Goiânia - A poucos passos das urnas, a população brasileira, sentada em seu sofá, assistiu – pouco passivamente, graças às redes sociais - a homofobia sair do armário. Pulou da marginalidade para o centro dos temas políticos. Timidamente, ganhando espaço graças a quem não teme revelar seus posicionamentos (nem de um lado, nem de outro), ela foi elevada, por alguns momentos, ao mesmo status que corrupção, programas sociais e economia.
No instante derradeiro, no último debate entre os candidatos ao Planalto, ela se contrapôs à tão repetida defesa à “família brasileira” nos programas dos candidatos a deputados estaduais e federais. Aquele modelo de família que cabe pouca gente. Homofobia foi o outro lado da moeda. Foi o gancho para se debater a violência gerada através da intolerância ao que é diferente.
A centralidade desse tema nos debates não diz respeito a uma minoria, como acredita o candidato que confundiu aparelho excretor com aparelho digestivo (dentre outras confusões de nível primário). Diz respeito a minorias, de forma geral, que são massacradas em nome de uma uniformidade essencial para manter uma ordem que gera, incessantemente, a violência.
Diz respeito à incapacidade de lidar com diferenças e com pluralidade. Ao apego a uma tradição, acreditando que é ela que vai blindar os homens de corrupções morais, gerando, com a mesma defesa, a exclusão de outras possibilidades de vida. Gerando, em nível mais ameno, a impossibilidade de universalização de direitos e, em outros mais avançados, violência que gera mortes.
E isso começa com “não tenho nada contra, mas...”. “Tudo bem, mas não perto de mim...”. A força massacrante desse posicionamento nasce mesmo da incapacidade de reconhecer a gravidade de enxergar o outro como um seu. Ou, como diria alguém muito mal ouvido apesar de tão citado, amar o outro como a si mesmo.
Dizendo respeito a diversas minorias e a uma violência sistemática que transpassa diversas esferas, diz respeito a muita gente e, em última instância, diz respeito à humanidade.
Equacionar problemas morais com a necessidade de se seguir a estrutura tradicional pai, mãe e filhos revela dois problemas fundamentais. Um deles é acreditar, levianamente, que esse modelo funciona como antídoto para desvios morais. Ora, se não podem ser aqueles mesmos pais de família a sonegarem impostos. Se não são os filhos heterossexuais de pais e mães casados que colocam fogo em índio e em mendigos. Se não são esses pais que batem em suas esposas. E, mais chocante, cerca de 70% dos casos de violência sexual acontecem dentro de casa, sendo que em 11,8% dessas situações o agressor é o pai e em 12,3%, o padrasto.
Se há alguma preocupação minha que coincida com a da “família brasileira” é a de que vivemos mesmo uma crise moral, como apontada nos exemplos acima. O que não faz algum sentido para mim é a necessidade de ser essa estrutura exata para evitar um total colapso moral. Isso tudo se constrói com amor, com respeito, com dignidade e decência. Disso eu não abro mão. Da forma como isso será feito, me é indiferente. Pai e mãe. Mãe e avós. Pai e tios. Pai e pai. Padrasto e mãe. Pai e madrasta. Mãe e mãe. São infinitas as possibilidades de amor. Como podem ser as de violência.
O outro problema é, justamente, excluir outras possibilidades de relações solapando a essência humana de ser plural e diversa e, principalmente, virando as costas para o que realmente importa: o amor, o respeito e a preocupação em formarmos pessoas capazes de respeitar a humanidade alheia.
Os discursos homofóbicos baixos, com argumentos primários, equivocados e carregados de raiva proferidos nos debates assustam homossexuais e heterossexuais, indistintamente, não somente por desrespeitar quem faz uma opção que não diz respeito a mais ninguém, senão a si.
Assusta porque revela a incapacidade de conviver com o diferente, aquilo que, em essência, todos somos um do outro. Escancara de onde nasce a violência cultivada com chavões e tradições vazias que conduzem à desumanização e mortes de tantas vidas. Que já não tem mais valor algum, por não fazer parte de nenhuma uniformidade que lhe dá o direito de ser.
A homofobia revela a intolerância a um tipo de vida que não se encaixa em uma uniformidade violenta, porém sutil e felizmente construída em tempos modernos. Mas ela não está sozinha. Esse tema no centro dos debates revela o quanto outros tipos de vida não se encaixam nessa uniformidade e, por isso, já não têm mais valor algum. Não há quem as defenda. Muito menos gaste seus minutos de campanha eleitoral para conquistar votos. Prostitutas, moradores de rua, usuários de droga – preferencialmente, todos devidamente encaixados na pobreza.
Não tem voz porque fazem parte de uma massa necessária para que tudo funcione bem. Para que tudo esteja no seu devido lugar. E que, em nome da ordem, sejam higienizados, modificados e eliminados, se assim for necessário.
Por isso, falar de homofobia vai muito além da defesa do direito de poucos. O debate dá luz à incapacidade de lidar com qualquer diferença sem se dar conta do impulso à violência que gera. E diz respeito, sim, à moralidade. Não àquela do que se faz com sua opção sexual e as escolhas decorrentes disso. Mas daquela de não respeitar a humanidade do outro. E isso é problema de todo mundo.