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Sobre o Colunista
Márcio Jr.
Márcio Mário da Paixão Júnior é produtor cultural, mestre em Comunicação pela UnB e doutorando em Arte e Cultura Visual pela UFG. Foi sócio-fundador da Monstro Discos, MMarte Produções e Escola Goiana de Desenho Animado. / marciomechanics@hotmail.com
Nas últimas semanas, estive completamente envolvido com minha mudança residencial. Procrastinei o quanto pude. Por anos. Mas chegou um momento em que o volume de gibis, livros, revistas, vinis, CDs, DVDs, cassetes e fitas VHS terminaram por expulsar a mim (e minha família) rumo a um apartamento maior. Não tenho dúvidas: sou um acumulador doentio. Mas há males que vêm para bem.
No meio dessa confusão toda de encaixota e desencaixota, muitos encontros com o passado. Um deles por meio da edição nº 206 da revista metaleira Rock Brigade, datada de setembro de 2003. Por que catzo eu comprei justo aquele exemplar?
A capa ostentava o Iron Maiden, que na ocasião lançava o já esquecido álbum “Dance of Death”. Dimmu Borgir, Superjoint Ritual e Cathedral compunham o mix da revista. Não que eu desgoste destas bandas, mas o fato é que não me fariam desembolsar os R$ 6,80 então exigidos pela publicação. E é importante lembrar que mesmo em 2003 os espaços livres já eram exíguos em minhas prateleiras.
Folheando a Brigade, finalmente descobri o motivo da aquisição: Mechanics. Ou seja, minha própria banda. À época estávamos lançando um EP homônimo que continha uma nova versão de “Formigas Comem Porra”, acompanhada de dois covers, um para “20th Century Boy” (T-Rex) e outro para “Scary Monsters (and Super Creeps)”, de ninguém menos que Sua Majestade, David Bowie. Cara de pau sempre foi mato por aqui...
Lendo a crítica do disquinho, sou imediatamente catapultado para outubro de 2001, 7º Goiânia Noise Festival. Aquela foi uma edição e tanto. Mais uma a fazer história no Centro Cultural Martim Cererê. No line-up, a fina flor do Rock brasileiro: Ratos de Porão, Hurtmold, Dead Billies, Wander Wildner... E uma atração internacional: os californianos do Nebula.
Não que já não tivéssemos trazido bandas gringas para Goiânia. Mudhoney, Superchunk, Luna e outros tantos já haviam tocado por estas plagas – em shows invariavelmente lotados. Era um mundo sem redes sociais. Curtir, naquela época, significava curtir mesmo – e não apertar um botãozinho no celular. A curiosidade do público era voraz. (E cá estou eu, de novo, com esse papo de velho.)
A novidade consistia no Nebula ser a primeira banda que trazíamos direto dos Estados Unidos. E seriam eles a inaugurar uma turnê nacional totalmente produzida pela Monstro Discos. Outro ponto importante era que a trupe de Eddie Glass (guitarra e voz), Mark Abshire (baixo) e Ruben Romano (bateria) seria um dos primeiros representantes do stoner rock a aportarem no país. Se é que alguém não sabe, stoner rock é um gênero baseado em peso, psicodelia e drogas. Tipo um Black Sabbath sob chuva de ácido.
A digressão com os californianos foi antológica, para dizer o mínimo. Problemas e diversão à rodo. Queimaram já na largada. Apesar de tocarem apenas na segunda noite do festival, chegaram na sexta e enfiaram o pé na jaca. Ficaram fascinados com uma cachaça fumegante servida em copos de bambu. Tiveram que ser recolhidos com pá dos canteiros do Cererê.
No sábado, eram a atração principal. E não ficaram muito felizes de não conseguirmos o amplificador solicitado. Garotada, vocês não fazem ideia a epopeia que era descolar equipamentos naqueles idos. Mas o que pegou naquela noite foi justamente a avassaladora performance dos baianos Dead Billies. Ainda me lembro de ver os três gringos de queixo caído, no meio da plateia, testemunhando o psychobilly soteropolitano levar a plateia ao êxtase absoluto.
Não deu para controlar a insegurança. Começou o show e problemas técnicos sugaram parte da energia da banda. O público foi raleando e encurtaram o set. Mesmo assim, uma performance memorável. Vale lembrar que o fato de trazermos a banda ao Brasil fez com que a gravadora Trama lançasse o quanto antes o álbum “Charged”, para aproveitar a turnê. E a faixa “Do It Now” foi presença constante em vinhetas da MTV. Naqueles idos, os caras eram uma das principais apostas da Sub Pop – o mesmo selo que deu ao mundo o Nirvana.
O último compromisso no Brasil seria uma apresentação no mais que saudoso programa de TV Musikaos, pilotado pelo gente finíssima Gastão Moreira. O Musikaos era um paraíso do Rock na programação televisiva nacional. Nada de jabá, bandas detonando ao vivo, público agitando, papos interessantes, artistas de diferentes linguagens e por aí vai. TV Cultura. Ressuscita isso pra gente, Bozo.
Para se encaixar na agenda do Nebula, aquela edição do programa seria gravada em uma data fora do convencional – daí a sentida ausência de Jorge Mautner, figura fixa do Musikaos. Além do trio stoner, Mechanics e DeFalla subiriam ao palco. Eu não poderia estar mais empolgado.
Os gaúchos do DeFalla sempre foram uma das mais emblemáticas (e erráticas!) bandas do país. Edu K é uma figura ímpar e continuamente conduziu a sonoridade do grupo por caminhos esquizofrênicos. Difícil definir se criava ou seguia tendências. Naquele momento, parecia tentar se livrar da pecha de oportunista provocada pelo hit “Popozuda Rock’n’Roll”. O DeFalla de 2001 contava com Syang na guitarra e emulava Stooges. Mas um Stooges fake pacas.
Me lembro como se fosse agora: com uma performance bizarramente poser, o DeFalla arrancou o seguinte comentário de Eddie Glass, que estava ao meu lado: “Nunca vi nada tão ridículo em toda a minha vida”. Eu ainda tentei explicar o que era a banda, mas desisti na metade do caminho.
Para o Mechanics, tudo era festa. A formação presente no Musikaos tinha, além de mim, Jaime Queiroz na bateria; o fundador do Metropolis, Túlio Fernandes, na guitarra; e Marlos Japão, da Monkey, no baixo. O primeiro embaço foi que no SESC Pompeia, onde o programa era gravado, era proibido beber, fumar ou qualquer coisa do tipo. A necessidade é que faz o sapo pular.
Tocamos três músicas: “Satan’s Surf” (que na TV apareceu grafada como “Satanás Surf”), “Sex Misery Machine” e “Red Square” (que mais tarde se tornaria “War”, do disco/livro “Música Para Antropomorfos”). Jovem e iconoclasta, eu estava numa fase de desancar o heavy metal. Então, não poderia perder a chance de provocar os metaleiros, ali tão bem representados pelo seminal Antônio Carlos Monteiro – vulgo ACM –, jornalista responsável pela Rock Brigade.
Num dado intervalo de nossa apresentação, Gastão me pergunta os motivos de termos gravado nosso primeiro álbum, “Psycho Love”, em Brasília. “Goiânia não tem estúdios profissionais?” Minha resposta foi mais ou menos a seguinte: “Goiânia tem bons estúdios. O que não temos é mão-de-obra apropriada para o nosso som. Em Goiânia, o máximo que conseguem gravar é gospel, sertanejo e heavy metal... que no fundo são a mesma coisa.”
Gastão caiu na risada. Já o ACM faltou soltar fogo pelas ventas. Dava pra sentir a fúria em seu olhar. Um pouco mais tarde, perguntado se a Brigade estamparia uma banda como o Nebula em suas páginas, ele disse que sim, afinal sabiam a diferença entre gospel, sertanejo e metal.
Mas aquilo não foi suficiente. Cerca de dois anos depois, no fatídico n° 206 da Rock Brigade, o EP do Mechanics recebia a seguinte análise: “A banda goiana faz um rock até que interessante, com um pé no punk e outro nas tais guitar bands, como se percebe com facilidade neste EP. O problema é a postura ‘fodona’ e arrogante que o grupo passa nas ‘declarações’ existentes no material promocional. Um exemplo acabado de como se colocar um bom trabalho a perder”.
Massa demais e belíssimo texto Márcio Júnior! Parabéns!! Eu acompanhava TD de perto e longe de longe também. Eu tenho muitas ótimas lembranças desse tempo, que era monstro e as coisas pareciam fazer mais sentido (acho que tô ficando velho também)rs.
Sobre o Colunista
Márcio Jr.
Márcio Mário da Paixão Júnior é produtor cultural, mestre em Comunicação pela UnB e doutorando em Arte e Cultura Visual pela UFG. Foi sócio-fundador da Monstro Discos, MMarte Produções e Escola Goiana de Desenho Animado. / marciomechanics@hotmail.com