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Fabrícia  Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

Inspiração

Surtando em 3,2,1...

| 05.03.13 - 16:06

Goiânia, Domingo
7h30 – A Prefeitura resolve podar as árvores da praça ao lado da minha casa. Eles poderiam fazer isso em qualquer dia útil da semana, mas no domingo é mais legal. Então eles podam. E jogam os galhos gigantes no caminhão. E gritam. E falam alto. E acordam todo mundo que está dormindo.

8h30 – O carro de som começa a passar pela rua. Faz propaganda do frango assado da lojinha do lado, do supermercado em frente e, claro, da pamonha. “Pamonha, pamonha, pamonha. Pamonha de sal, pamonha de doce, todas elas com queijo, aqui no carro de som!”. Pesadelo? Não, realidade.

9h00 – O culto da manhã na igreja em frente começa. O pastor louva a Deus gritando. Os fiéis louvam a Deus gritando ainda mais. A banda da igreja louva a Deus com bateria, guitarra, violão e os vocais no microfone em altura máxima. Hoje é domingo de louvor. Aleluia. Oremos.

11h00 – Os vizinhos que compraram motos novas resolvem testar a potência dos motores e tirar racha na rua da praça. E aceleram. E freiam bruscamente. E buzinam. E cantam pneu. E aceleram. E freiam bruscamente. E buzinam. Eu pensava que o autódromo ficava do outro lado da cidade, mas não, ele está logo ali.

12h00 – O boteco ao lado de casa que serve picanha na chapa abre as portas. O primeiro freguês não se contenta com o som mecânico da casa. Abre o porta-malas do carro e liga o som no último volume. Uma seleção com todas as músicas de corno possíveis e imaginárias é executada. E eles cantam. E eles bebem. E eles choram.

14h00 – Pessoas que cantam, bebem e choram ao som de músicas de corno nunca andam sozinhas, só em bando. Eis que novos membros do grupo chegam. E então outros porta-malas são abertos. E dá-lhe três tipos de som automotivo no último volume, ao mesmo tempo. E todos cantam. E todos bebem. E todos choram.

16h00 – Saio para ir ao shopping. Um carro para ao meu lado no semáforo. Ao ver que estou sozinha, o condutor deduz que estou desesperada por um homem e põe a música eletrônica no máximo. E meu carro treme. E meu ouvindo treme. E a única coisa que ouço é “putz-putz-putz-putz”. Quase morro de paixão ali mesmo.

19h00 – Na volta do shopping, paro ao lado de outro condutor que, ao me ver sozinha, também conclui que preciso desesperadamente de um homem. Ele pensa que vai me seduzir com um sertanejão no último volume. Meu carro treme. Meu ouvido treme. E só tenho uma certeza: assim você me mata.

19h30 – O culto noturno da igreja começa.  O pastor louva a Deus gritando. Os fiéis louvam a Deus gritando ainda mais. A banda da igreja louva a Deus com bateria, guitarra, violão e os vocais no microfone em altura máxima. Hoje é domingo de louvor. Aleluia. Capacita, Senhor.

21h30 – Os frequentadores do boteco da picanha que bebiam, choravam e cantavam mais cedo com as músicas de corno agora esgoelam em coro. Bêbados, têm certeza que podem se inscrever no The Voice Brasil. E fazem uma disputa para ver quem canta mais alto e coloca o som automotivo no maior volume. 

22h30 – Mulheres bêbadas param seus carros perto da praça e começam a gritar. O namorado de uma delas mora no prédio em frente ao local e deu o fora na moça. As amigas berram para ele voltar pra ela. Ela também implora – aos berros – para que ele volte. Ele ignora tudo e elas gritam mais histericamente.

23h50 – Meu coração dispara. Minha cabeça dói. Tenho a impressão de ter passado o dia todo dentro de uma boate. Não consigo dormir. Os bêbados cantam, as mulheres gritam, os carros tiram racha. Acho que amanhã cedo outra poda de árvores começará às 7h30. Surtando em 3,2,1...

P.S – Este texto foi inspirado em fatos (muito) reais. Qualquer semelhança com o cotidiano de um cidadão goianiense não terá sido mera coincidência. 

Comentários

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  • 12.03.2013 15:36 UBIRATAN MACHADO DE OLIVEIRA

    Faltou falar dos caminhões da prefeitura que recolhem o lixo orgânico às 3h da madruga, com barulho de turbina de avião, e de quebra espremem o chorume grosso, volumoso e fétido sobre o pavimento asfáltico, bem na saída da garagem do condomínio.

  • 11.03.2013 18:34 Valdira Rosa

    Exatamente assim: minha rua! É desesperador! E para piorar ainda tem lava-jatos sem proteção contra ruído. Nem a prefeitura nem o MP atendem às denúncias, esse último afirmou que não era de interesse público, e sim particular. Pensei: realmente, todo mundo deve gostar disso! Excelente texto, humor no ponto certo.

  • 07.03.2013 23:33 Leeh

    "paro ao lado de outro condutor que, ao me ver sozinha, também conclui que preciso desesperadamente de um homem" kkkkkkk sempre assim, haja piedade.

  • 05.03.2013 19:20 Renato Naves Prado

    Por isso eu e Nayana, minha esposa, criamos o conceito de: coeficiente de civilidade. Ainda não definimos os parâmetros de medida, mas sabe-se que a média de Goiânia é bem baixa. Vide o "X" que ouve som no talo e não tem nem coragem de se identificar.

  • 05.03.2013 17:58 Claudio Jr. Ramos

    Oia, Oia, Oia! A Fabrícia Hamu tem razão que aqui só tem cavalo! O cara tá dando coice até hoje por causa do texto dos bilau pequeno. O povo é sem educação mesmo fio (esquece o troço do bilau!!!)

  • 05.03.2013 17:52 x

    De novo, seu complexo com o falo masculino. Claro, naturalmente, um homem só vai ouvir música alta, por mais inconveniente e sem educação que seja, para tentar te seduzir. Desce do cavalo, mulher metida e enjoada!

  • 05.03.2013 16:43 Wesley Trigueiro

    "Seria cômico se não fosse trágico".

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Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

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