Rafaela Bernardes
Goiânia - Um professor universitário da Escola de Música e Artes (EMAC) da Universidade Federal de Goiás (UFG) relatou em sua página do Facebook ter sido constrangido e expulso do prédio da EMAC, onde trabalha, pelos estudantes que invadiram a universidade como forma de protesto contra a PEC 241. O episódio foi registrado na noite de terça-feira (1º/11).
Wolney Alfredo Unes trabalha há 25 anos na UFG e, segundo ele, sua ida ao prédio era para uma orientação acadêmica a três alunos. O encontro já estava marcado há três meses, conforme explicou o professor. Em seu desabafo na internet, Wolney se mostrou surpreso com a atitude dos manifestantes. "Em 25 anos de Universidade Federal de Goiás nunca havia passado por tamanho constrangimento nem presenciado tal violência. Faço o relato", iniciou.
No texto, Wolney conta que a entrada do prédio estava bloqueada e que uma das manifestantes chegou a exigir a identificação do professor e dos alunos para que eles pudessem entrar na Escola.
"Perguntamos à garota sentada à mesa na porta se poderíamos entrar. Ela disse que sim com um belo sorriso, e pediu um documento de identificação. Sorriso de volta, respondi que gostaria então de ver um seu documento também. Como nenhum de nós tinha nem tem poder de polícia para exigir identificação do outro entramos no prédio público em que sou servidor sem identificação mesmo – aliás como venho fazendo nos últimos 25 anos e como já fiz em várias outras universidades, fosse como estudante, professor ou simples visitante (às vezes até mesmo apenas em busca de um banheiro!)", escreveu.
No relato, o professor explica que depois de reunidos no andar superior do prédio, um grupo de manifestantes os abordaram e pediram a saída do professor e de seus três alunos.
"Finalmente, pedi a palavra e perguntei: podemos ficar aqui? Sim, poderíamos. E podemos continuar nossa atividade? Não, não poderíamos. E se continuarmos? Não permitiriam – e a partir dessa resposta, olhando para o rapagão com o canto do olho, não quis perguntar quais seriam os meios. Levantei-me e convidei meus três alunos para nos irmos.
Fomos escoltados aos gritos até a porta onde estava a tal mesa. No caminho ainda perguntei se estávamos sendo expulsos do prédio público. Sim, estávamos".
Em resumo, o professor e seus alunos, que desenvolviam uma atividade acadêmica no interior da universidade, deixaram o prédio e terminaram a monitoria no estacionamento da UFG.
Manifestação
Vários prédios da Universidade Federal de Goiás (UFG) estão ocupados por estudantes que protestam contra a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) que estabelece um teto para os gastos públicos para os próximos 20 anos.
Além de prédios da UFG, os alunos também ocuparam prédios dos Institutos Federais de Goiás (IFG) espalhados pelo Estado.
Confira o desabafo do professor da UFG na íntegra:
Em 25 anos de Universidade Federal de Goiás nunca havia passado por tamanho constrangimento nem presenciado tal violência. Faço o relato.
No último dia 1º, a partir de um compromisso com três alunos marcado há vários meses para às 18:50, fui ao prédio da Emac, no Câmpus II. Chegando lá, vi que havia um bloqueio na entrada do prédio, uma mesa atravessada na porta com uma pessoa sentada. Como havia chegado cedo e sabendo que não havia funcionários com quem pegar a chave de uma sala, aguardei do lado de fora, ao lado da cantina, por cerca de 20 minutos, até que os alunos chegassem. Após chegarem todos os três alunos, preparamo-nos para entrar no prédio.
Perguntamos à garota sentada à mesa na porta se poderíamos entrar. Ela disse que sim com um belo sorriso, e pediu um documento de identificação. Sorriso de volta, respondi que gostaria então de ver um seu documento também. Como nenhum de nós tinha nem tem poder de polícia para exigir identificação do outro, entramos no prédio público em que sou servidor sem identificação mesmo – aliás como venho fazendo nos últimos 25 anos e como já fiz em várias outras universidades, fosse como estudante, professor ou simples visitante (às vezes até mesmo apenas em busca de um banheiro!).
De volta a nosso relato, subimos então – eu e os três alunos – a rampa até o pavimento superior. Ali há um agradável alpendre, em frente ao laboratório de eletroacústica, com vários bancos, onde sabia que poderíamos nos sentar para ter nossa orientação. E assim fizemos.
Na copa ao lado, víamos alguns alunos que pareciam preparar algo no fogão. Após cerca de 15 minutos de nossa atividade, computador aberto no colo, começou uma música vindo do térreo. Bem alta, um dos alunos sugeriu que o som tinha o intuito de nos atrapalhar. Continuamos ao som do roquezinho simpático, com o tom de voz levemente aumentado. Mais dois ou três minutos chega um pequeno grupo de garotas, três ou quatro. Uma delas, mais exaltada, fez algumas perguntas que não entendi bem algo mais ou menos como: "esta ação estava agendada no Facebook? É atividade de ementa? É preciso ser pública e ter sido autorizada!" A aluna de nosso grupo respondeu que estávamos agendados há meses, ao que alguém contestou que a ação deveria ser pública.
O que se seguiu não entendi muito bem, exceto quando uma das garotas disse que nós as havíamos desrespeitado por ter nos recusado a nos identificar. Entendi também uma frase: "essa p. dessa faculdade", a única a que contestei, pedindo alguma sobriedade no vocabulário. Pura bobagem, é claro, diante dos gritos e olhares raivosos, gestos ríspidos, ressentimento à flor da pele.
Nesse instante chega do andar inferior um rapaz forte e alto, bonitão, cabelo black power e generosas suíças, carregando uma das caixas de som que professores utilizam para dar aulas. Liga a caixa a nosso lado e põe para tocar o tal rock, dessa vez ali pelos 110 decibéis. Deixa a caixa e posta-se ao lado de minha cadeira, do alto de seus quase 2 metros, braços cruzados e sobrecenho franzido. Seguiu-se uma gritaria infernal, que não conseguia superar a música, até que uma das garotas desliga a caixa de som e continua sua argumentação.
Finalmente, pedi a palavra e perguntei: podemos ficar aqui? Sim, poderíamos. E podemos continuar nossa atividade? Não, não poderíamos. E se continuarmos? Não permitiriam – e a partir dessa resposta, olhando para o rapagão com o canto do olho, não quis perguntar quais seriam os meios. Levantei-me e convidei meus três alunos para nos irmos.
Fomos escoltados aos gritos até a porta onde estava a tal mesa. No caminho ainda perguntei se estávamos sendo expulsos do prédio público. Sim, estávamos. Ao passar pela mesa, parei um instante para dizer a frase com que iniciei este texto. Ao passar pela porta de saída, fui saudado, "oi, professor", por uma garota que havia frequentado uma de minhas aulas – o único rosto que reconheci durante todo o episódio, afora as garotas da cantina e uma professora que havia deixado o prédio mais cedo. Ninguém da guarda, ninguém da manutenção nem da direção.
Fui expulso de meu local de trabalho, constrangido a me identificar, ameaçado e impedido de orientar meus alunos. Do andar superior, podíamos ainda ouvir a centena de decibéis do rock.
A noite já caindo, fomos até o estacionamento e terminamos nossa orientação encostados em meu carro, à meia-luz da tela do computador sobre o porta-malas do sedã. A garota de nosso grupo – estudante de Ciências Contábeis – tremia e não conseguiu mais se concentrar, num riso nervoso intermitente. Um guarda fardado que fazia a ronda aproximou-se para perguntar se estava tudo bem. Não estava. Despedimo-nos às 20:10 e fomos embora. Começava a cair uma chuva fina.