Adriana Marinelli e Mônica Parreira
Goiânia - Assunto controverso, a proposta de redução da maioridade penal ganhou espaço significativo durante as campanhas eleitorais neste ano e reaqueceu uma polêmica que já se arrasta por décadas. Pesquisa Ibope divulgada em setembro mostra que 83% dos brasileiros querem que a maioridade penal diminua de 18 para 16 anos. A justificativa é baseada no combate à violência e à impunidade. No entanto, alguns especialistas avaliam que a medida não traria os benefícios esperados pelos brasileiros.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Goiás (OAB-GO), Henrique Tibúrcio, é categórico ao dizer que reduzir a maioridade penal “não tem efeito positivo nenhum. O que precisa ser feito é aplicar da maneira correta a legislação que já existe”, avalia, ao citar, ainda, a necessidade de investir na qualidade das medidas socioeducativas impostas ao menor infrator.
Tibúrcio entende que projetos de lei não podem ser votados sem uma discussão intensa. “Me preocupo muito com decisões tomadas no calor dos acontecimentos. São ideias simplistas que surgem como promessas de se resolver um problema que, na prática, é muito mais complexo. Isso tende a agravar a situação”.
O protagonista no debate sobre a maioridade penal é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Criado em 1990, o conjunto de normas prevê a proteção integral do menor em todos os âmbitos sociais. No artigo 104, o texto cita que “são plenamente inimputáveis os menores de dezoito anos”, mas ressalva que estão sujeitos às medidas socioeducativas como, por exemplo, o regime de internação, que pode chegar a três anos.
“Se tiver bom comportamento, o adulto tem um sexto da pena reduzida. Três anos é um sexto de 18 anos, e poucos são os crimes do Código Penal que o maior é condenado a isso. Tecnicamente, a pena para o menor é muito mais dura”. Este é o relato do titular da Delegacia de Apuração de Ato Infracional (DEPAI), Kleyton Manoel Dias. O delegado convive diariamente com inúmeras ocorrências envolvendo adolescentes. Apesar da rotina, o fato é que todos os casos chamam atenção de uma forma triste. “A constatação é que as coisas não vão bem aqui fora”, comenta.
“A idade não é fator preponderante, a pessoa pode cometer o crime com 12, 14 ou 20. Alterar a maioridade penal só vai mudar o efeito de prender mais ou menos, e isso não resolve. É preciso atuar nas causas da criminalidade”, justificou o delegado. De acordo com Kleyton, a educação e assistência familiar são a base para combater os índices tão alarmantes de violência que assolam o país.
"A lei nunca foi cumprida em sua totalidade desde que foi criada, há 24 anos"
(Mônica Araújo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO)
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO, Mônica Araújo compartilha da mesma opinião.
Depois de visitar os centros de internação e constatar tamanha precariedade e superlotação, a advogada diz que o Estado não tem condições de receber e lidar com o menor infrator, conforme mostrou a
primeira parte da série ‘Recrutados pelo crime’.
“Como podemos cobrar a redução da criminalidade se o Estado não faz a sua parte, que é oferecer alternativas socioeducativas aos menores?”, questiona a advogada.
“O ECA não é defasado, e sim o empenho de quem exerce o poder. A lei nunca foi cumprida em sua totalidade desde que foi criada, há 24 anos. Pedir a redução da maioridade penal antes mesmo de ver nosso estatuto em plenas condições de funcionamento é absurdo”, diz Mônica, com o estatuto em mãos.
Psicólogo e professor universitário, Altair José dos Santos conviveu durante três anos com menores reclusos no Centro de Internação de Adolescentes (CIA) para realizar um levantamento sobre o perfil do infrator homicida. Mais que dados e estatísticas anotados no papel, Altair José investigou os principais motivos que levam um adolescente ao crime. A conclusão é alarmante.
"O menor é penalizado antes mesmo de cometer a infração. Antes de pensar nesse adolescente como criminoso, temos que imaginá-lo como vítima. Se trata de um ser humano que está abandonado desde a origem de sua vida. Abandonado pelo Estado, pela família. Trabalhei com vários adolescentes e em todos os casos vi histórias de maus tratos na família. Os meninos não têm escola, não têm alimentos e são assolados por uma massa de propaganda estimulando o consumo", pondera o psicólogo.
Estatísticas do Ministério da Justiça mostram que menores a partir de 16 anos são responsáveis por apenas 0,9% do total dos crimes praticados no país.
Apesar da baixa estatística, o psicólogo alerta que a discussão sobre uma possível redução da maioridade penal vai continuar dividindo opiniões por tempo indeterminado. Trata-se de uma questão de apelo social.
Segundo Altair José, a sociedade adota, esporadicamente, “uma figura odiável, objeto de canalização da vingança. Houve um tempo em que essa figura era o ‘tarado’, depois o pedófilo, assim sucessivamente. Hoje, o adolescente infrator é essa figura”, pontua o psicólogo.
De deputados ao governador, grande parte dos políticos eleitos em Goiás defendem a redução da maioridade penal. Prestes a iniciar seu quarto mandato a frente do governo de Goiás, Marconi Perillo parte do princípio de que a legislação deve acompanhar o desenvolvimento social.
O governador tece críticas não só ao ECA, como também a todo Código Penal. “A legislação precisa ser alterada imediatamente. Há dez anos, um adolescente de 17 anos pensava de um jeito. Hoje, um adolescente dessa idade tem outros pensamentos, totalmente diferentes”. O discurso foi feito durante apresentação de um relatório elaborado pela Superintendência de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública (SSP-GO) sobre a reincidência dos criminosos responsáveis por chacinas registradas em Goiás.
"Precisamos da criação de novos presídios juvenis, separados por idade e pela natureza do crime"
(Delegado e deputado federal eleito Waldir Soares)
Recordista histórico de votos, o delegado e deputado federal eleito Waldir Soares ganhou simpatia ao defender com veemência a necessidade de se discutir temas relacionados à segurança pública, em especial a redução da maioridade penal. Mas com algumas ressalvas.
“Antes da aprovação dessa lei, precisamos da criação de novos presídios juvenis, separados por idade e pela natureza do crime. Defendo que esse adolescente tenha um sistema 'militarizado', com hora certa para acordar, exercício do corpo e da mente, trabalho e curso profissionalizante”, afirmou ao jornal A Redação logo depois de ser eleito.
Para Ronaldo Caiado, aliciamento de menores é inadmissível (Foto: Leo Oliveira/A Redação)
Senador eleito por Goiás com mais de 1,2 milhão de votos no dia 5 de outubro, Ronaldo Caiado engrossa o time de políticos defensores da redução. Depois de cinco mandatos como deputado federal, o político chega ao Senado carregando a responsabilidade de continuar defendendo aquele que ele acredita ser o ponto de vista da maior parte dos brasileiros.
“O motivo é simples: não podemos mais admitir que o menor seja recrutado por quadrilhas que hoje estão preparadas para assaltar, roubar e traficar, e ficar por isso mesmo”, disse em entrevista ao AR.
Apresentado em julho deste ano, o PL 7789/2014, de autoria de Caiado, tramita na Câmara Federal e pede alterações no ECA.
“Pelo projeto, assim que completar seus 18 anos, o indivíduo que cumpre medida socioeducativa em regime fechado deve responder criminalmente pelo ato infracional. Ou seja, ele precisa ser condenado e cumprir sua pena. Essa é minha proposta”, explica.
O projeto precisa da maioria simples dos votos para ser aprovado, ou seja, 50% mais um. Depois de passar pela Câmara, ele deve tramitar no Senado.