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Márcio Jr.
Márcio Jr.

Márcio Mário da Paixão Júnior é produtor cultural, mestre em Comunicação pela UnB e doutorando em Arte e Cultura Visual pela UFG. Foi sócio-fundador da Monstro Discos, MMarte Produções e Escola Goiana de Desenho Animado. / marciomechanics@hotmail.com

GUERRILHA POP

Memórias magnéticas

| 08.06.19 - 08:10 Memórias magnéticas (Foto: Márcio Jr.)  
Se você tem por volta de 20 anos de idade, é provável que seu único contato com uma fita cassete (carinhosamente chamada de k-7) tenha sido através do filme “Guardiões da Galáxia”. É aquele negocinho que o tal Senhor das Estrelas usa para escutar música. Para os que tiveram tempo de comer um pouco mais de feijão na vida, a história é diferente. Os cassetes, principalmente em um mundo sem internet, levaram som para muita gente.
 
As fitinhas nasceram depois do vinil e antes do CD. Apesar do som inferior a estes dois formatos, duas vantagens se sobressaíam: portabilidade e preço. Logo, tudo quanto era artista estava lançando seus discos “também em cassete”.
 
Mas a grande onda do k-7 é que ele era (re)gravável! Você comprava uma fita virgem, botava no aparelho e era só apertar o rec para copiar músicas de um vinil, CD, rádio... ou mesmo outro k-7. Isso poderia ser repetido à exaustão. Uma gravação se sobrepunha à outra ad infinitum – ou até a fita arrebentar.  Uma revolução inimaginável para a garotada de hoje.
 
Nos áureos tempos do FHC, quando ninguém tinha grana pra nada, era só descobrir que algum amigo havia comprado um disco novo que lá íamos nós, em solene peregrinação, copiar o danado. Ouvir música tinha um caráter ritualístico.
 
Para os artistas, os cassetes tinham outra função. Eram o primeiro lugar onde registravam suas novas composições – para posteriormente apresentá-las à gravadora. Demonstration tapes. Ou, simplesmente, demo tapes.
 
Os anos 90 do século passado assistiram a uma explosão do Rock em terras brasileiras. As gravadoras eram incapazes de absorver tudo. Sequer estavam interessadas. Nascia aí o Rock independente. Indie.
 
Naqueles idos, gravar um CD era, por princípio, algo inatingível. Exigia quantidades colossais de dinheiro e estrutura. Baixas tiragens eram inadmissíveis para a indústria. Ainda bem que existia o k-7 para dar vazão ao espírito punk das bandas. Neste panorama, as demos deixaram de ser meramente material de demonstração para se tornarem lançamentos oficiais.
 
O começo, obviamente, foi tosco. O cara ia para um estúdio de ensaio e gravava as músicas sem maiores cuidados, geralmente utilizando um gravador portátil. A coisa avançou rápido. E logo todo mundo estava caprichando em registros mais profissionais.
 
O mesmo aconteceu com a apresentação das fitas. De capinhas escritas à mão, passaram para xerox, xerox colorido e impressão em gráfica, com encartes invocados. Algumas das demos da época são pérolas do design gráfico.
 
Uma rede se formou. Selos dedicados às demo tapes abriram suas portas. Em Goiânia, fez história a Sonic Records, embrião da longeva Monstro Discos. As fitas cruzavam Brasil e além através dos Correios – que mesmo estatal, já foi uma empresa de excelência.
 
O tiozão aqui vai repetir: eram tempos sem internet. Tomávamos conhecimento das bandas por meio de fanzines. Aí, você pegava uma grana (o equivalente a uns 15 reais, hoje), camuflava num envelope e mandava pro artista. O cara recebia, copiava a fita e mandava de volta para o comprador. O processo poderia demorar meses. Não tinha problema: a confiança movia tudo. O carteiro tocando a campainha era uma alegria diária. Uma vez meu pai mandou essa: “Pô, você recebe mais cartas que a Xuxa!”
 
Bandas amigas adotavam procedimentos de guerrilha na divulgação de seus trabalhos. Trocavam diversas capas entre si. E quando alguém comprava uma demo, no lado B da fita sempre ia outra. Viralização. Antes do termo existir.
 
Isso tudo dá a dimensão do que significava ser anternativo/indie/underground na década de 1990. Dar suporte à cena era uma lei que dispensava fiscais. Algo impensável nos dias de hoje, onde o máximo da colaboração – ao menos para a maioria – parece ser distribuir likes nas redes sociais.
 
O que pôs fim ao reinado das fitas k-7 foi o vertiginoso avanço das tecnologias digitais. Primeiro com o CD, que ficou cada vez mais barato. A última pá de cal veio quando os disquinhos passaram a ser graváveis em qualquer computador. Hoje, nem precisa. Tudo mp3 espalhado pela rede. A impressão é que ninguém ouve com a devida atenção. Foram-se os rituais. Não sei o que restou.
 
Uma coisa é fato: boa parte do que de melhor foi produzido no Rock brasileiro ao final do século 20 só existiu em demo tapes, completamente à margem da indústria fonográfica oficial. Devagarzinho, estamos assistindo a um renovado fetiche pelas fitinhas, bem como o surgimento de pesquisadores acerca daquele rico período de nossa história sonora. Arqueologia necessária. E divertida pra cacete.


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Márcio Mário da Paixão Júnior é produtor cultural, mestre em Comunicação pela UnB e doutorando em Arte e Cultura Visual pela UFG. Foi sócio-fundador da Monstro Discos, MMarte Produções e Escola Goiana de Desenho Animado. / marciomechanics@hotmail.com

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