Excelentíssimo Deputado Marco Feliciano,
A coisa não anda mesmo fácil para o seu lado. Alvo de protestos dentro e fora das redes sociais, o senhor está longe de ser a figura mais querida e admirada desse País. Conheço gente que reza cedo, à tarde e à noite para vê-lo renunciar à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.
Li na internet que houve protestos contra sua permanência na comissão em pelo menos dez capitais brasileiras, no sábado. Vi também que o ato de desagravo que o senhor pensou em promover em Ribeirão Preto, atraindo simpatizantes seus, não deu certo, pois havia cem pessoas a favor, contra 300 que o chamavam de racista e homofóbico.
Soube que o senhor está com medo, acuado, pois aonde quer que vá, é recebido por centenas de manifestantes raivosos. Tive certeza que o negócio está realmente feio quando li em seu Twitter que o senhor não divulgará mais sua agenda pela internet, para evitar ser alvo de novos protestos. Nem a Xuxa gosta do senhor.
Por um instante, quase senti pena do deputado, mas nada que durasse mais que 30 segundos. É que logo me lembrei da razão pela qual o senhor tornou-se alvo de tanta revolta. É irônico e incoerente, para dizer o mínimo, que o presidente de uma Comissão de Direitos Humanos diga o que vossa excelência andou alardeando aos quatro ventos.
Entre suas várias pérolas racistas e homofóbicas, o senhor afirmou que gays têm "podridão de sentimentos", que "levam ao ódio, ao crime e à rejeição". Também disse que os africanos "descendem de ancestrais amaldiçoados por Noé", e que por isso merecem a fome, a Aids e o sofrimento ao qual são submetidos.
Assisti a um vídeo no Youtube no qual o senhor diz considerar o Projeto de Lei 122 - que criminaliza a homofobia - um “privilégio”, que estaria criando uma ditadura no Brasil, a “ditadura dos gays”, um “terceiro poder”. Nele o senhor afirma que uniões homoafetivas ameaçam a “família brasileira”.
Nenhum problema que o senhor tenha essas opiniões, desde que se não se propusesse a presidir uma comissão que tem como objetivo justamente combater o preconceito e promover a igualdade, a autonomia e o respeito à camadas da população historicamente preteridas e agredidas.
Preste atenção no nome, deputado: direitos “humanos”. Subentende-se que, para reconhecer os direitos do outro, primeiro tenho que reconhecer sua condição humana. Aos seus olhos, porém, isso não acontece, pois, para o senhor, homossexuais e negros são uma sub-raça, seres “inferiores e amaldiçoados”.
Pesquisando sobre sua vida, descobri que seu padrasto e sua mãe são negros. Tal fato foi citado num texto que o elogiava, dizendo que, se o senhor tinha afrodescendentes em casa, obviamente não poderia ser racista. O autor dizia que o senhor havia sido mal-interpretado, pois não poderia falar mal de sua própria família.
Discordo. Vossa excelência me parece bem dado à incoerência. Como pastor, louva a Deus, clama ao Senhor, mas está sendo processado por estelionato. Prometeu participar de um evento no Sul do País, recebeu R$ 13 mil adiantados pelo trabalho e simplesmente não foi. Também não devolveu o dinheiro.
Em outro vídeo, o senhor pede doações de R$ 1 mil aos fiéis da igreja. Diz que quem tem amor a Deus, se não doa R$ 1 mil, tem obrigação de dar ao menos R$ 500. O mesmo Deus que o senhor agora, numa tentativa de tentar mostrar uma postura mais comedida, diz que é amor, tolerância, generosidade, desapego.
O que o senhor fala não se escreve, certo? Errado. Suas incoerências estão registradas em diversas partes do mundo digital e podem ser conferidas a qualquer instante. Sua agressividade e seu preconceito estão frescos na memória de quem foi alvo deles.
O fato, deputado, é que o senhor está provando do próprio veneno. Tratou com desprezo milhares de pessoas que o senhor sequer conhecia, pela simples razão de que elas lhe “pareciam” indecentes, amaldiçoadas, inferiores. Com base em rótulos, o senhor defendeu sua bandeira.
Agora, com base nos rótulos que o senhor mesmo ajudou a consolidar sobre sua própria pessoa, milhares de brasileiros que nunca o viram o pessoalmente, que jamais acompanharam de perto seu trabalho, o odeiam com todas as forças, veem no senhor o inimigo número um dos Direitos Humanos.
Preconceito gera preconceito. Ódio gera ódio. O deputado plantou intolerância, agressividade, falta de diálogo. É mais que normal que seja vítima deles também. O senhor pediu uma chance para provar que pode ser um bom presidente para a comissão. Muitíssimo a contragosto nosso, teve a oportunidade.
Faça bom uso dela.
Atenciosamente,
Fabrícia Hamu