A dinâmica das relações internacionais ocupa hoje um lugar central na política brasileira, e a disputa pela presidência da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (Creden) da Câmara dos Deputados ilustra essa tendência. O embate político em torno do colegiado revela um cenário em que se alinhar às forças internacionais tornou-se estratégico.
Não por acaso, o maior partido da oposição, que detém a bancada mais numerosa do Congresso, prioriza indicar parlamentares de confiança para comissões-chave, como a de Constituição e Justiça (CCJ) e a própria Creden. Esse movimento sugere que 2024 será marcado não apenas por tensões internas, mas por uma geopolítica que se desenha dentro do Parlamento.
A Creden, responsável por analisar temas sensíveis — desde políticas externas e acordos internacionais até autorizações para viagens presidenciais —, ganha protagonismo como palco de debates ideológicos. É nesse espaço que setores da direita brasileira, alinhados a movimentos conservadores globais, buscam consolidar narrativas que transcendem fronteiras.
Questões como a "guerra cultural", o posicionamento crítico em relação à Venezuela, a defesa de alianças com os Estados Unidos e o embate com o Supremo Tribunal Federal (STF) devem pautar os trabalhos da comissão. Além disso, projetos que limitam a autonomia do Executivo em viagens internacionais ou que contestam diretrizes diplomáticas do governo federal tendem a ganhar força, servindo tanto à oposição interna quanto a uma agenda globalizada.
Há uma convergência clara entre o bolsonarismo, o movimento libertário (representado pelo "mileismo") e grupos como o trumpismo norte-americano e o Vox espanhol. Todos compartilham um inimigo comum: as instituições progressistas, o multilateralismo e as agendas identitárias.
A Creden torna-se, assim, um laboratório para fomentar essas conexões, construindo discursos que misturam liberalismo econômico, conservadorismo moral e crítica ao judiciário. O objetivo é claro: irradiar para a sociedade uma narrativa unificada, capaz de mobilizar bases e projetar influência além do Legislativo.
Nesse processo, o Brasil deixa de ser apenas um ator nas relações internacionais para se tornar um campo de batalha delas. A polarização doméstica espelha conflitos globais, e a comissão funciona como um megafone que amplifica tensões geopolíticas no plano local. Se, por um lado, isso reforça o protagonismo do Congresso, por outro, expõe riscos: a instrumentalização de temas estratégicos para fins ideológicos pode fragilizar a coerência da política externa brasileira, historicamente pautada pelo pragmatismo.
*Michel Magul
Secretário de Relações Internacionais da Assembleia Legislativa de Goiás