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Reportagem Especial

Cartilha do MPGO orienta sobre violência sexual infantojuvenil na internet

Foco é prevenir de forma lúdica e educativa | 12.10.25 - 08:00 Cartilha do MPGO orienta sobre violência sexual infantojuvenil na internet Cartilha Violência Sexual: como proteger seu filho na internet visa a educação em direitos para pais e adolescentes (Foto: Ludymila Siqueira/A Redação)

Ludymila Siqueira

Goiânia - 
Em agosto deste ano, o youtuber Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, publicou um vídeo que escancarou uma realidade até então pouco abordada nos noticiários e nos grandes debates nacionais: a exploração sexual infantojuvenil. Com o tema “adultização”, ele mostrou como crianças e adolescentes vêm sendo vulnerabilizados e sexualizados na internet, muitas vezes com aval dos próprios pais ou responsáveis, em troca de retorno financeiro. Foi nesse contexto que o país tomou conhecimento de um “reality show” criado pelo também influenciador Hytalo Santos, que expunha principalmente meninas adolescentes em situações de conotação sexual. A denúncia de Felca ganhou repercussão nacional, resultando na prisão de Hytalo, que agora deve responder por crimes como tráfico de pessoas, exploração sexual, trabalho infantil artístico irregular, produção e divulgação de vídeos com menores e constrangimento de crianças e adolescentes.


(Arte: Ludymila Siqueira/A Redação/ reprodução trecho vídeo Felca/ reprodução Instagram)
 
O que Felipe Bressanim trouxe à tona, por mais estarrecedor que seja, representa apenas a ponta do iceberg de um problema muito mais profundo. A violência sexual contra crianças e adolescentes acontece diariamente, sobretudo em ambientes de convivência das próprias vítimas. De acordo com o Atlas da Violência 2025, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 13 crianças e adolescentes sofrem agressões sexuais, físicas ou psicológicas a cada hora no Brasil. E esse quadro, já alarmante no espaço físico, encontra proporções ainda mais devastadoras no universo digital. 

Na internet, a realidade é mesmo sombria nesse sentido. Mais de 60% das denúncias de crimes virtuais envolvem abuso infantojuvenil. Para se ter uma ideia, apenas entre 1º de janeiro e 31 de julho deste ano, a SaferNet, ONG focada na defesa dos direitos humanos na internet, registrou 49.336 denúncias anônimas de abuso e exploração sexual infantil em plataformas digitais. Entre elas, destaca-se o Discord, rede com mais de 200 milhões de usuários mensais, que vem sendo utilizada por agressores para estimular crimes como estupro virtual, indução à automutilação e incitação ao suicídio. Da mesma forma, plataformas de jogos on-line têm se tornado terreno fértil para práticas criminosas que violam a integridade de crianças e adolescentes.
 
 

(Arte: Ludymila Siqueira/A Redação)
 
Antes mesmo de o tema conquistar espaço no debate nacional e repercutir no Legislativo, o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), por meio do Centro Operacional de Atuação na Área da Infância e Juventude (CAO), lançou a cartilha “Violência sexual: como proteger seu filho na internet”. A publicação busca, de forma lúdica, promover a educação em direitos, orientando especialmente pais e responsáveis sobre como identificar sinais de risco e adotar medidas de prevenção ao abuso e à exploração sexual infantil no ambiente virtual. A linguagem foi cuidadosamente elaborada para também dialogar de maneira direta e acessível com adolescentes.

 

(Foto: Ludymila Siqueira/A Redação)
 
Por meio dessa ação preventiva, o MPGO busca estreitar laços com a sociedade, promovendo conscientização e orientação sobre um tema que, não raro, passa despercebido no cotidiano. Iniciativas de educação em direitos têm o poder de salvar inúmeras crianças em situação de vulnerabilidade, assegurando-lhes dignidade e voz. Assim, consolida-se uma relação essencial com a população, na construção de uma narrativa significativa e capaz de mobilizar a coletividade.

Em entrevista à reportagem do jornal A Redação, o coordenador da área de Infância e Juventude do MPGO, promotor de Justiça Pedro Florentino, destaca que, embora haja crescente conscientização social, o número de denúncias de crimes dessa natureza ainda está aquém da realidade. Isso significa que os dados oficiais podem ser muito maiores. Ele explica que, no ambiente presencial, a violência sexual ocorre majoritariamente dentro do núcleo familiar da vítima. Já no espaço virtual, os agressores podem estar em qualquer lugar do mundo, utilizando chats, redes sociais e outras plataformas digitais. O promotor enfatiza, por fim, a importância da rede de apoio e da ampliação da consciência coletiva para o enfrentamento desse cenário.
 
 

(Arte: Ludymila Siqueira/A Redação)

Um dos pontos de maior relevância da cartilha dedica-se a orientar os pais sobre como podem contribuir para a experiência digital segura dos filhos. Nesse contexto, surgem questões fundamentais, tais como:
 

(Arte: Ludymila Siqueira - A Redação/ imagens da Cartilha "Violência sexual:
como proteger seu filho na internet", elaborada pelo MPGO
)
 

Questionamentos como os propostos na cartilha podem ser a primeira ferramenta para avaliar de que maneira os filhos estão vivenciando sua experiência digital. Um episódio noticiado em abril deste ano reforça a urgência do diálogo constante e da análise atenta do comportamento de crianças e adolescentes. Durante investigações sobre uma rede de violências virtuais na plataforma Discord, agentes de segurança pública conseguiram impedir que uma menina fosse vítima de estupro virtual. A mãe acreditava que a filha já estivesse dormindo, mas, na verdade, a jovem estava prestes a sofrer um abuso capaz de marcar sua vida para sempre.
 
Em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, Lisandra Colabuono, delegada da Polícia Civil de São Paulo e uma das responsáveis pelo caso, relatou a reação da mãe ao ser alertada. “Ela disse: ‘não tem nada de errado aqui na minha casa’. E eu respondi: ‘tem sim, a senhora vá até o quarto da sua filha; sua filha não está dormindo, sua filha vai ser vítima de um estupro virtual’”.

Quando uma criança ou adolescente se encontra em situação de risco, é comum que apresente alterações de comportamento. No ambiente digital, esse quadro pode se revelar pelo excesso de tempo on-line, pela perda de interesse em outras atividades, por mudanças de humor, como irritabilidade e isolamento, e até pela interação excessiva com um único amigo virtual.
 
Esse cenário se explica, como ressalta o MPGO na cartilha, pelo fato de criminosos utilizarem estratégias específicas para atrair suas vítimas. Entre elas, destacam-se:
 

(Arte: Ludymila Siqueira - A Redação/ imagens da Cartilha "Violência sexual:
como proteger seu filho na internet", elaborada pelo MPGO
)


Psicanalista e analista em psicologia do Ministério Público de Goiás, Jaqueline Coelho afirma que a literatura especializada considera que não existe uma sintomatologia típica para os casos de violência sexual. Isso significa que, diante de um trauma dessa natureza, diferentes pessoas podem desenvolver diferentes quadros sintomáticos. "É muito importante que tenhamos isso em mente, pois não podemos esperar nenhum padrão e muito menos podemos desconfiar do relato de alguém porque a pessoa não atende ao que imaginamos. Diante de um trauma sexual, podemos encontrar uma pessoa que fica triste, chorosa, com o humor deprimido ou uma pessoa raivosa, agressiva, hostil e reativa, por exemplo", detalhou em entrevista ao jornal A Redação.

Membra da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise, Jaqueline explica que há múltiplas possibilidades sintomáticas em crianças ou adolescentes vítimas de violência sexual, o que também se aplica quando a agressão ocorre de forma virtual. Entre os exemplos, destacam-se:
 
Alterações físicas: infecções e/ou doenças sexualmente transmissíveis, hemorragia ou secreção nas partes íntimas, queixas de dores abdominais, lesões genitais, roupas íntimas rasgadas ou manchadas de sangue, gravidez, entre outros;
 
Alterações emocionais: sentimentos de medo, tristeza, abatimento, raiva, ansiedade, medo do escuro ou de lugares fechados, culpa, irritabilidade, vergonha excessiva, oscilações de humor, baixa autoestima, entre outros;
 
Alterações comportamentais: conduta hipersexualizada ou incompatível com a idade, automutilação, masturbação compulsiva, agressividade, mudanças no padrão de sono e alimentação, pesadelos, enurese, fugas, choro frequente, aparência suja e descuidada, resistência em participar de atividades físicas, distanciamento social, reclusão ou isolamento, prática de delitos, entre outros.
 
"Além disso, relacionados à vivência traumática também vemos aumentados o risco de suicídio e o abuso de substâncias. É importante considerarmos que os suportes social e familiar são fatores de proteção e auxiliam a vítima a enfrentar o sofrimento causado pelo trauma e, ao contrário disso, a falta deles pode intensificar os sintomas gerados pela violência", destacou a psicanalista.

 

(Arte: Ludymila Siqueira - A Redação/ imagens da Cartilha "Violência sexual:
como proteger seu filho na internet", elaborada pelo MPGO
)
 


Muitas vezes, uma criança ou adolescente que sofre violência sexual, seja física ou virtual, não compreende, no momento, o que lhe aconteceu. Na maioria dos casos, a vítima experimenta um turbilhão de sentimentos, como vergonha, culpa e medo, o que a leva a evitar contar ou denunciar a agressão. Por isso, o acolhimento torna-se ainda mais essencial. Compreender o que é comunicado e evitar a revitimização são aspectos fundamentais.

Nesse sentido, a psicanalista Jaqueline Coelho ressalta que o acolhimento institucional por parte dos atores da Justiça é indispensável, sobretudo pelo suporte social conferido tanto à criança ou adolescente quanto à família da vítima. "Conhecemos muitos casos em que a violência cometida contra uma criança, por exemplo, afetou duradoura e profundamente um dos pais, que passou a se sentir culpado, impotente para cuidar ou dividido pela vontade de vingança. Então, quanto à importância do acolhimento, lembramos que uma família fortalecida e bem orientada também tem melhores condições de oferecer o devido suporte familiar à vítima", pontuou.

Com esse propósito de humanizar o atendimento às vítimas de violência, o MPGO inaugurou, em setembro deste ano, o Núcleo de Apoio às Vítimas (Navita). A iniciativa representa um marco na proteção e no acolhimento de pessoas atingidas por crimes violentos no Estado. Em 2023, o MP aderiu ao Movimento em Defesa das Vítimas, promovido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que busca desenvolver ações de mobilização, capacitação e incentivo a boas práticas para assegurar direitos de vítimas de violência, omissão, ódio, intolerância, insegurança, desigualdade ou exploração.

Lotada no Navita, a psicanalista Jaqueline Coelho enfatiza que o foco do novo espaço é proporcionar atendimento integral às vítimas, incluindo crianças e adolescentes. Assim, a proposta contempla suas necessidades jurídicas, psicossociais, de saúde, escolares, entre outras.

Quando a vítima é encaminhada, é agendado um atendimento multidisciplinar destinado a mapear as vulnerabilidades às quais está exposta. As dúvidas de ordem jurídica são esclarecidas e, na sequência, ocorre o direcionamento à rede, de modo a atender também outras demandas. Nesse processo, as parcerias firmadas e o acesso aos equipamentos públicos são peças fundamentais.
 
Há quatro formas de ingresso da vítima no núcleo:
•   encaminhadas pela promotoria; 
•   encaminhadas pela rede de maneira geral; 
•   acesso direto, sem intermediários; ou 
•   por busca ativa de alguns casos notadamente sensíveis, por nossa parte. 
 


Para Jaqueline Coelho, o lugar da vítima tem sido repensado no Ministério Público de forma mais ampla, ao se compreender que ela não pode ser tratada apenas como objeto ou meio de prova, mas como um sujeito de direitos. "Antes, estávamos acostumados a pensar no MP apenas comprometido com a punição do agressor e isso poderia ser colocado inclusive em detrimento ao cuidado da vítima (por exemplo quando se exigia que ela testemunhasse repetidas vezes sobre o mesmo fato)", enfatizou.
 
Entre as principais atribuições do Navita estão:
 
•    atendimento às vítimas e familiares com apoio humanizado; 
•    facilitação do acesso à informação sobre procedimentos investigatórios e processos judiciais; 
•    encaminhamento a órgãos públicos ou privados que prestem auxílio necessário; 
•    definição de protocolos padronizados de atendimento, e
•    manutenção de vínculo regular com as vítimas atendidas.
 
O núcleo também é responsável por fomentar ações intersetoriais, interdisciplinares e interinstitucionais, incluindo a criação de banco de dados para assegurar tratamento equitativo às vítimas e prevenir a vitimização secundária. Além disso, promove cursos de capacitação para membras, membros, servidoras e servidores sobre vitimologia e direitos das vítimas.
 


(Arte: Ludymila Siqueira - A Redação/ imagens inauguração do Núcleo de Atendimento às Vítimas
de Violência do MPGO/ Fotos: MPGO)

 
Casos de violência infantil podem ser registrados de forma anônima pelo telefone da Polícia Civil (197), através do Disque 100 (Disque Direitos Humanos), nos Conselhos Tutelares e ainda no balcão da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Goiás (DPCA-GO), localizada na Rua C-190 no Jardim América, em Goiânia, ou telefone (62) 3286- 1540.


(Arte: Ludymila Siqueira - A Redação/ imagens da Cartilha "Violência sexual:
como proteger seu filho na internet", elaborada pelo MPGO
)



 

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