Assim como eu e metade da população do planeta, a esta altura você também já deve saber que a atriz Angelina Jolie retirou as duas mamas para reduzir as chances de desenvolver câncer nos seios. O assunto ficou entre os principais destaques da imprensa nacional e internacional ontem, chamando a atenção de muita gente.
Tomei conhecimento do fato por meio do site do Estadão. Confesso que fiquei perplexa. Não tanto pela atitude da atriz, mas pelo teor dos comentários postados a respeito da matéria. Comentários pesados, maldosos, cheios de preconceito e, sobretudo, de inveja. Uma inveja doentia e indisfarçável.
“Acho é pouco! Quem sabe assim eles deixam de pensar que são semideuses e percebem que são simples mortais”, “Quer dizer então que se ela tivesse risco de ter câncer no cérebro iria tirar o cérebro?” e “Bom pra deixar de ser metida. Agora os médicos vão fazer a festa!” dão o tom do que encontrei por ali.
É isso aí, minha gente. Se a pessoa for famosa, competente no que faz, bonita e rica, o mínimo que ela merece é ter 90% de chance de ter câncer e ser mutilada. Tem que ficar à beira da morte, feia, doente e deprimida, para fazer jus a toda a (suposta) felicidade que ela experimentou em tempos idos.
Gente que pensa assim me dá náuseas. É deprimente ver pessoas que não conseguem se colocar no lugar do outro em nenhum instante, mesmo em momentos críticos como este, que só pensam em julgar e condenar alguém pelo que o outro tem e ele não, que odeiam quem se deu bem na vida. Gente cega de despeito.
É óbvio que Angelina Jolie não é nenhuma mártir e vai lucrar muito, em termos de marketing, com essa história toda. Mas a grandeza do que ela fez é inegável. É preciso ser extremamente desprendida para tomar uma atitude dessas. Retirar a mama está longe de ser a mesma coisa que mudar o corte de cabelo.
Tanto em termos eróticos, quanto em termos estéticos, os seios são parte importantíssima do corpo de uma mulher. Eles seduzem, encantam, e sobretudo, nos ajudam a definir enquanto gênero. Se você é homem e hetero, sabe que isso é verdade. Se você é lésbica ou mulher e bissexual, também deve concordar.
Se para quem não depende da aparência a retirada da mama já é um trauma físico e psicológico, imagine para quem vive da própria imagem. Some-se a isso a dor intensa dos procedimentos cirúrgicos, que são vários e muitos invasivos. Se não conhece ninguém que tenha feito mastectomia dupla, eu conheço e, vou lhe dizer, é barra.
Tenho uma parente que submeteu-se ao procedimento há dois anos. Além de todas as dores e incômodos da cirurgia, ela teve outro problema. Como são feitos vários cortes nos tecidos internos, um deles foi confundido com uma lesão no último exame. E dá-lhe uma nova cirurgia para checar se era o início de um câncer.
O fato de Angelina Jolie ter retirado as duas mamas e divulgado isso em alto e bom som também tem outro mérito: alertar as mulheres para a necessidade do autoexame e de serem proativas em casos em que há grandes chances de desenvolver a doença. Parece óbvio, mas muitas ainda são negligentes com relação a esses cuidados.
Conheço várias mulheres instruídas, com todo acesso à assistência médica, que não fazem o autoexame, ou que, ao fazerem e constatar um nódulo, não deram a devida importância ao fato e descobriram, mais tarde, que a demora resultou num câncer de difícil tratamento.
Entre as crítica dos invejosos de plantão estava a de que não adiantava nada a atriz divulgar sua mastectomia, porque no Brasil o SUS era uma droga e a mulher morreria à espera de consulta e de exames. Sim, a saúde pública do nosso País enfrenta problemas, mas o primeiro passo para a paciente receber assistência é buscar ajuda.
Ela pode morar na Noruega ou na Suíça, que se não fizer o autoexame e não tiver consciência da necessidade de procurar um oncologista diante da detecção de um nódulo, vai desenvolver a doença e não terá chance de tratá-la. Nenhum sistema de saúde pública, por mais eficiente que seja, conta com videntes para irem à casa das mulheres e dizer: “Oi, tudo bem? Adivinhamos que você tem um tumor no seio e queremos tratá-la para que não morra. Vamos lá?”.
Câncer de mama tem cura. Quando a mulher detecta a doença em fase inicial e submete-se ao tratamento, consegue se livrar do tumor e retomar a vida sem limitações. O que não tem cura é o despeito que adoece muita gente. Não sou afeita a gírias e palavrões, mas, nesse caso, nada define melhor a situação que o dito popular: a inveja é uma merda.