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Tatiana Potrich

Consciente Coletivo

| 17.11.24 - 13:04
As avassaladoras notícias, semanas antes das eleições dos EUA, sobre as polêmicas festas do rapper Diddy, regadas a drogas e outras cositas más e, mais convidados acima de qualquer suspeita, com certeza influenciou o voto de muito cidadão branco de bem. 
 
O próprio sincretismo religioso brasileiro condena a balbúrdia, tanto é que a relação do orixá Exu é associada ao Diabo, no catolicismo. Do ponto de vista conservador, certos tipos de diversão tem lá seus pandemônios e pombas giras soltas, mas quem nunca pecou e não foi duramente castigado? Branco, preto, índio, pardo, adulto, adolescente, criança... somos todos frutos do meio:
 
"É absurdo responsabilizar o negro pelo que não foi obra sua nem do índio, mas do sistema que funcionavam passiva e mecanicamente. Não há escravidão sem depravação sexual. É da essência mesmo do regime (...) Joaquim Nabuco colheu num manifesto escravocrata de fazendeiros, as seguintes palavras tão ricas de significação: a parte mais produtiva da propriedade escrava é o ventre gerador".
 
Tenho como livro de cabeceira e, como se não bastasse, tatuado no braço esquerdo, o título: "Casa Grande & Senzala", do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre. Admirado por uns, odiado por outros, Freyre contextualizou a formação cultural brasileira numa trilogia digna de minissérie internacional. Uma Odisséia Tupiniquim onde deuses gregos seriam os orixás. Monstros e quimeras seriam caiporas, iaras, cucas, mulas sem cabeça, sacis e boitatas.
 
Descrito em seu livro, sobre a notória habilidade dos negros em cantar, dançar e seduzir era previsível que num primeiro momento este costume cultural fosse visto como pecaminoso, pervertido e até contagiado por uma espécie de magia, mandinga ou feitiçaria. No entanto, em todas as culturas, mitologias ou religiões existem rituais, crenças e peculiaridades tão bizarras, que não são ditas e nem comentadas em encontros familiares ou nas salas de aula.
 
No livro "Mitologias - um guia dos mundos imaginários", Edição SESC, o autor Christopher Dell propõe uma abordagem diferente no estudo dos mitos ao considerar todas as primeiras tradições mitológicas lado a lado: celta, greco-romana, nórdica, budista, oriental, norte-americana, central e sul-americana, africana e do Oriente Médio.
 
A conclusão é de que, em todas essas tradições, somos muito parecidos uns com os outros e também, aos próprios deuses, já que fomos criados à sua imagem e semelhança, ou vice-versa. Estamos todos vulneráveis ao ódio, à vingança, à inveja, à cobiça, à traição e aos desejos mais espúrios que a alma possa imaginar. Mas de alguma forma somos providos do bem, da capacidade de criar, de perdoar, de autorregenerar, de amar e de se conscientizar.
 
Democraticamente, o dia 20 de Novembro poderia se chamar Dia do Consciente Coletivo, porque o saldo histórico negativo no nosso país vai além da africanidade, pois somos muitos mulatos, mamelucos, mestiços, cafuzos, caboclos, caipiras, crioulos, candangos, caiçaras, capoeiras, galegos, guris, curumins e mais alguns outros bastardos de sinhôs e sinhás, que vieram tanto depois das caravelas, quanto mais tarde em navios negreiros.
 
Consciente ou inconscientemente um dia de feriado para uma pausa, um descanso, um ócio construtivo e, porque não, uma reflexão coletiva:
 
"Todo brasileiro, mesmo alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo - há muita gente de jenipapo ou mancha mongólica pelo Brasil - a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro".
 
"Fake Fake Illustraciones", intervenção de Decy, retrato do seu filho, na Potrich Galeria, em 2013


 "Caipiras" para o "Goiás em Cores", intervenção em Pirenópolis, por Wes Gama, Mateus Dutra e André Morbeck, em 2015
 

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