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Como advogado de família, frequentemente ouço de clientes pais que me procuram em meu escritório que se sentem injustiçados em litígios familiares, especialmente nos processos de divórcio, guarda dos filhos e alienação parental. Eles afirmam que existe um preconceito parental no Judiciário que privilegia as mães de forma deliberada, impedindo que possam exercer plenamente a sua paternidade.
No entanto, discordo dessa interpretação. O problema não reside em uma discriminação intencional contra os pais, mas sim em vieses cognitivos que permeiam as decisões judiciais. São mecanismos inconscientes que influenciam a percepção da realidade e conduzem a decisões enviesadas criando uma percepção de parcialidade.
A teoria de Daniel Kahneman, especialmente no que se refere ao funcionamento dos Sistemas 1 e 2 de pensamento, explica esse fenômeno com precisão. O Sistema 1 é rápido, intuitivo e baseado em padrões previamente estabelecidos, enquanto o Sistema 2 é mais lento, analítico e exige esforço cognitivo. Um exemplo ilustrativo é o aprendizado da direção: no início, cada ação exige atenção consciente (Sistema 2), mas, com o tempo, a prática deixa os movimentos automáticos (Sistema 1), tornando a direção algo intuitivo.
O problema surge quando o Sistema 2, em vez de se aprofundar na análise dos fatos, recorre ao Sistema 1 para buscar atalhos e preencher lacunas, sem perceber que está sendo guiado por crenças pré-existentes. Isso gera o fenômeno da racionalização: a decisão já foi tomada de forma inconsciente, e só depois se busca justificá-la com argumentos aparentemente racionais.
Esse mecanismo é objeto de pesquisas científicas no mundo todo e é abordado na obra Neurolaw, do ex-juiz federal e Doutor em Direito pela UERJ em colaboração com Harvard Law School, Erik Navarro, que demonstra como a racionalização é um dos principais fatores que levam a julgamentos distorcidos.
Quando se trata de questões familiares, um dos vieses mais comuns é o da Presunção de veracidade absoluta da maternidade – A crença arraigada de que a mãe é, por natureza, a cuidadora principal dos filhos, levando ao entendimento de que sua versão dos fatos é sempre mais crível.
Temos também o Viés histórico de desinteresse paterno – O histórico social em que os homens raramente assumiam um papel ativo no cuidado dos filhos gera estranheza quando um pai se dispõe a exercer plenamente sua paternidade.
E por fim o Viés moral da separação materno-filial – A resistência emocional e ética do julgador em afastar uma criança do convívio materno, mesmo quando a análise técnica indicaria que a ampliação da convivência com o pai ou a alteração da guarda seria a melhor solução.
Diante disso, a questão não é um preconceito consciente do Judiciário contra os pais, mas sim a predominância de decisões intuitivas baseadas nesses vieses. O acúmulo excessivo de processos potencializa essa problemática, pois impõe ao magistrado a necessidade de decidir rapidamente, favorecendo a adoção de padrões preestabelecidos.
Para diminuir a incidência desses vieses, é imprescindível a capacitação contínua dos operadores do Direito e a adoção de metodologias decisórias fundamentadas em dados objetivos.
Além disso, nos casos de alienação parental e disputa de guarda, a realização de perícias psicológicas no início do processo deveria ser obrigatória, evitando que o tempo – muitas vezes o maior inimigo da relação entre pai e filho – seja utilizado como estratégia de afastamento.
O Judiciário precisa assumir uma postura mais investigativa e menos intuitiva, garantindo que as decisões sejam tomadas com base em uma análise criteriosa e não em suposições inconscientes. Somente assim será possível assegurar que a verdadeira prioridade seja respeitada: o bem-estar da criança.
Fernando Felix Braz da Silva é advogado especialista em direito de família e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)