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Fabrícia  Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

Fabrícia Hamu

Provando do próprio veneno

| 12.03.13 - 19:38
 
Excelentíssimo Deputado Marco Feliciano,
 
A coisa não anda mesmo fácil para o seu lado. Alvo de protestos dentro e fora das redes sociais, o senhor está longe de ser a figura mais querida e admirada desse País. Conheço gente que reza cedo, à tarde e à noite para vê-lo renunciar à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.
 
Li na internet que houve protestos contra sua permanência na comissão em pelo menos dez capitais brasileiras, no sábado. Vi também que o ato de desagravo que o senhor pensou em promover em Ribeirão Preto, atraindo simpatizantes seus, não deu certo, pois havia cem pessoas a favor, contra 300 que o chamavam de racista e homofóbico.
 
Soube que o senhor está com medo, acuado, pois aonde quer que vá, é recebido por centenas de manifestantes raivosos. Tive certeza que o negócio está realmente feio quando li em seu Twitter que o senhor não divulgará mais sua agenda pela internet, para evitar ser alvo de novos protestos. Nem a Xuxa gosta do senhor.
 
Por um instante, quase senti pena do deputado, mas nada que durasse mais que 30 segundos. É que logo me lembrei da razão pela qual o senhor tornou-se alvo de tanta revolta. É irônico e incoerente, para dizer o mínimo, que o presidente de uma Comissão de Direitos Humanos diga o que vossa excelência andou alardeando aos quatro ventos.
 
Entre suas várias pérolas racistas e homofóbicas, o senhor afirmou que gays têm "podridão de sentimentos", que "levam ao ódio, ao crime e à rejeição". Também disse que os africanos "descendem de ancestrais amaldiçoados por Noé", e que por isso merecem a fome, a Aids e o sofrimento ao qual são submetidos.
 
Assisti a um vídeo no Youtube no qual o senhor diz considerar o Projeto de Lei 122 - que criminaliza a homofobia -  um “privilégio”, que estaria criando uma ditadura no Brasil, a “ditadura dos gays”, um “terceiro poder”. Nele o senhor afirma que uniões homoafetivas ameaçam a “família brasileira”.
 
Nenhum problema que o senhor tenha essas opiniões, desde que se não se propusesse a presidir uma comissão que tem como objetivo justamente combater o preconceito e promover a igualdade, a autonomia e o respeito à camadas da população historicamente preteridas e agredidas.
 
Preste atenção no nome, deputado: direitos “humanos”. Subentende-se que, para reconhecer os direitos do outro, primeiro tenho que reconhecer sua condição humana. Aos seus olhos, porém, isso não acontece, pois, para o senhor, homossexuais e negros são uma sub-raça, seres “inferiores e amaldiçoados”.
 
Pesquisando sobre sua vida, descobri que seu padrasto e sua mãe são negros. Tal fato foi citado num texto que o elogiava, dizendo que, se o senhor tinha afrodescendentes em casa, obviamente não poderia ser racista. O autor dizia que o senhor havia sido mal-interpretado, pois não poderia falar mal de sua própria família.
 
Discordo. Vossa excelência me parece bem dado à incoerência. Como pastor, louva a Deus, clama ao Senhor, mas está sendo processado por estelionato. Prometeu participar de um evento no Sul do País, recebeu R$ 13 mil adiantados pelo trabalho e simplesmente não foi. Também não devolveu o dinheiro.
 
Em outro vídeo, o senhor pede doações de R$ 1 mil aos fiéis da igreja. Diz que quem tem amor a Deus, se não doa R$ 1 mil, tem obrigação de dar ao menos R$ 500. O mesmo Deus que o senhor agora, numa tentativa de tentar mostrar uma postura mais comedida, diz que é amor, tolerância, generosidade, desapego.
 
O que o senhor fala não se escreve, certo? Errado. Suas incoerências estão registradas em diversas partes do mundo digital e podem ser conferidas a qualquer instante. Sua agressividade e seu preconceito estão frescos na memória de quem foi alvo deles.
 
O fato, deputado, é que o senhor está provando do próprio veneno. Tratou com desprezo milhares de pessoas que o senhor sequer conhecia, pela simples razão de que elas lhe “pareciam” indecentes, amaldiçoadas, inferiores. Com base em rótulos, o senhor defendeu sua bandeira.
 
Agora, com base nos rótulos que o senhor mesmo ajudou a consolidar sobre sua própria pessoa, milhares de brasileiros que nunca o viram o pessoalmente, que jamais acompanharam de perto seu trabalho, o odeiam com todas as forças, veem no senhor o inimigo número um dos Direitos Humanos.
 
Preconceito gera preconceito. Ódio gera ódio. O deputado plantou intolerância, agressividade, falta de diálogo. É mais que normal que seja vítima deles também. O senhor pediu uma chance para provar que pode ser um bom presidente para a comissão. Muitíssimo a contragosto nosso, teve a oportunidade.

Faça bom uso dela.
 
Atenciosamente,
Fabrícia Hamu 

Comentários

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  • 18.03.2013 00:09 Sáida Cunha de Carvalho

    Muito bom seu artigo. Acho que as mulheres têm tido mais coragem de dizer as verdades que os homens. Absurdo que esse protótipo de homem ocupe não apenas esse cargo, mas também o de parlamentar. Parece que o Brasil para melhorar só se for descoberto de novo. E o juiz que quer tirar trabalhadores da praça Tamandaré e deixa a praga dos " vigilantes" de carro que nos roubam nossa cidadania? Vocês da Imprensa que tem voz, deveriam promover uma campanha para limpar as ruas dos desocupados . Desculpa pelo desabafo. Muito bom seu artigo.t

  • 14.03.2013 01:37 Adalberto Araújo

    Absolutamente irretocável, mais uma vez! Infelizmente tem gente que não sabe ler as entrelinhas da ironia.

  • 13.03.2013 16:13 odessa arruda

    Parabéns Fabrícia,é preciso divulgar "a podridão"!

  • 13.03.2013 15:11 Alexandre

    Triste

  • 13.03.2013 12:27 Thais Fleury

    Brilhante, minha cara! O mundo precisa de mais jornalistas como você!"Nem a Xuxa gosta do senhor" foi tudo! Muito bom!!!

  • 13.03.2013 09:20 75%Jesus

    Muito bom, Fabrícia Hamu. Esse pulha na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, é uma afronta às minorias e a uma grande parcela da sociedade.

  • 13.03.2013 01:29 Caio Fábio Antunes Dayrell

    Muito bom texto. Concordo com quase tudo... A única coisa fora de contexto é a Xuxa... Ela mesma que nos anos 80 filmou "Amor estranho amor" onde tinha clara mensão à pedofilia, ela depois virou rainha dos baixinhos e agora vem dar uma de defensora da moral e das minorias!?! A Xuxa tem o passado mais negro que o Rei do Futebol... É o Brasil e a mídia, que tem que criar um escândalo por minuto para continuar vendendo...

  • 12.03.2013 23:49 Débora Fernandes de Anchieta Ramos

    Fabrícia, seu texto está ótimo como sempre. E esse deputado realmente merece provar do seu próprio veneno.

  • 12.03.2013 22:09 Elaine Gonzaga

    O que dizer desse texto... Fantástico resume! Parabéns pela coerência Fabricia Hamu!

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