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Márcio Jr.
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Márcio Mário da Paixão Júnior é produtor cultural, mestre em Comunicação pela UnB e doutorando em Arte e Cultura Visual pela UFG. Foi sócio-fundador da Monstro Discos, MMarte Produções e Escola Goiana de Desenho Animado. / marciomechanics@hotmail.com

Guerrilha Pop

Quadrilhas e super-heróis

| 22.06.19 - 08:47
 

 
Goiânia - Festa junina na escola da minha filha. É o único quesito onde a atual instituição de ensino perde para a que ela estudava antes: não vendem bebida alcoólica nas festinhas da meninada. A vida sempre pode ser mais difícil do que já é.
 
Após horas de espera, finalmente chega o momento dela dançar a quadrilha. Como todos os pais, nos apinhamos ao redor da área de apresentação, celulares em punho, coração explodindo, um fio de saliva escorrendo pelo canto da boca. Se isso não é amor puro e verdadeiro, não sei o que mais pode ser. 
 
Começo então a ouvir uma conversa logo atrás de mim. O papo passa pelo “aparelhamento do estado pelo PT”. Mas o melhor viria em seguida, sobre o vazamento do promíscuo e constante contato entre Moro e Dallagnol durante a operação Lava Jato: “Pô, sabe o Batman? Então, o Comissário Gordon tem aquele sinal lá em cima da delegacia. Quando ele precisa, chama o Batman, diz quem tem que prender, o que tem que fazer. O Batman vai lá e pronto. Resolve a parada e entrega o bandido pro Gordon. Com o Moro e o Dallagnol é a mesma coisa. Não sei do que esse pessoal tá reclamando.”
 
Sem acreditar no que estava ouvindo, olhei para trás pra ver a cara do sujeito. Era exatamente como eu imaginava: o estereótipo do coxinha. Igualzinho à imagem que se materializou em sua mente neste exato instante, estimado leitor.
 
Os super-heróis completaram oito décadas de existência ano passado. 80 anos desde o lançamento de Action Comics nº 1, que trazia o icônico Super-Homem na capa. Sucesso instantâneo com a garotada. Vendas na casa dos milhões.
 
Dentre as comemorações da efeméride, o melhor material lançado no Brasil foi o titânico livrinho “Super-Homem e o Romantismo de Aço”, de Rogério de Campos, pela mastodôntica editora nanica Ugra Press. Se você tem algum apreço maduro pelas histórias em quadrinhos, é indispensável. Se você é um nerd quarentão, talvez ali encontre o caminho da cura.
 
Rogério de Campos é um dos mais importantes – senão o mais importante – editor de quadrinhos do Brasil nas últimas décadas. Criou a emblemática Animal. Foi um dos pioneiros do mangá por aqui. Fez história com a editora Conrad. E agora está à frente da Veneta – cujo impressionante catálogo merece atenção de cabo a rabo.
 
Sério – sem se levar a sério –, Rogério é também um pesquisador criterioso. Seu livro “Imageria” é uma incontornável contribuição a esta linguagem tão vilipendiada. Posso garantir. Mesmo sem ter lido.
 
“Super-Homem e o Romantismo de Aço” condensa a cruzada de Rogério contra o gênero super-heroístico. É um ensaio brilhante que articula e eviscera os podres da indústria norte-americana dos quadrinhos. Para começar, os criadores do Super-Homem foram surrupiados. Harry Donenfeld, o dono da editora, tinha ligações com a máfia e soube como ninguém tirar partido da 2ª Grande Guerra. Miséria sempre foi o ganha-pão dos inescrupulosos. 
 
Super-heróis são, em essência, fascistas. A própria SS reconheceu no ariano Super-Homem uma imitação do nazismo. Afinal de contas, estamos falando de um sujeito que não só não se submete às leis, mas a toma em suas próprias mãos. Alguém que pode espancar qualquer um quando bem entender. A tal violência justa. Como os Estados Unidos fazem com o resto do mundo.
 
Salta às vistas como as HQs de super-herói, originalmente voltadas a um público infantil – ou, na melhor das hipóteses, infanto-juvenil –, terminaram por se converter em leitura de marmanjo incel. Sintoma de um mundo infantilizado e incapaz de compreender conceitos como democracia e justiça. Pior: não compreende sequer a própria moralidade contida nos gibis dos mascarados. Como o camarada que estava na festa junina.  
 
Quando entrei nas redes sociais, há cerca de três anos, adicionei todo mundo que se relacionava com quadrinhos. Empiricamente, constatei que os leitores de super-heróis – ao contrário daqueles que têm a HQ autoral como preferência – são, em medida considerável, conservadores, preconceituosos, machistas, misóginos e homofóbicos. Gente que acha que bandido bom é bandido morto – uma máxima do Justiceiro, anti-herói da Marvel criado como vilão numa espécie de crítica ao autoritarismo violento. Como diria o crítico Gershon Legman, os gibis de supers são uma válvula de escape para a repressão sexual. 
 
Sérgio Moro é um leitor de histórias em quadrinhos. Minto. Ele é um leitor de gibis de super-herói. Não me surpreende.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Comentários

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  • 16.07.2019 07:51 israel

    Tenho sentido nesses tempos vergonha e pena de partilhar gostos e preferências (heavy metal é o pior deles) com seres despresiveis como esses dois senhores conversando atras de você...

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Márcio Jr.
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Márcio Mário da Paixão Júnior é produtor cultural, mestre em Comunicação pela UnB e doutorando em Arte e Cultura Visual pela UFG. Foi sócio-fundador da Monstro Discos, MMarte Produções e Escola Goiana de Desenho Animado. / marciomechanics@hotmail.com

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