Escritor chinês Yu Hua (Foto: Reprodução)
Sobre o personagem de “Viver”, do escritor Yu Hua, dizia no primeiro artigo sobre as decisões do escritor de colocar um narrador como uma cigarra e o personagem central (Fugui) como uma formiga trágica. O romance nos ensina que viver é aprender a aceitar a morte e aprendeu isso a partir das agruras da vida, de seus erros e do trágico que no seu caso, ao contrário, da frase de Guimarães Rosa, sempre veio a conta-gotas.
Fugui obviamente não pode por sua própria força mudar o cenário trágico estabelecido pelas perdas e agruras vividas– ele chega a afirmar que o esperado do povo do campo é obedecer às autoridades – do chefe da Aldeia ao líder supremo. Yu Hua amarra esses eventos históricos de forma orgânica e atrativa à vida do personagem trágico que nos ensina que viver é também aceitar a morte.
Se muitas histórias oficiais podem ser jogadas na lata de lixo da história após a morte de seus atores, esta história não oficial provavelmente continuará a viver longa e teimosamente. Como afirma o jornalista português Miguel Fernandes Duarte em artigo sobre “Viver” (ver link), diante de Fugui somos levados a pensar no típico “herói problemático”, pois, afinal, “sua jornada o leva desde o cume da sua arrogância afluente ao sopé da sua humildade pobre”. E nem diante de tantas perdas ao longo da vida, ele desiste de viver. Ele afirma quase ao final de seu raconto:
“Pensando bem, essa vida passou muito depressa” – “Vivi uma vida comum; meu pai esperava que eu honrasse o nome da família, mas, pelo jeito, apostou na pessoa errada. Para mim, foi esse o meu destino. Quando jovem, torrei toda a fortuna que os antepassados haviam deixado e, depois, fui ficando cada vez mais miserável. Foi melhor ter vivido como gente comum do que como Long Er e Chunsheng, que brilharam por um instante e no fim pagaram com a própria vida. Eu, quanto mais vivi, mais incompetente me tornei, mas tive uma vida longa. Todas as pessoas que conheci morreram, uma depois da outra, e eu, ainda estou aqui vivo”.
Segundo um comentarista no Baidu (“o Google chinês”), que se intitula Master Hua (!), "o escritor Yu Hua usa um estilo narrativo semelhante ao de um romance neorrealista "com aparente intervenção zero" na história, fazendo de "Viver" uma tragédia, mas com uma beleza visual que choca o leitor, apresentando um alívio caloroso ao final.”
Sobre esse caráter de Viver como típica narrativa fundada na oralidade, ouvi duas pessoas que encontrei na recente viagem à China, e com as quais tive a honra de estabelecer laços de amizade, ambas com atividades intelectuais importantes em Shenzhen e Hong Kong.
A professora e palestrante internacional chinesa She Xi Yan me disse: “Tenho certeza de que a oralidade na literatura chinesa desempenha um papel muito importante, até mesmo na história chinesa. Como "os livros de canções " ( ? ? ) é um trabalho representativo na história da literatura chinesa antiga e é das pessoas, a oralidade, as pessoas etc. Há muitos... sabemos que o povo chinês sempre tem realmente admirado seu líder, do vilarejo à esfera nacional, e o líder político desempenha um papel muito importante na mentalidade das pessoas. Porém, na área da literatura, a sabedoria das pessoas comuns é o que realmente importa, essa é mantida e altamente respeitada, o que é interessante” – conclui Xi Yan.
Aka (Carmem) Writer, autora de um importante livro de crônicas de viagem e turismo (Cambodia, Flores de maio, 2004), afirmou:
"Eu acho que a literatura é, em grande parte, isso mesmo, é sobre a vida das pessoas, donde se extraem histórias folclóricas, cheias de oralidade. Essa é uma questão muito ampla. Primeiro porque do ponto de vista das técnicas de escrita, é provavelmente apenas a partir da expressão de Fugui que o autor encontrou o caminho mais fácil, mais fluente e mais autêntico para restaurar a história, era essa a expressão que o autor queria resgatar. Do ponto de vista histórico, social e político, este é o caminho mais seguro e, do ponto de vista da publicação literária, esta é a maneira racional de ver a obra publicada.”
Outros livros de Yu Hua podem ser encontrados em português e é com uma frase do autor que convido você a conhecê-lo mais: “O maior deleite que nos traz a literatura é encontrar os próprios sentimentos dentro dos escritos do outro, como se víssemos nosso próprio reflexo no espelho do outro. E não há diferença se você é rico ou pobre.”