Tenho aprendido com a psicanálise que as idealizações são talvez o maior inimigo a ser combatido. São elas que nos levam à ridícula posição de esperar e exigir coisas do outro. São elas que nos conduzem a viver em constante atitude de cobrança conosco porque devemos atender a supostas expectativas do outro.
Em uma passagem que me marcou, ele fala sobre como as expectativas atrapalhavam e eram a grande fonte dos bloqueios criativos de seus alunos de literatura e escrita.
Sempre que lhes pedia que escrevessem sobre grandes temas ou assuntos que pareciam importantes, havia choro e ranger de dentes, grande parte dos alunos sofria para criar e, pior ainda, os textos resultantes, em geral, eram muito ruins.
Tudo isso mudou quando lhe ocorreu propor a escrita sobre temas aparentemente desimportantes: "tire uma moeda de sua carteira, jogue para o alto, observe com atenção a face que cair voltada para cima e escreva um texto sobre ela"; "faça um ensaio sobre as rachaduras da parede da sala"; "escreva uma redação sobre o cachorro do seu vizinho".
Passada a incredulidade, não apenas o processo revelava-se muito mais prazeroso, como os textos resultantes tinham qualidade infinitamente melhor - passou a ser comum também que, volta e meia, surgissem textos brilhantes.
Por isso, a política, quando se torna seu motor e combustível, faz tão mal à arte. É evidente que toda arte, em alguma medida, aspira a ser política, mas como ponto de partida e guia para a criação, ela é péssima conselheira justamente por ser tema de alta importância.
O pessoal, o pequeno, o ínfimo, o resto, o bobo, o inútil são matéria muito melhor de poesia, como sempre ensinou o mestre Manoel de Barros: "Não gosto das palavras/ fatigadas de informar/ Dou mais respeito/ às que vivem de barriga no chão/ tipo água pedra sapo/ Entendo bem o sotaque das águas/ Dou respeito às coisas desimportantes/ e aos seres desimportantes/ Prezo insetos mais que aviões."
Alguém inventou que o sentido da vida está em fazer-se útil. Se é que há algum sentido, entretanto, creio, cada vez mais, que ele resida na entrega ao inútil - àquilo que não tem propósito, não vem com metas, não se traduz em ambições, não se coloca a serviço de um futuro.
Felipe, outro dia, disse que não quer deixar de ser criança. Eu o compreendo, ainda que me espante essa lucidez em um menino de 11 anos. Ele já percebe com clareza que a vida adulta implica na perda do sentido pleno que só a infância oferece, pela absoluta entrega à inutilidade. Buscar o sentido já é perdê-lo.
A utilidade a que nos rendemos à medida em que crescemos é um substituto precário e desajeitado, uma espécie de roupa de astronauta, que nos mantém vivos no ar rarefeito da maturidade, mas que é uma espécie de prisão.
Por isso, seguramente, o sábio Fernando Sabino, citado na
coluna anterior, deixou registrada a frase que queria em seu epitáfio: "Fernando Sabino, nasceu homem, morreu menino".
Comecei este texto falando das idealizações para contar a história de Pirsig com seus alunos porque não sabia bem sobre o que escrever. Afinal, sempre é preciso escrever o texto definitivo sobre o assunto. É necessário ter algo a dizer. Cumpre ser útil. É obrigatório impactar as pessoas e colher suas lágrimas emocionadas e aplausos. É fundamental obter o sorriso e a aprovação do leitor.
Mas para ter algo a dizer é preciso não ter nada a dizer.