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Fabrícia  Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

Inspiração

Ira fatal

| 06.05.13 - 12:12


Goiânia - Na última semana, Goiânia foi destaque na imprensa nacional por causa de duas tragédias. Em uma delas, uma garota de 11 anos foi baleada na cabeça, ao tentar proteger o pai de um homem armado. A briga entre os dois foi ocasionada por uma pizza. Nesta segunda-feira, a menina teve a morte cerebral confirmada pelos médicos do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), onde estava internada desde o dia 27.

Cinco dias depois, uma garota de apenas 2 anos de idade foi baleada na perna, porque o pai envolveu-se numa briga de trânsito, que resultou em tiroteio. Duas discussões causadas por motivos banais, que vitimaram duas crianças – uma delas, de maneira fatal. É a nossa ira de cada dia, nossa vontade de tirar satisfação, de ter razão a qualquer custo, fazendo estragos enormes, às vezes irreparáveis.

Parece que estamos todos com os nervos à flor da pele, que qualquer desagrado ou frustração é razão para que percamos o rumo e queiramos descontar no outro toda a nossa fúria. Nossa raiva está fora de controle, por isso se transforma em ira. Ela cega, atropela, espanca, mata. Minha impressão é que aqui em Goiânia a ira masculina é maior. A vontade de resolver tudo “na bala” é mais comum, quase cotidiana.

Não sei o que explica isso. Talvez nossas origens agrárias e os resquícios da época do coronelismo, como bem pontuou uma vez um leitor aqui, justifiquem essa mania – em alguns casos, uma verdadeira compulsão – dos homens de darem a última palavra e fazê-la valer a qualquer preço, ainda que isso custe a vida. Quem não age assim tem sua virilidade contestada, não é “macho o suficiente” para ser respeitado.

As duas tragédias citadas mostram situações extremas, de violência física, que resultaram em morte. Mas temos também outras situações, ainda mais cotidianas, de violência psicológica provocada pela ira, e que podem ser igualmente muito nocivas. Em doses regulares, podem acabar com qualquer relacionamento, destruir toda chance de entendimento e convivência.

Diz o ditado que há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida. Tomados pela ira, xingamos, desafiamos, humilhamos. Cegos pelo desejo de fazer prevalecer a nossa vontade e a nossa razão, colocamos nossa própria vida e aquela de quem amamos em risco, vestimos nossas fantasias de super-heróis e ignoramos os limites da realidade.

Às vezes é possível respirar fundo, deixar a fúria passar e pedir desculpa. Às vezes também é possível ser desculpado. Noutras, o estrago provocado pela ira é tão grande, que não há mais como pedir perdão, principalmente quando a condenação vem da nossa própria consciência. “Naquela hora eu não fui ninguém. O que sinto agora é uma culpa imensa”, desabafou o serralheiro Sinomar Lopes, pai da garota de 11 anos assassinada na pizzaria. 

Sinomar acreditava firmemente na recuperação da filha. Segundo ele, ao sair do hospital e retomar a vida, ela encontraria um pai de diferente. “Com o carinho de sempre, mas diferente”, assegurou. Provavelmente, menos valente, mais sereno e disposto a baixar cabeça em situações de perigo. Infelizmente, a garota não teve tempo de presenciar a mudança do pai.

Fica o exemplo para aqueles que são responsáveis pelo cuidado dos pequenos. O exemplo de que coragem de verdade é proteger quem é mais frágil, ainda que isso signifique abrir mão de ter razão, ter sua “macheza” contestada. Vale calar e se retirar, para não ser alvo da ira do outro nem fazer dele alvo da nossa. Vale fingir que não viu nem ouviu. Vale engolir sapo. Se preciso for, até um brejo inteiro. 

Comentários

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  • 09.05.2013 12:48 Mátya Rodrigues Da Cunha

    O desfecho deste triste episódio e o encerramento deste texto nos fazem, como mães e pais, refletir na forma como cuidamos de nossos "pequenos", mesmo que eles já não sejam tão pequenos assim.

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