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GISMAIR MARTINS TEIXEIRA

José de Alencar e o Concurso Cênico-Literário da Seduc-GO

| 13.11.24 - 23:17

Em “História Concisa da Literatura Brasileira”, obra em que Alfredo Bosi se inspira na quase homônima “História Concisa da Literatura Alemã”, do intelectual e historiador austríaco radicado no Brasil, Otto Maria Carpeaux, o crítico literário brasileiro apresenta um recorte histórico da singular biografia do escritor José de Alencar, nome dos mais representativos da história da escola do romantismoliterário do Brasil.
 
Nascido em 1826 no estado do Ceará, na cidade de Mecejana, José Martiniano de Alencar é filho de um ex-padre que se tornaria senador e lutaria pelo que ficou conhecido como Clube da Maioridade, cuja causa principal residia na emancipação de maioridade do Imperador Dom Pedro II. Ao que se depreende de Bosi, o filho herdou os ímpetos nacionalistas do pai.

Migrando para o Rio de Janeiro, capital do Império, José de Alencar, como ficaria celebrizado nas letras nacionais, desenvolveu todo um projeto literário em torno da construção da identidade brasileira, contemplando em sua vasta produção romanesca aspectos ligados ao sertanejo, aos povos originários, então denominados índios, e mesmo à vida citadina de um Brasil que ainda se dividia entre o etos europeu e a ânsia de uma expressão própria de sua cidadania.
 
Tão incisiva foi a identificação da estética romântica com a realidade nacional que se vivia no século 19 em torno da construção de uma identidade brasileira, que toda uma divisão historiográfica foi elaborada para registrar a literariedade elaborada a partir desse contexto. Assim, o romantismo brasileiroque tem início em 1836registra na poesia três fases distintas, denominadas gerações, assim dispostas em ordem cronológica: indianista; ultrarromântica e condoreira. Na prosa romântica, por sua vez, o indianismo também está presente, consagrando o indígena como um herói nacional.
 
Neste particular, o grande nome é, sem dúvida, José de Alencar, com as obras “O Guarani”, “Iracema” e “Ubirajara”, que formam a trilogia do consagrado autor em torno da temática da heroicização indígena.Registra Alfredo Bosi que José de Alencar sofreu críticas ao longo do tempo em função de alguns tropos supostamente infantilizados, o que, no entanto, não impede que o autor romântico seja um exímio criador de imagens literárias. Exemplo disso pode ser pinçado de seu clássico “O Guarani”, que apresenta a sobrenatural amizade que se desenvolveu entre o guerreiro Peri, da etnia dos Goitacases, e a jovem Cecília, cuja apócope Ceci se tornaria lendária em sua junção com seu amigo e protetor indígena.
 
Nesse romance clássico, José de Alencar reverbera o zeitgeist (espírito de época) do romantismo brasileiro presente no conjunto literário de seu trabalho, sobretudo quando se projeta no dado cultural alusivo à ideia de paraíso perdidoque acompanhou o imaginário das plagas americanas desde as descobertas de Cristóvão Colombo. No âmbito do cristianismo, o paraíso perdido evoca a queda de Lúcifer, que foi retratada literariamente no portentoso poema épico de John Milton, justamente intitulado de “Paraíso Perdido”.
 
Na construção do antagonista de “O Guarani”, o frade Ângelo, italiano ambicioso que abandona a batina por um sinistro plano de enriquecimento à cata de tesouro de que toma conhecimento, José de Alencar apresenta a seguinte construção imagético-literária após indicar que o religioso despia a batina para ir ao encalço do que supunha ser a sua oportunidade de riqueza:
 
“Quando dobrava o canto do pouso, o céu abriu-se e a terra incendiou-se com a luz de um relâmpago tão forte que o deslumbrou. Dois raios, descrevendo listras de fogo, tinham caído sobre a floresta e espalhado em torno um cheiro de súlfur que asfixiava. (...) Mas o deslumbramento passou; estremecendo ainda e pálido de terror, o réprobo levantou o braço como desafiando a cólera do céu, e soltou uma blasfêmia horrível: - Podeis matar-me; mas, se me deixardes a vida, hei de ser rico e poderoso, contra a vontade do mundo inteiro!”
 
Conclui o romancista esse trecho da narrativa com estas incisivas palavras que remetem ao imaginário do cristianismo em torno da queda de Lúcifer, que se torna Satanás (opositor) após sua queda descrita literariamente em John Milton: “Havia nestas palavras um quer que seja da sanha e raiva impotente de Satanás precipitado no abismo pela sentença irrevogável do Criador”.No Evangelho de São Lucas, pode-se ler no verso 18 do décimo capítulo as marcantes palavras de Jesus Cristo: “E disse-lhes: Eu vi Satanás, como raio, cair do céu”.
 
Essa potência imagética de Alencar se projeta com toda a força de sua verve literária na construção de seu herói indígena, Peri, que o autor descreve com fortes traços de heroísmo que, no entanto, mostram-se datados na contemporaneidade. A partir da Constituição de 1988, conhecida sob a designação de Constituição Cidadã, os povos originários passaram a ter uma maior visibilidade que, no entanto, encontra-se longe de ser a ideal.

Sob essa perspectiva, o texto literário de José de Alencar está sujeito a um envelhecimento diacrônico, trazendo marcas já superadas na contemporaneidade como, por exemplo, designar Peri como selvagem, nomeando-o etnograficamente como “índio”, quando os povos originários elegeram na atualidade o vocábulo “indígena” como melhor representante de sua autorreferencialidade.
 
Contexto educacional brasileiro e goiano
No contexto educacional brasileiro e goiano, o indianismo romântico se reconfigura. Um indicativo prático disso é o tema do “IV Concurso Cênico-Literário Reconhecendo Nossas Goianidades”, da Secretaria de Estado da Educação de Goiás. Em sua quarta edição, o tema do Concurso versou sobre “Povos Indígenas no Cerrado”.Mobilizando um efetivo de 1.260 professores ao longo do ano letivo de 2024, o certame teve a participação de 92.517 estudantes, 570 unidades escolares, 197 municípios e 40 Coordenações Regionais de Educação. Os destaques da imersão pedagógica na cultura indígena serão premiados no dia 14 de novembroem evento realizado no Teatro Goiânia e na Vila Cultural Cora Coralina, a partir das 13 horas, e oportunamente terão suas produções publicadas em e-book institucional.
 
A realização do “IV Concurso Cênico-Literário Reconhecendo Nossas Goianidades- Povos Indígenas no Cerrado” teve amplo apoio e engajamento do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte, com formações específicas proporcionadas por professores especializados em produções textuais e na etnografia indígena, como é o caso do docente José AlecrimKramekrá, da etnia Canela, que é indígena e artista visualcom formação em “design”, especialista em Ensino de Artes Visuais, cuja assessoria foi de fundamental importância para a contextualização da cultura indígena no período de realização do Concurso.
 
Soba direção da secretária de Educação, Aparecida de Fátima Gavioli Soares Pereira; da gerente de Arte e Educação, Luz Marina de Alcantara, e do Ciranda da Arte, sob direção da professora Euzamary Pimenta e coordenação da teatróloga Mara Veloso, o “IV Concurso Cênico-Literário Reconhecendo Nossas Goianidades - Povos Indígenas no Cerrado”representa em seu conjunto um importante pioneirismo no contexto educacional brasileiro, com lastro no melhor da literatura brasileira.
 
*Gismair Martins Teixeira - Doutor em Letras, com Pós-Doutorado em Ciências da Religião; professor e pesquisador.
 

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