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Federação premia empresas e lança compliance | 31.10.25 - 16:34
Kenedy Monteiro, assistente comercial da Equatorial diz que empresa realizou todas as mudanças necessárias de acessibilidade (Foto: Michelly Matos)
Michelle Rabelo, Catherine Moraes e Kamylla Rodrigues
Especial para o Jornal A Redação
Goiânia – “Já fui taxado de coitado e não aceito esse rótulo de vítima”. A frase é de Kenedy Monteiro Parreira, de 46 anos, assistente comercial da Equatorial e responsável por clientes com maior potencialidade de consumo energético do Estado de Goiás na área de Geração Distribuída (Energia Solar). Casado, pai da Manuelle Monteiro, de 22 anos, e pessoa com deficiência desde os 27 anos, ele é um dos 109 funcionários PCDs da empresa que recebeu, em 2025, o 1º lugar do Troféu Empresa Inclusiva, em Goiás, por superar as metas de contratação de pessoas com deficiência e garantir acessibilidade e inclusão de forma real.
Kenedy trabalha na empresa há 4 anos, antes mesmo do Grupo Equatorial Energia adquirir o controle acionário da distribuidora. Ele afirma que a mudança não foi apenas no nome, mas na política de inclusão e acessibilidade. “Eu fui o primeiro funcionário com deficiência que tinha comprometimento de locomoção e não tinha acessibilidade adequada. Eu entrava no prédio por uma rampa de carga e descarga. A faixa de pedestre não era rente ao meio fio. A Equatorial procurou entender o que eu precisava para trabalhar de forma digna. Rebaixaram rampas conforme as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), adaptaram as faixas de pedestre que ficam dentro da empresa, fizeram vagas de estacionamento cobertas, adaptaram banheiros e modificaram as mesas de trabalho para atender à minha necessidade. Costumo dizer que deficiente não é a pessoa, é o prédio e a Equatorial tem aberto as portas da empresa, identificando as falhas e realizando melhorias para nos receber”, completa.
Kenedy Monteiro Parreira é assistente comercial da Equatorial (Foto: Michelly Matos)
Kenedy se tornou uma pessoa com deficiência após ser atingido por nove disparos de arma de fogo. Ele conta que estava na rua, conversando com uma amiga, quando foram surpreendidos pelo ex-marido dela. O homem a atacou, ela estava com um filho de 9 meses e Kenedy tentou defendê-la, mas foi alvejado. Levado ao hospital, correndo risco de morte, acabou se recuperando, mas depois disso se tornou cadeirante. “Não gosto de ser visto como herói por ser uma pessoa com deficiência, um caso de superação. Queria que as pessoas entendessem que as pessoas com deficiência não são incapazes. O olhar das pessoas já me incomodou, mas eu lutei pra me resolver, me aceitar, para que esses olhares de julgamento não me afetassem nunca mais”, acrescenta. A história dele com a indústria, entretanto, não começou apenas como funcionário. Ele conta que logo após se tornar cadeirante foi estagiário no IEL, depois efetivado e ficou por três anos. “Foi ali que muitas portas começaram a se abrir pra mim”, finaliza.
Nos últimos dois anos, a Equatorial Goiás avançou significativamente na inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) em seu quadro de colaboradores. Segundo a consultora de gente e gestão da empresa, Gabriela Silvestre Mello de Carvalho, o número de funcionários com deficiência saltou de 9, em 2022, para 109 em 2025, espalhados por diferentes regiões do estado. O crescimento é de mais de 1.100%. “Quando assumimos a concessão, a representatividade era muito baixa e não havia um olhar direcionado para diversidade, principalmente para pessoas com deficiência. Para mudar essa realidade, a empresa iniciou uma série de ações estruturais e culturais. Outro passo importante foi a criação de um ambiente de diálogo com os funcionários, no qual os colaboradores PCDs puderam expressar suas necessidades e sugestões, servindo de base para as primeiras iniciativas de inclusão”, explica.
Para continuar ampliando a representatividade, a Equatorial lançou o programa Mais Plural, que prevê capacitação da liderança, treinamentos e ações de acessibilidade em toda a empresa, reforçando a cultura de inclusão que integra o DNA da companhia. O processo seletivo também passou por adaptações: todas as vagas são afirmativas para diversidade, e candidatos PCDs podem se autodeclarar. A área de saúde ocupacional avalia necessidades específicas para garantir segurança e adequação às funções, sem expor os colaboradores ou gerar constrangimento. Além disso, existe um canal de ética e compliance, garantindo sigilo e proteção contra discriminação. Atualmente, colaboradores que têm deficiência atuam em diferentes áreas da companhia, tanto internas quanto externas, com adaptações quando necessário. Para o próximo ano, a empresa pretende estreitar parcerias com instituições especializadas e fortalecer o programa Mais Plural.
Ludmilla Martins Bueno é assistente de distribuição da Equatorial. Há quase 2 anos na empresa, ela almeja subir mais degraus e para isso, faz curso eletrotécnico no Senai, com finalização para este ano. O objetivo é assumir um posto na área técnica da empresa. Ludmilla nasceu com uma discrepância de membros inferiores e desenvolveu escoliose, mas não tem dificuldade de locomoção. “Quando fico muito sentada, sinto algum incômodo, mas trato logo de levantar e andar pra aliviar”. A assistente de distribuição é presidente da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e ela sempre coloca em pauta questões estruturais e comportamentais inclusivas. “A gente abre diálogo com todos os funcionários PCDs pra saber de que forma a empresa pode melhorar, seja na adaptação de um espaço ou em outra demanda que exija um trabalho de conscientização”, finaliza.
No Brasil, a Lei de Cotas obriga empresas com mais de 100 funcionários a destinarem de 2% a 5% das vagas para pessoas com deficiência. A lei, que completou 34 anos em julho de 2025, ainda não conseguiu sequer ser cumprida. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Brasil possui, atualmente, 634.650 pessoas com deficiência ou reabilitadas do INSS empregadas formalmente. Deste total, mais de 160 mil nas indústrias. Já em Goiás, são 11.063 empregados, com 28,12% nas indústrias do estado, um total de 3.112 trabalhadores. De janeiro a agosto, segundo dados do eSocial, 56.655 pessoas com deficiência ou reabilitados foram empregadas, além de 2.391 aprendizes com deficiência. Mais de 93% destas contratações, entretanto, aconteceram com empresas com a obrigação legal de cumprir a Lei de Cotas.
“Nacionalmente, apenas 54% das vagas reservadas para Pessoas com Deficiência nas empresas estão preenchidas. A outra metade das empresas convive com o risco de pagar a multa ao invés de incluir pessoas com deficiência em seus ambientes. A verdadeira inclusão não é sobre preencher uma cota. É sobre reconhecer as pessoas com deficiência como merecedoras das mesmas oportunidades. E é nesse ponto que a Lei de Cotas deixa de ser apenas um instrumento jurídico para se tornar uma ferramenta de transformação cultural. Ela não é o fim. É o começo”, afirma Katya Hemelrijk, diretora de operações da Talento Incluir - consultoria pioneira com a missão de trazer dignidade para pessoas com deficiência por meio da empregabilidade que também é parceira da Equatorial em nível nacional.
A Equatorial recebeu o 1º lugar do Troféu Empresa Inclusiva durante o 3º Seminário de Inclusão da Pessoa com Deficiência, realizado na Casa da Indústria, em Goiânia, no dia 14 de outubro. O evento foi realizado pelo Conselho Temático de Relações do Trabalho e Inclusão (CTRTI) da Fieg, com apoio do Sebrae e do Fórum de Inclusão no Mercado de Trabalho das Pessoas com Deficiência e dos Reabilitados pelo INSS (FimtPoder) e reuniu representantes de empresas, instituições e órgãos públicos, discutiu caminhos práticos de promoção da inclusão e acessibilidade do setor produtivo.
Troféus entregues durante o 3º Seminário de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Foto: Luca Guimarães)
Na ocasião, também foram reconhecidas a Halex Istar (2ª lugar) e a Coca-Cola Bandeirantes (3º lugar), que implementou o Comitê de Diversidade e Inclusão. A iniciativa da empresa busca impulsionar ações que valorizem as diferenças, ampliem as oportunidades e garantam que o respeito e o pertencimento façam parte do cotidiano da empresa e da sua cultura organizacional.
Segundo a gerente de desenvolvimento de pessoas da Coca-Cola Bandeirantes, Kelly Martins Lourenço, o comitê atua de forma transversal, envolvendo diferentes áreas da empresa para transformar princípios em práticas. Entre as ações desenvolvidas pelo comitê, Kelly destaca uma série de iniciativas que vão desde à conscientização até mudanças estruturais nos processos internos. “Entre as ações que desenvolvemos estão programas de conscientização sobre diversidade, iniciativas de inclusão de grupos, políticas de recrutamento e retenção mais equitativas, a criação de espaços de diálogo para fortalecer o senso de pertencimento entre todos os colaboradores, momentos de reconhecimento, capacitação do time de RH em diversidade e inclusão, letramento da liderança, comemoração de datas importantes no calendário de diversidade e inclusão, discussão de melhorias para um ambiente com maior acessibilidade, reversão ou remanejamento em casos de desligamentos e revisão e monitoramento dos processos de recrutamento e seleção focado em pautas de diversidade”.
Essas práticas, segundo ela, são contínuas e acompanhadas por toda a equipe de Recursos Humanos, com o objetivo de consolidar uma cultura organizacional verdadeiramente inclusiva. A gestora destaca que a Coca-Cola Bandeirantes mantém uma parceria constante com o Senai para capacitar equipes em Libras (Língua Brasileira de Sinais), uma das ações mais significativas dentro do plano anual de treinamento da empresa. Além da capacitação, Kelly afirma que a companhia vem realizando adaptações estruturais para garantir acessibilidade física em todos os espaços.
Gerente de desenvolvimento de pessoas da Coca-Cola Bandeirantes, Kelly Martins Lourenço (Foto: Luca Guimarães)
Quando o assunto é a contratação de pessoas com deficiência (PCDs), Kelly explica que a Coca-Cola Bandeirantes adota critérios iguais para todos os candidatos. “Seguimos os mesmos critérios de avaliação de competência, experiência e perfil da vaga em aberto aplicados em todos os candidatos, garantindo equidade no processo, sem viés capacitista. Uma ressalva é o cuidado que temos em relação ao tipo de deficiência do candidato PCD, onde são apresentadas as vagas que ele pode ocupar sem trazer nenhum risco para sua saúde ou integridade física”, ressalta.
A gestora celebra o Prêmio FimtPoder, que reconheceu a Coca-Cola Bandeirantes como uma das empresas mais inclusivas para se trabalhar, e afirma que o reconhecimento simboliza tanto orgulho quanto responsabilidade. “O prêmio evidencia que estamos no caminho certo e reforça o compromisso que temos com o respeito, a diversidade e o pertencimento. Esse prêmio é resultado do trabalho coletivo de pessoas que acreditam que um ambiente verdadeiramente inclusivo, aquele em que todos têm voz, oportunidades e se sentem parte de algo maior”.
Kelly reconhece que ainda há dificuldades no mercado para encontrar profissionais com deficiência, mas afirma que a Coca-Cola adota estratégias ativas para reter e desenvolver talentos. “Fazemos o aproveitamento interno para promoções, reversão ou remanejamento em casos de possíveis desligamentos, ações de reconhecimento, adequação de barreiras internas para atração e retenção desse profissional, trabalho para desenvolvimento de carreira, abertura de oportunidades de crescimento em todas as áreas e cargos, inclusão EJA para pessoas com baixa escolaridade, letramento da liderança na condução desse profissional, bolsa de estudos para formação acadêmica (disponível a todos os colaboradores) e incentivo a um ambiente mais inclusivo e diverso conforme práticas detalhadas acima, para criar senso de pertencimento”, finaliza.
Rubervam Batista tem deficiência visual e é um dos funcionários PCDs da Coca-Cola Bandeirantes (Foto: Divulgação)
Rubervam Batista Castro, de 37 anos, é um dos funcionários PCDs da indústria. Ele perdeu 100% da visão do olho esquerdo por causa de uma toxoplasmose aos 2 anos de idade. A doença deixou uma cicatriz central na retina. O sonho era ser motorista de caminhão, mas a CNH necessária para exercer o transporte de veículo de carga de forma profissional exigia visão integral. O que poderia ter sido o fim de um sonho profissional, se transformou em um novo começo. Assim que entrou na Coca-Cola Bandeirantes, ele se interessou em estudar para crescer. “Na época, eu não tinha o ensino médio completo e aqui na empresa eles ofereciam, numa parceria com o Sesi, Educação de Jovens Adultos, o EJA. Além de ser um sonho meu, era o sonho da minha mãe me ver regressar à escola”.
Depois do curso concluído, a oportunidade bateu à porta. Hoje, ele é eletricista veicular: realiza manutenção elétrica na frota da empresa. “Tive a chance de mostrar meu valor, e tudo o que tenho hoje é fruto do meu trabalho, junto com minha esposa e minha filha, que sempre estiveram ao meu lado”, lembra. Mesmo sem ter se tornado motorista de caminhão — sonho que precisou deixar de lado por causa da limitação visual —, ele encontrou outro propósito. “Nem tudo é do jeito que a gente quer, mas posso continuar perto daquilo que amo fazer: cuidar de caminhão, de carro, estar envolvido nesse ambiente. Se você fica pensando no lado negativo, fica estacionado. É preciso ser positivo. Eu sou a prova viva de que aqui a inclusão vai muito além de cumprir cotas. É sobre enxergar potencial onde muitos veriam limitação. Eu abracei a empresa, e ela me abraçou de volta”, finaliza Rubervam.
De forma inédita, a Fieg lançou o Programa de Compliance Inclusivo (2025/2026) durante o 3º Seminário de Inclusão da Pessoa com Deficiência. O Compliance vai oferecer, mediante contratação, um serviço de diagnóstico, acompanhamento técnico e certificação às indústrias que buscam se adequar integralmente à Lei de Cotas e às normas de acessibilidade. O programa será conduzido por uma equipe multidisciplinar formada por engenheiros, arquitetos, advogados e técnicos especializados. “A equipe vai visitar a empresa, mapear e fazer com que todas as áreas dessa indústria entrem em conformidade com a legislação. Tudo será devidamente documentado e certificado para demonstrar aos órgãos fiscalizadores que essa empresa arrumou a casa e está pronta para receber a pessoa com deficiência”, explica a presidente do Conselho Temático de Relações do Trabalho e Inclusão (CTRTI) da Fieg, Lorena Blanco.
Além da adequação estrutural, o programa também apoiará as empresas na identificação e contratação de pessoas com deficiência, atuando como uma ponte entre o setor produtivo e os profissionais que buscam oportunidades. “De um lado, a empresa precisa de pessoas que vistam a camisa; do outro, há pessoas com deficiência que querem trabalhar e se sentir produtivas. Vamos unir essas duas pontas”, destaca Lorena.
Presidente do Conselho Temático de Relações do Trabalho e Inclusão (CTRTI) da Fieg, Lorena Blanco (Foto: Luca Guimarães)
O Compliance Inclusivo irá muito além do cumprimento legal. “O processo de acompanhamento abrangerá desde a calçada da empresa até sua alta direção, passando por treinamentos, palestras e ações de sensibilização junto às equipes de Recursos Humanos e gestores. Quando a gente arruma a casa, a gente quer a visita, não é? A ideia é atrair a pessoa com deficiência para que ela não só cumpra uma cota, mas construa carreira dentro da indústria”, afirma a presidente do CTRTI.
O programa prevê monitoramento contínuo e atualizações periódicas, acompanhando as mudanças na legislação e nas necessidades das empresas. O tempo de execução pode variar de três meses a um ano, dependendo do porte e da maturidade da indústria. “Hoje, sem esse programa, muitas empresas enfrentam gargalos por falta de orientação. O Compliance Inclusivo vem com uma linguagem própria, voltada para a indústria e para o público com deficiência. Vamos falar a língua da indústria e mostrar, na prática, como é possível incluir com eficiência e responsabilidade”, conclui Lorena. Qualquer indústria do estado de Goiás pode aderir ao programa. O primeiro passo é entrar em contato com a Fieg, que enviará os técnicos para realizar o mapeamento inicial e o diagnóstico das condições de acessibilidade e inclusão da empresa.
Criado para promover o diálogo entre o poder público, entidades do terceiro setor e sindicatos, o Fórum de Inclusão no Mercado de Trabalho das Pessoas com Deficiência e dos Reabilitados pelo INSS (FimtPoder) tem se consolidado como um espaço de construção coletiva e de fortalecimento das políticas de inclusão em Goiás. O principal objetivo do fórum é discutir e desenvolver estratégias para ampliar a participação das pessoas com deficiência no mundo do trabalho, aproximando empregadores, entidades representativas e trabalhadores. “O que nós fazemos é conversar e discutir sobre a temática da pessoa com deficiência no mundo do trabalho. Esse é o papel do fórum. O mais interessante é que tudo acontece sob o lema ‘nada sobre nós sem nós’. As pessoas com deficiência estão participando das discussões, dialogando diretamente com o empresariado e trazendo suas próprias perspectivas sobre inclusão”, destaca o presidente do FimtPoder, Trajano Figueiredo
Durante os encontros do Fórum, diversos cases de sucesso têm sido apresentados, mostrando exemplos de indústrias que ultrapassam o cumprimento das cotas legais e investem em programas estruturados de inclusão, acessibilidade e sensibilização. “É importante ir além das cotas porque estamos falando de pessoas produtivas, que trabalham, que fazem a diferença onde quer que estejam. A inclusão não é apenas uma obrigação, é um ganho humano e organizacional”, ressaltou o representante.
Mais do que contratar, o grande desafio das empresas é reter os colaboradores com deficiência e criar ambientes realmente acolhedores e acessíveis. Segundo Trajano, isso exige mudança de cultura, sensibilidade e preparo para lidar com a diversidade. “A indústria precisa tornar o ambiente de trabalho propício e atrativo. Saber receber, saber estar junto, isso faz a diferença e transforma vidas”, afirmou.
A pesquisa ‘Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência’, realizada em parceria da Talento Incluir com o Instituto Locomotiva e Pacto Global - Rede Brasil revelou que 9 em cada 10 pessoas com deficiência ou neurodivergentes entrevistadas e que estavam ativamente na força de trabalho, já enfrentaram situações de capacitismo no ambiente profissional. Além disso, 63% nunca receberam uma promoção, embora metade das pessoas respondentes empregadas tivessem mais de três anos de empresa.
Além disso, outros desafios aparecem nos seguintes dados da pesquisa:
84% já tiveram sua saúde mental / emocional impactada pelo capacitismo no trabalho;
76% afirmam que a deficiência não impacta ou impacta positivamente na execução de seus trabalhos. Porém, 60% afirmam que ser uma pessoa com deficiência impacta negativamente nas chances de ter um bom trabalho;
82% dos entrevistados que estão trabalhando, entendem que somente a minoria das empresas no Brasil está adaptada para receber pessoas com deficiência;
33% dos respondentes que estavam na força de trabalho afirmam que seu ambiente de trabalho na ocasião não era adequado às suas necessidades.
Katya Hemelrijk, diretora de operações da Talento Incluir, tem osteogênese imperfeita, um tipo de displasia óssea conhecida como ossos de vidro. Katya nunca andou e desde a infância também é cadeirante. Ela tem 49 anos, é formada em administração de empresas com ênfase em marketing e pós graduada em neurociência, psicologia e mindfulness. Casada e mãe de dois filhos, ela só se descobriu pessoa com nanismo recentemente, há menos de um ano e participou de um encontro do Instituto Nacional de Nanismo (INN) pela primeira vez em 2024, em São Paulo. Isso porque o nanismo é uma característica comum a mais de 770 displasias ósseas identificadas pela medicina e no caso da osteogênese nem sempre o nanismo ocorre. “Me reconhecer pessoa com nanismo também foi um divisor de águas porque muita coisa foi se explicando e a força de uma comunidade ajuda. Quando você encontra outras pessoas com a mesma deficiência que você, consegue seguir de forma mais tranquila.
Consultora e CEO de talentos, Katya Hemelrijk, em palestra no 7º Encontro Nacional de Nanismo (Foto: Doug Shindy)
Kátya defende uma inclusão produtiva, que colabore com o desenvolvimento das pessoas com deficiência e ofereça oportunidades reais de alcançarem cargos de liderança. Ela também acredita na necessidade de convivência da sociedade com pessoas com deficiência e que o respeito passa por essa experiência. “O Brasil precisa urgentemente ser um país acessível a todas as pessoas. A acessibilidade ainda é uma questão muito atrasada no país. É inacreditável que ainda nos dias de hoje, hotéis, restaurantes, escolas, hospitais, transportes coletivos públicos etc. ainda não promovem a acessibilidade em todas as suas dimensões. Não se trata apenas de construir rampas. É preciso pensar em acessibilidade muito antes de pensar em qualquer projeto. Isso inclui intérpretes de sinais, tecnologias assistivas, braile, e tantos outros recursos e ferramentas que não são luxo. São direitos que as pessoas com deficiência precisam receber sem ter que pedir”, finaliza.
Maria Thereza Coelho com os três filhos: Pietro, Laura e Anna Clara (Foto: Michelly Matos)
Na contramão de grande parte das empresas brasileiras, está a história de Maria Thereza Coelho, de 41 anos. Mulher com acondroplasia - o tipo mais comum de nanismo e conselheira do Instituto Nacional de Nanismo (INN), ela também é industriária e trabalha há mais de 17 anos na HPE Automotores: empresa que representa as marcas Mitsubishi e Suzuki no Brasil, sendo responsável pela produção de veículos em Catalão (GO). Ela é formada em RH, começou como auxiliar de produção e hoje é preparadora de pintura.
“Eu gosto demais do que eu faço no trabalho e não tenho nenhuma dificuldade de acesso. A empresa também fornece um ônibus que leva e busca ao trabalho. A catraca, restaurantes, banheiro, tudo é acessível para minha altura. Tenho colegas surdos, com nanismo e com deficiências diversas e isso é muito importante”.
Assistente social do Instituto Nacional de Nanismo (INN), Kézia Castro (Foto: Michelly Matos)
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que a média salarial de uma pessoa com deficiência no Brasil é de R$ 2.880,65. Em Goiás, esse valor é ainda mais baixo: R$ 2.700,07. Assistente social do Instituto Nacional de Nanismo (INN), Kézia Castro afirma que o acesso a vagas de nível superior ainda é uma dificuldade. “Atendo muitas pessoas com deficiência que possuem graduação, pós-graduação e até mesmo mestrado mas que não possuem oportunidade para atuar em suas áreas de formação. Muitas vezes o que é ofertado são cargos inferiores ao currículo, que não possuem planos de carreira, não são promovidos por falta de acessibilidade. E não estou falando de rampas, mas de tecnologia assistiva para que desempenhem suas funções com autonomia e protagonismo”, completa.
“Muitas vagas ofertadas para PCDs são com baixos salários. Associam nossa deficiência com incapacidade e isso nos limita. A pessoa com nanismo pode estudar, se formar, fazer uma especialização, um doutorado. Infelizmente nem toda empresa percebe a pessoa com deficiência dessa forma. Antigamente os próprios pais nos limitavam. Hoje sabemos que precisamos incentivar nossas crianças que podem ser o que quiserem”, afirma Maria Thereza que também é mãe de três filhos (dois com nanismo).
Dados do Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT-GO) apontam que das 17.723 vagas para pessoas com deficiência que deveriam estar ocupadas, apenas 9.532 foram efetivadas em 2025. O número revela um percentual de cumprimento de 53,78%, com 280 empresas com cota completa e outras 814 que sequer estão em conformidade com a lei. Sem mudança de cenário, e considerando o percentual de evolução anual, é o mesmo que dizer que em 12 anos o Estado cumpriria apenas 80% da cota.
O MPT-GO atua na fiscalização do cumprimento da cota de pessoas com deficiência nas empresas, em conjunto com a Auditoria-Fiscal do Trabalho. Os números registrados, entretanto, revelam que as empresas, em sua maioria, não estão acompanhando a mesma mudança de cenário percebida nas escolas e faculdades. Em 2011, por exemplo, quando Goiás cumpria 31,7% da cota de PCD nas empresas, o número de alunos com deficiência matriculados na educação básica era de 752 mil e outros 22,36 mil no ensino superior.
Depois de uma década, em 2021, a cota chegou a 50% e o número de alunos na educação básica saltou para 1,4 milhão e outros 63,4 mil chegaram à universidade. Maior facilidade e acesso aos diagnósticos pode também estar relacionado ao crescimento dos números, mas o fato é que mais pessoas com deficiência estão estudando, se profissionalizando e chegando ao mercado de trabalho que nem sempre está preparado para recebê-los.
Para a procuradora do MPT em Goiás, Janilda Lima, o papel da lei é muito mais transformador do que punitivo. Ela afirma que o objetivo não é apenas garantir vagas, mas mudar a cultura das empresas e da sociedade. “A cota é uma medida afirmativa que possibilita uma mudança na forma como a sociedade trata as pessoas com deficiência. Não é apenas contratar o número X. É permitir que essas pessoas participem, convivam, contribuam e que a empresa cresça com essa diversidade”.
Procuradora do MPT em Goiás, Janilda Lima (Foto: Luca Guimarães)
Para Janilda, as cotas são um ponto de partida, não um fim em si mesmas. “O que se busca é uma mudança de mentalidade, um aprendizado coletivo que humanize as relações de trabalho. Nós pensamos que sabemos tudo, porque não temos deficiência e podemos muito. Mas isso é uma inverdade. Nosso modo de ver o mundo ainda é equivocado, moldado por uma cultura excludente, sem humanidade. Existem muitos CEOs e diretores que não estão convencidos de que essa cota pode ajudar a sua empresa em alguma coisa. Isso mostra um entendimento limitado, centrado numa visão financista, economicista, e também capacitista.”
As empresas que descumprem a legislação podem ser multadas tanto pelo Ministério do Trabalho quanto pelo Ministério Público do Trabalho. No caso do MTE, a multa é aplicada por auditoria direta, quando constatado o descumprimento, e gira em torno de R$ 3 mil por vaga não preenchida. Desde 2009 a fiscalização do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego realizou 139.751 auditorias em empresas obrigadas à reserva legal e promoveu 537.804 contratos de trabalho de pessoas com deficiência ou reabilitadas do INSS por força direta da ação fiscal.
Como resultado dessa política pública, de acordo com a Relação Anual de Informações Sociais, o mercado de trabalho para as pessoas com deficiência cresceu 60% acima do mercado geral de emprego no período de 2009 a 2021. Em 2024 foram realizadas um total de 6.893 fiscalizações que resultaram na contratação direta de 27.123 empregados com deficiência ou reabilitados do INSS.
O MPT, por sua vez, atua de forma mais pedagógica, instaurando procedimentos investigatórios e propondo termos de ajustamento de conduta (TAC). Se a empresa se recusa a firmar o termo, ou não cumpre as metas pactuadas, o caso é levado à Justiça. “Se o juiz condena, a empresa é obrigada a pagar danos morais coletivos e a cumprir a obrigação sob pena de multa. Esse dinheiro é revertido para projetos e entidades que promovem os direitos das pessoas com deficiência”, cita Janilda. Entre as instituições beneficiadas está o Fórum Goiano de Empregabilidade da Pessoa com Deficiência e do Beneficiário Reabilitado pelo INSS (FimtPoder).
Segundo a procuradora, muitas empresas exigem da pessoa com deficiência o mesmo desempenho de um profissional sem limitação, sem considerar que a exclusão histórica começa muito antes do emprego. “As empresas querem um trabalhador com deficiência, mas que não tenha deficiência. Querem alguém pronto, acabado, sem limitações. Mas isso é injusto. Por décadas, as escolas foram excludentes. Agora, cabe às empresas ajudar a capacitar e incluir, não excluir de novo”. Ela relata casos em que empresas tentam justificar a não contratação alegando falta de “qualificação suficiente” dos candidatos. Mas, para Janilda, essa é justamente a oportunidade que o ambiente corporativo precisa abraçar.
Entendendo que a profissionalização das pessoas com deficiência começa muito antes: na educação infantil, no estágio e na faculdade ou curso profissionalizante, o Sistema Fieg trabalha de forma integrada e avança também na base. O Sesi Goiás tem 835 alunos com deficiência matriculados nas unidades. Cada unidade adota práticas de inclusão. Em Anápolis, por exemplo, o Sesi Jundiaí desenvolveu um programa de educação continuada para as indústrias. A gerente da unidade, Mariana Martins Mesquita, explica que foi identificada a dificuldade das indústrias contratarem e dos estudantes PCDs ingressarem no mercado de trabalho. “Dentro do programa de educação continuada, a empresa nos contrata e a gente faz a formação das lideranças para a inclusão. Primeiro, trabalhamos um módulo geral sobre inclusão e diversidade, e depois a empresa pode contratar módulos específicos”, detalha Mariana.
Presidente da Fieg, André Rocha também fala da importância do programa de formação de líderes para inclusão que também busca estimular a permanência do colaborador e que trabalha com a metodologia do Emprego Apoiado. "A estrutura de atendimento tem quatro eixos principais: sensibilização e construção da cultura inclusiva; formação prática e sensibilização da liderança inclusiva; apoio aos processos de seleção além do acompanhamento e práticas integradoras contínuas". Entre os diferenciais, o suporte in loco e estímulos à permanência do colaborador.
Um dos exemplos de sucesso foi a parceria com a Vitamedic, que realizou a formação no módulo geral de inclusão e, em seguida, contratou um módulo específico sobre inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Após essa capacitação, foi aberto um processo seletivo exclusivo para estudantes e egressos do Sesi, voltado à contratação de pessoas com TEA. “Nessa última seleção da Vitamedic, tivemos 11 estudantes contratados, e alguns já estão sendo promovidos. Esse projeto foi um trampolim: além de apoiar o aluno no ambiente escolar, ajudamos na entrada dele no mercado de trabalho, garantindo uma vida ativa e produtiva como qualquer outra pessoa”, afirma o coordenador.
O foco é respeitar as características e potencialidades de cada estudante, oferecendo suporte técnico e humano durante todo o processo. “A proposta é ampliar o programa. Todo mundo tem algum tipo de limitação, mas o importante é reconhecer as especificidades e criar condições para que a pessoa se desenvolva de forma autônoma dentro delas. O conhecimento e a desmistificação das diferenças transformam não apenas os alunos, mas todo o ambiente em que eles estão inseridos. A inclusão é um aprendizado coletivo”, pontua.
O impacto do projeto tem sido sentido não apenas pelos alunos, mas também pelas famílias. Muitos pais e responsáveis relatam mudanças significativas na autoestima, autonomia e projeção de futuro dos estudantes. Durante o projeto, a supervisora de Educação na Rede Sesi, Tatiele Borges, de 35 anos, descobriu o diagnóstico tardio de TEA. Foi uma descoberta que, segundo ela, mudou profundamente sua maneira de compreender a própria história e ressignificar sua trajetória pessoal e profissional. “Foi um divisor de águas. Não foi exatamente uma surpresa, mas uma chave que abriu novas compreensões. Coisas vistas como timidez, frieza ou desinteresse sempre fizeram parte do meu jeito de ser. Antes, eram lidas como traços de personalidade difíceis, tanto por mim quanto pelos outros. Isso me levou ao mascaramento social para me adequar às expectativas externas”, relata.
Com o tempo, o autoconhecimento trouxe uma nova forma de perceber a própria identidade. O que antes era motivo de autocrítica passou a ser entendido como parte legítima de quem ela é. “Após o diagnóstico, muitas peças começaram a se encaixar. Ele reduziu a autocrítica, favoreceu a autorregulação e me ajudou a buscar intervenções terapêuticas. Hoje, entendo que rotina e previsibilidade não são manias, mas estratégias de bem-estar”, afirma.
Atuando como supervisora educacional, Tatiele se prepara para assumir, no futuro, um cargo de direção escolar. A função exige contato direto com professores, estudantes e famílias, o que pode gerar desafios sensoriais e de interação social. Ainda assim, o autismo nunca foi um limitador. “As dificuldades existem, mas não anulam minha atuação. Excesso de estímulos, imprevisibilidade ou interações intensas podem me desgastar, mas transformo isso em oportunidade de autorregulação e resiliência. Mais do que obstáculos, vejo o TEA como um jeito diferente de enxergar o mundo e, muitas vezes, de trazer soluções”, reforça.
Motivada por sua trajetória, Tatiele sonha em contribuir para uma educação mais inclusiva não apenas para os estudantes, mas também para os profissionais da área. “Meu grande sonho é ajudar a construir uma educação em que todos se sintam pertencentes e capazes de alcançar seu máximo potencial. Quero abrir caminhos para outras mulheres e pessoas autistas em cargos de liderança. Que sejamos reconhecidos não pelas nossas limitações, mas pelo valor que agregamos”, finaliza.
Senai
Com 26 anos de atuação voltada à diversidade, equidade e acessibilidade, o Senai Goiás é referência nacional em educação profissional inclusiva. Por meio do Programa Senai de Ações Inclusivas (PSAI), a instituição tem garantido oportunidades de qualificação e empregabilidade a pessoas com deficiência, promovendo transformações concretas no ambiente educacional e no mercado de trabalho.
O PSAI é estruturado em cinco pilares — Pessoa com Deficiência, Gênero, Raça e Etnia, Gerações e LGBTQIAPN+ — e desenvolve ações voltadas à acessibilidade educacional, empregabilidade, formação docente e sensibilização social. “A formação profissional é uma experiência transformadora. Representa autonomia, autoestima e pertencimento para o aluno com deficiência”, diz a coordenadora do Programa Senai de Ações Inclusivas (PSAI), Ráysa Horranna Silva Santos.
Coordenadora do Programa Senai de Ações Inclusivas (PSAI), Ráysa Horranna Silva Santos (Foto: Luca Guimarães)
Atualmente, o Senai Goiás atende 505 alunos com deficiência em cursos de iniciação, qualificação, aperfeiçoamento e habilitação técnica. Esses estudantes contam com apoio pedagógico especializado, tecnologias assistivas e acompanhamento contínuo, voltado à permanência e ao sucesso formativo. Do total, 138 estudantes (27%) têm o diagnóstico de TDAH.
Desde o início da série histórica, o programa já beneficiou aproximadamente 6.500 pessoas com deficiência, com uma média de 250 novos alunos por ano. Nos últimos dez anos, essa média se manteve entre 250 e 300 matrículas anuais. “Isso é reflexo direto das políticas institucionais de acessibilidade e do fortalecimento contínuo do PSAI nas unidades do Senai em todo o estado”, diz a coordenadora.
A deficiência intelectual (DI) e os Transtornos do Espectro Autista (TEA) são as mais prevalentes entre os alunos atendidos. “Para garantir uma aprendizagem eficaz e personalizada, o Senai adota Planos Educacionais Individualizados (PEI), metodologias ativas e formação continuada de docentes, além do uso de tecnologias assistivas e recursos de acessibilidade. Os resultados desse trabalho são expressivos. A taxa geral de empregabilidade dos egressos dos cursos técnicos do Senai é de 93,7%, e, no caso dos alunos com deficiência, o índice vem crescendo significativamente graças ao fortalecimento das políticas de inclusão e às parcerias com indústria”, reforça Ráysa.
Entre os exemplos está o da Vitória Divina Couto Silva, de 17 anos, aluna do curso técnico em eletromecânica Senai-Seduc, do Colégio JK de Quirinópolis. A aluna foi diagnosticada com Transtorno Esquizotípico, com atraso de desenvolvimento e aprendizagem, epilepsia secundária e malformação do hipocampo e dificuldade na fala. No vídeo é possível perceber o envolvimento da aluna na atividade e o desenvolvimento de habilidades. Os pais de Vitória celebraram as conquistas. Confira o vídeo do momento da aula prática:
Outro exemplo é Marcos Vinicius Arantes Gomes Barbosa, de 17 anos. Ele é aluno do curso técnico em desenvolvimento de sistemas do Senai e estuda no Colégio Felix de Almeida em Itumbiara. Marcos é diagnosticado com TEA nível 3 de suporte e deficiência iintelectual severa. O Senai desenvolveu um sistema de ensino específico para o aluno com instruções que eram repassadas pelo personagem Chaves, que é um dos desenhos que ele mais gosta. Confira no vídeo:
Curso IA inclusiva
O Senai Goiás prepara o lançamento do curso “Inteligência Artificial Inclusiva”, voltado para pessoas com deficiência visual. O projeto é desenvolvido pelo PSAI, com apoio de especialistas em tecnologia e acessibilidade digital, e será um dos primeiros do país a unir acessibilidade e inovação tecnológica na área da Indústria 4.0.
O curso abordará conceitos de Inteligência Artificial, ferramentas de automação, ChatGPT e acessibilidade tecnológica, com metodologias multissensoriais e audiodescritivas, compatíveis com leitores de tela e materiais em linguagem simples. A primeira turma, com cerca de 30 alunos, marcará o início de uma trilha formativa inclusiva e inovadora, que busca democratizar o acesso às tecnologias emergentes. “Queremos que pessoas com deficiência visual também sejam protagonistas na transformação digital. A inclusão tecnológica é o próximo passo para consolidar uma sociedade e uma indústria verdadeiramente acessíveis”, finaliza a coordenadora do PSAI.
IEL
Em 2025, foram abertas pelo Instituto Euvaldo Lodi (IEL) 2.345 vagas para PCDs. Hoje, existem 177 PCDs em campo de estágio e 206 vagas abertas para PCDs. Segundo o superintendente do IEL Goiás, Humberto Rodrigues de Oliveira, o trabalho é feito em duas frentes: a mobilização dos estudantes e a sensibilização das empresas. “Participamos semanalmente de visitas, palestras e workshops em escolas e universidades. Nesses encontros, mostramos aos jovens que existem oportunidades para pessoas com deficiência e explicamos como eles podem se candidatar a vagas de estágio e aprendizagem”, explica.
Superintendente do IEL Goiás, Humberto Rodrigues de Oliveira (Foto: Divulgação)
No site do IEL, o estudante pode se cadastrar e identificar, de forma voluntária, se possui alguma deficiência, informando o tipo. A partir dessa autodeclaração, a equipe do instituto faz a ponte entre o candidato e as oportunidades disponíveis nas empresas. “Sabemos que nem sempre é fácil para a pessoa se declarar PCD, há receio e até desconhecimento. Por isso, também trabalhamos com as empresas, explicando a importância de incluir estagiários e aprendizes com deficiência nos seus quadros”.
A política de inclusão é também aplicada internamente. O IEL cumpre suas cotas de contratação de PCDs e mantém uma política sólida de igualdade de gênero em seus cargos de liderança. “Isso tudo reflete o compromisso do IEL com a construção de um ambiente de trabalho diverso, acessível e representativo, alinhado às metas de sustentabilidade e responsabilidade social do Sistema Fieg”, pontua Humberto.
Fieg
A Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) tem se consolidado como exemplo de inclusão e diversidade no ambiente corporativo. Atualmente, a instituição conta com 125 colaboradores com deficiência, distribuídos entre o Sesi (77), o Senai (45) e o IEL (3). O número representa cerca de 5% do quadro total de funcionários, superando o percentual exigido pela Lei de Cotas.
O destaque, segundo a instituição, é que o compromisso da Fieg vai além do cumprimento legal. “É parte da missão institucional de promover o desenvolvimento humano e social. A instituição entende que essa atuação está diretamente conectada aos princípios ESG (Ambiental, Social e Governança), especialmente no Eixo Social, ao assegurar oportunidades reais e igualitárias para todos. Mais do que cumprir a legislação, buscamos inspirar outras empresas a adotar práticas que valorizem a diversidade e promovam a equidade”, afirma o gerente de Recursos Humanos e Conhecimento do Sistema Fieg, Mateus Mariano Gomes Borges.
Os colaboradores com deficiência estão presentes em diversas áreas da instituição, atuando em funções administrativas, operacionais, educacionais, de apoio, assessoria e gestão. Há profissionais com deficiência física, auditiva, visual, intelectual e também pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), contemplado dentro da categoria de deficiência intelectual.
De acordo com Mateus, a Fieg tem promovido uma série de adequações estruturais em suas unidades para garantir acessibilidade física e tecnológica. “Rampas, sinalizações táteis e visuais, banheiros adaptados e o uso de tecnologias assistivas como softwares e recursos audiovisuais estão entre as iniciativas implementadas. Mas a inclusão na Fieg não se limita à estrutura física. A instituição também investe na mudança de comportamento e cultura organizacional, por meio de palestras, rodas de conversa e podcasts sobre diversidade e respeito às diferenças”.
Além disso, o Conselho Temático de Relações do Trabalho e Inclusão atua no desenvolvimento de projetos e formações voltadas à indústria, empresários e à sociedade, reforçando o papel de liderança da Federação na disseminação de práticas inclusivas. Na Universidade Corporativa da Fieg, colaboradores e gestores participam de capacitações sobre letramento inclusivo, ampliando o conhecimento sobre diversidade e contribuindo para uma cultura interna baseada em empatia e respeito.
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) conta com um Centro de Profissionalização que atende jovens a partir de 16 anos e auxilia na inclusão ao mundo do trabalho. A psicóloga Fabiana Martins, de 42 anos, que trabalha há 12 anos na Apae Goiás, atua na gestão do Ceprolim desde o início de 2025. Ela explica que os usuários matriculados contam com escolarização e cursos profissionalizantes e contam com uma equipe multidisciplinar que os acompanha não só no período que antecede a contratação, mas durante a jornada de trabalho.
“Trabalhamos baseados na metodologia Emprego Apoiado, que possui a premissa que toda pessoa com deficiência, com o suporte e apoio necessário, é capaz de ser inserida no mundo do trabalho, ser produtiva, ter sua dignidade e autoestima estabelecida por meio do trabalho. O trabalho de inclusão é oferecido gratuitamente para a empresa. Damos assessoria na adaptação nas vagas, palestras, tudo sem custo. Basta apenas que realizem a parceria com a instituição e estejam abertos para que possamos realizar visitas e oferecer orientações quando necessário”.
A Apae atende profissionais com deficiência intelectual e múltiplas com TEA, Deficiência Intelectual, Trissomia 21 (Síndrome de Down), Paralisia Cerebral e Síndrome do X Frágil, entre outros. Fabiana afirma que a maior barreira na inclusão, principalmente quando se refere à deficiência intelectual, é a falta de informação e o preconceito. “Essas pessoas têm um ritmo de aprendizado mais lento e diferente e são rotulados como incapazes. Isso é uma questão histórica. Até pouco tempo essas pessoas não frequentavam escolas porque a sociedade acreditava que seriam incapazes de aprender. Fora os termos pejorativos: loucos, burros, retardados. Muitos eram escondidos por familiares ou presos em instituições. Hoje, com diversos movimentos de inclusão, as pessoas com deficiência estão conseguindo mostrar seu potencial”.
1º conselheiro jovem T21 da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) - uma agência da ONU dedicada a defender os direitos das crianças e adolescentes - o goiano João Vitor Paiva afirma que a maior dificuldade de empregabilidade da pessoa com Síndrome de Down é o preconceito. “Muita gente olha pra pessoa com Síndrome de Down e acha que ela não vai dar conta. Mas isso não é verdade. A gente precisa de oportunidade. Quando acreditam na gente, a gente mostra que pode fazer muito bem nosso trabalho”, completa.
João Vitor Paiva (Foto: Divulgação)
Questionado se imaginou que chegaria tão longe na representatividade de pessoas T21, João diz que não. “Eu sempre acreditei que a síndrome não me define, mas nunca imaginei chegar tão longe, Hoje sou ator, palestrante e ativista jovem da Unicef e fico muito feliz em representar tanta gente. Mas o mais importante pra mim é abrir caminho para outros. Quero que pessoas com deficiência olhem pra mim e pensem: ‘se ele conseguiu, eu também posso’”.
Uma das empresas parceiras da Apae é a Zuppani, que atua nos segmentos de limpeza doméstica, profissional, velas e pet care. A indústria está localizada em Aparecida de Goiânia e também possui número de funcionários com deficiência acima do exigido pela Lei de Cotas. Daiane Sobrinho, supervisora de Gente e Gestão, explica que a parceria com a associação resultou, entre outros, na contratação de Júlio César Magela, de 37 anos. Júlio tem deficiência intelectual e trabalha na empresa há aproximadamente 2 anos, exercendo a função de Auxiliar de Expedição. Ela afirma que a empresa tem hoje colaboradores com deficiência auditiva, física e intelectual.
Júlio César Magela é função de Auxiliar de Expedição (Foto: Michelly Matos)
Júlio morava com a mãe em Minas Gerais mas há dois anos. Quando ela morreu, ele veio morar com um dos irmãos, em Goiânia. O maior sonho é saber escrever e dirigir, mas ainda não conseguiu. Como a habilitação não vem, ele vai pro trabalho de ônibus ou de bicicleta. Se orgulha de ir sozinho e gosta de sair com muita antecedência, para não se atrasar. Para outras atividades como fazer comida, ele precisa de apoio. “Meu irmão é simples e encantador demais. Eu tinha medo dele se perder, mas ele sabe os caminhos direitinho. Eu nem sei pra que lado ficam as coisas, mas ele sabe tudo! Ele não sabe ler, escrever, mas pra outras coisas é extremamente inteligente ”, conta orgulhosa a irmã Luciene Magela.
Adfego
Apenas em outubro, a Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Goiás (Adfego) auxiliou na contratação de 100 pessoas com deficiência com as empresas e órgãos que são conveniados à instituição. Mariana Zago, coordenadora de Recrutamento e Seleção da associação explica que além dos convênios, também são procurados para divulgação de vagas de diversas empresas. As divulgações são feitas via site e WhatsApp e o próprio associado entra em contato com a empresa.
Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Goiás (Adfego) (Foto: Divulgação)
Para o engenheiro civil e especialista em inclusão Augusto Cardoso Fernandes, a transformação real depende não apenas do cumprimento legal, mas de um conjunto de ações estruturais, desde a acessibilidade até a qualificação das pessoas com deficiência (PCDs) e a sensibilização dos ambientes corporativos. “O cenário exige atenção porque, embora exista a legislação e cotas, ainda há muitas pessoas desamparadas, fora do mercado de trabalho. Não basta querer contratar: é preciso oferecer condições e preparar o ambiente para que o colaborador exerça seu papel plenamente”, explica Augusto.
A acessibilidade física e comunicacional é fundamental para garantir a permanência e a produtividade de trabalhadores com deficiência. Augusto destaca que o conceito de desenho universal deve guiar as adaptações, beneficiando todos os colaboradores com ou sem deficiência. “A acessibilidade não é apenas para o visitante. É preciso garantir que quem trabalha também tenha acesso adequado: desde o ponto de ônibus mais próximo até o ambiente interno da empresa. É pensar em rampas, sanitários adaptados, elevadores, balcões em alturas variadas e sinalizações acessíveis”, exemplifica.
Engenheiro civil e especialista em inclusão, Augusto Cardoso Fernandes (Foto: Luca Guimarães)
Fernandes ressalta ainda que cada deficiência exige soluções específicas. “O cadeirante tem uma necessidade diferente do surdo, e o surdo tem outra do cego. Para o surdo, é essencial ter meios de comunicação visuais e placas sinalizadoras; para o cego, são fundamentais as referências táteis e espaciais”, explica. Para ele, o processo de inclusão deve ser também uma transformação de comportamento e cultura dentro das empresas. “Quando os colaboradores convivem com pessoas com deficiência, eles ampliam o olhar e saem da zona de conforto. A convivência transforma, ensina virtudes como paciência, empatia e respeito”, afirma.