a dela. Acho que o texto trata acima de tudo do quanto a sociedade cobra determinado comportamento, que nem sempre é o que te faz feliz. E isso não se estende somente às mulheres e seu direito de decidir sobre ter ou não ter filhos, mas também a todos, homens ou mulheres, que um dia ousaram ou ousam pensar diferente da "maioria".

  • 26.02.2015 12:16 Joao

    O fracassado do Cruzeiro Velho poderia parar de ler o jornal, já que ninguém é obrigado a sofrer deste tanto com algo que tanto despreza. E nos pouparia de ver suas monumentais besteiras em forma de comentários.

  • 26.02.2015 11:54 Semiótica para os Símios

    Esse texto é sobre o machismo e o moralismo hipócrita da sociedade brasileira. Essa analogia com ovo de tartaruga foi péssima José e umas aulinhas de interpretação de texto seriam importantes pra vc. ????????

  • 25.02.2015 10:36 Eterno

    Aí vai uma Fonte Verdadeira, então. Leiam: http://www.movida.org.br/aborto-clandestino-a-solucao-e-legalizar/

  • 25.02.2015 07:48 Franciele

    Parabéns pelo texto. Parabéns pela iniciativa de tocar nesse assunto polêmico. Precisamos debater sobre ele, ver os diferentes argumentos. Seu texto contribui socialmente para o povo goiano que vive cego em um religiosidade moralista. Triste são essas pessoas ignorantes que leem o texto já com o intuito de defender sua causa. Não façam isso, também não falem besteiras, não divulguem informações sem fontes verdadeiras. Apenas respeite a opinião diferente da sua e caso queira comentar, faça isso, mas educadamente.

  • 24.02.2015 17:24 Vitória Letícia Solimar Duarte

    Deve estar chovendo muito no Cruzeiro Velho, em Brasília, pra tanto mau humor (e falta de respeito), né José?

  • 24.02.2015 16:36 JOsé

    O bom é que a colunista se esquece destes números horríveis de mulheres que se matam depois de abortarem seus filhos, tomam depressivos, enfim, vivem numa prisão emocional pelo resto da vida. Ela fala como se tudo fosse altamente mecânico e simples. Tudo prático. Favor pesquisem sobre George Soros, o grande esquerdista que defende a liberação da maconha e do aborto mas que ganha uma fortuna com estas duas indústrias. Vocês são um bando de desinformados, acusando todos de serem alienados religiosos quando os verdadeiros alienados são vocês mesmos. Pesquisem sobre o alto índice de depressão e suicídio para depois falar que tudo não passa de um atraso.

  • 24.02.2015 16:29 Msamsa

    José, ser chamado de burro por você de certa forma é um elogio.

  • 24.02.2015 16:26 José

    Incrível, os mesmos que se dizem modernos são os que me acusam de "fundamentalista" sem ao menos me conhecer. Caso vc não saiba André, em alguns Estados dos EUA onde o aborto é legalizado, o que se encontra é um alto índice de mulheres que tentaram suicídio, suicidaram ou vivem com depressão após o procedimento. Simplesmente porque não é possível deixar de ser mãe, apenas são mães de filhos mortos, que elas mataram. Falar que o feto não é um ser vivo é o cúmulo da burrice. Por que os ovos de tartaruga marinha são seres vivos e bem protegidos? Pessoas como vocês são a burrice da burrice.

  • 24.02.2015 15:56 MSamsa

    Quem se opõe à descriminalização do aborto geralmente defende uma crença religiosa, não tem nada a ver com defesa à vida. Segundo a medicina, até o terceiro mês da concepção o feto não tem atividade cerebral e, também segundo a medicina, uma pessoa sem atividade cerebral é considerada clinicamente morta. Então, não tem o menor sentido comparar o aborto com o assassinato de uma criança, porque o feto, apesar de estar vivo, não é um ser vivo.

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