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GISMAIR MARTINS TEIXEIRA e RAWMISON LIMA

A guerra das Inteligências Artificiais no cinema

| 09.09.24 - 18:20
A exemplo do que ocorreu com a franquia cinematográfica “De Volta para O Futuro”, o último dia 29 de agosto assinalou mais uma data que o universo pop do cinema consolidou na cultura geral como uma de suas representações em torno da instigante ideia de viagem no tempo. No caso, não só o deslocamento através da temporalidade, mas também a utilização da Inteligência Artificial para fazê-lo.

No contexto do roteiro da franquia “Exterminador do Futuro”, lançado em 1984 pelo cineasta norte-americano James Cameron, foi num 29 de agosto do ano de 1997 que a humanidade foi reduzida a pequena fração de sobreviventes pela Inteligência Artificial denominada Skynet, que se tornou autoconsciente - possibilidade que os especialistas denominam de singularidade -, deflagrando um ataque nuclear mútuo entre todas as potências atômicas da Terra para assumir o controle total, num impulso de autopreservação.

Com o gancho do marco temporal, no último aniversário dessa data do imaginário criado por James Cameron, a gigante mundial dos streamings, Netflix, lançou a série de anime japonês “O Exterminador do Futuro: Zero”, que traz em seu roteiro uma explicação minuciosa da profetisa, personagem da nova trama, sobre a viagem no tempo, que justifica sobejamente todas as sequências que o conjunto da obra concebida por Cameron teve ao longo de sua trajetória desde o já longínquo ano de 1984.

A explicação da profetisa não é propriamente uma novidade no universo fílmico envolvendo o deslocamento temporal. Assim, as linhas do tempo que surgem a cada viagem pela seta temporal justificam também a própria narrativa do anime, repleta de diálogos que atualizam o problema da interação entre humanos e máquinas, sugerindo que a seta do tempo pode não ser exatamente uma reta, mas sim curvas temporais que estariam mais próximas da espiral em sua espacialidade.

Neste particular, a produção japonesa concebida por Mattson Tomlin e dirigida por Masashi Kudô, que acaba de sair do forno, abre instigante interlocução com uma das obras de divulgação do tema da Inteligência Artificial por parte de um dos maiores nomes contemporâneos da área no mundo, o chinês Kai Fu Lee, cujo livro tem o extenso título de “Inteligência Artificial: Como Os Robôs Estão Mudando o Mundo, A Forma como Amamos, Nos Relacionamos, Trabalhamos e Vivemos”.

Neste trabalho, Fu Lee, como outros importantes autores que estudam a Inteligência Artificial, não deixa de mencionar a cinematografia em torno do tema, que por si só já constitui um gênero bem específico e que tem crescido exponencialmente nos últimos tempos, como a própria e espantosa capacidade desse artefato humano. Naturalmente, “O Exterminador do Futuro” aparece como referência de modelo pessimista da relação humanidade-máquina. Afirma o autor de “Inteligência Artificial”:
“A superinteligência seria o produto da criação humana, não da evolução natural, e, portanto, não teria os mesmos instintos de sobrevivência, reprodução ou dominação que motivam os humanos ou os animais. Em vez disso, é provável que apenas procurasse atingir os objetivos dados da maneira mais eficiente possível”. E o perigo estaria exatamente aí, segundo o próprio Lee.

Conforme o pesquisador chinês em sua obra, se fosse dada a uma superinteligência, por exemplo, a meta exclusiva de acabar com o aquecimento global, ela poderia fazer como a Skynet para cumprir sua programação de forma objetiva; ou seja, se a humanidade é a causa de o planeta estar fervendo, o raciocínio lógico seria eliminar essa causalidade. Informa Kai Fu Lee que mesmo os otimistas em relação à dinâmica humanidade-máquinas levam a possibilidade de algo do gênero a sério.

Em “Exterminador do Futuro: Zero”, da Netflix, (alerta de spoiler) o roteiro apresenta uma Inteligência Artificial concebida com a finalidade de enfrentar a Skynet. Seu criador reside em Tóquio, Japão. Na mesma data em que a sinistra inteligência envia um exterminador a Los Angeles para assassinar a mãe do líder humano da resistência futura, a icônica Sara Connor, um congênere também é direcionado à capital japonesa com a finalidade de evitar que a Inteligência Artificial Kokoro atinja a singularidade, tornando-se autoconsciente e podendo, assim, opor-se a ela.

Até certo ponto, o anime japonês produzido e dirigido respectivamente por Mattson Tomlin e Masashi Kudô se inspira ou, quando não, dialoga com a solução com que James Cameron pretendeu encerrar a sua versão da franquia, aquela que seria  presumivelmente a canônica, que foi apresentada no último filme lançado em 2019 sob o título de “Exterminador do Futuro: Destino Sombrio”, em que outra Inteligência Artificial substitui a Skynet na linha temporal e na vilania contra a humanidade.

Nessa sequência de Cameron, a Skynet, através do assassino robótico vivido nas telas por Arnold Schwarzenegger, cumpre sua missão, assassinando John Connor. Após a morte de Connor, o modelo T 1000 não tem mais objetivo a cumprir. Assim, passa a interagir com a humanidade, observando-a e aprendendo com ela, adquirindo uma autonomia que o permite apreciar o livre arbítrio humano, experienciando-o em seu banco de dados e tomando as dores da humanidade quando um novo exterminador, criado por uma nova Inteligência Artificial que substituiu a Skynet em uma nova linha temporal, é enviado com a finalidade de exterminar a futura líder da resistência dos humanos. Ou seja, a concorrência darwiniana de luta pelo espaço e, no caso, o tempo, imperaria até mesmo entre as máquinas.

No mundo do dia a dia, a leitura de Kai Fu Lee esclarece que, de fato, já existe uma disputa de espaço ferrenha entre os criadores e, futuramente, entre as criaturas desse estranho mundo das I.As, o que ele compara ao universo dos gladiadores na Roma antiga, em que a ferocidade da concorrência era uma questão de sobrevivência do mais forte. O perigo de fundo em tudo isso, por enquanto palpável só na ficção, é que a humanidade possa entrar como mero joguete em uma guerra entre Inteligências Artificiais.

Numa visão mais prosaica e menos hollywoodiana, todavia, é no âmbito da empregabilidade que a grande metáfora da guerra entre humanos e máquinas vai aos poucos materializando-se; por enquanto, de maneira sutil, mas com sinais de alerta para os que detêm poder de decisão sobre para onde a humanidade pode e deve ir. De maneira muito lúcida, Kai Fu Lee chama a atenção para essa realidade que pode vir a tornar-se profundamente perturbadora na economia social, na mais ampla acepção deste termo.
 
GISMAIR MARTINS TEIXEIRA – Doutor em Letras pela UFG; Pós-Doutorado em Ciências da Religião pela PUC-GO; professor e pesquisador do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte da SEDUC-GO.
 
RAWMISON LIMA – Especialista em Inteligência Artificial, Diretor Cinematográfico pela Academia Internacional de Cinema, professor de Artes Visuais pela UFG e mestrando em Desenvolvimento Regional com foco em educação pela Universidade Alfa.

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