Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 12º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

Edemundo Dias de Oliveira Filho

O ser humano está doente

| 29.04.25 - 14:54
“A gente é ser humano, erramos e acertamos. Nunca fui de me omitir sobre as coisas, mas a gente vive momentos em que as pessoas se preocupam mais em dar pedradas, tentar humilhar as pessoas. Vamos ficar doentes, o ser humano está ficando doente”. Essa declaração foi dada, em prantos, por Cássio, goleiro do Cruzeiro Esporte Clube, após a vitória do seu time, no último domingo.

Não sei se o próprio Cássio tem o discernimento da transcendência de sua afirmação, pois tocou em uma questão filosófica existencial central no mundo contemporâneo: a erosão da empatia e a frenética desumanização nas interações sociais, amplificada, nesse caso, pelo ambiente do esporte de alta performance, a instantaneidade, a toxidade e o sadismo das redes sociais em face da saúde física-psíquica-emocional de todas as pessoas, envolvendo reflexos somatizantes, de corpo, alma e espírito.

Sabemos que Cássio, hoje atleta do Cruzeiro, é um goleiro multicampeão e ídolo histórico do Corinthians. No entanto, falhas recentes lhe atraíram críticas severas de torcedores e da mídia esportiva. Tais críticas excederam aos comentários técnicos para hostilidades pessoais, trazendo-lhe grande abalo emocional.

Com efeito, todo atleta (artista, celebridade ou profissional, com destaque em qualquer atividade humana) nesse nível, em todas as modalidades, sobretudo do futebol brasileiro, enfrenta paixões, expectativas e cobranças descomunais, nas quais acertos são minimizados e erros são imperdoáveis, comumente descambando para o linchamento moral. Nesse ambiente, a crítica assertiva é cambiada para a destruição do outro.

Entre tantos exemplos documentados, quem não se lembra de Barbosa, goleiro da seleção brasileira da Copa de 50, que foi feroz e impiedosamente massacrado após a derrota na final para os uruguaios, pelo placar de 2 X 1, em pleno Maracanã, como um Coliseu, com quase duzentos mil torcedores e toda uma nação de chuteira?

Entretanto, o desabafo do homem Cássio traz à baila um fenômeno contemporâneo existencial muito maior e mais profundo: “O ser humano está ficando doente”. Faz-nos lembrar de Sartre quando explora a angústia da existência em um mundo onde o “outro” nos define; ou Heidegger que avalia a “inautenticidade” do ser em meio a pressões sociais. Tudo isso aponta para o “homem do século XXI” e a crise da alienação e desumanização nas relações interpessoais, intensificada pela líquida e rarefeita dinâmica da internet e suas engrenagens politraumatizantes, diria Bauman.

A grande pensadora Hannah Arendt, em sua profícua análise sobre a banalização do mal, sugere a perda da empatia e a objetificação do outro, em face da derrocada de valores éticos fundamentais à saudável convivência humana. Ou seja, no caso em pauta: Cássio é visto por muitos apenas como um produto e não como um ser humano falível. Mas o problema não é apenas o Cássio, essa é uma questão coletiva, que desafia o mito do status, riqueza ou sucesso profissional como escudo do coração.

Seja para o futebol ou para a sociedade em geral, o choro de Cássio é um convite irrecusável à reflexão. Como torcedores, mídia e indivíduos, precisamos antes questionar se nossas críticas constroem ou destroem, se a nossa interlocução com o outro ou com a humanidade nos torna monstros perversos e pervertidos ou pessoas plenas e saudáveis.
 
*Edemundo Dias de Oliveira Filho: Advogado. Pastor Evangélico.Membro da Academia Goiana de Direito (ACAD)

Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351