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Dia dos Pais

Pais solo: entre perdas e redescobertas, o amor que sustenta

Quando o amor paterno assume todos os papéis | 10.08.25 - 07:55 Pais solo: entre perdas e redescobertas, o amor que sustenta (Arte: Anna Stella/jornal A Redação)

Samuel Straioto

Goiânia - Quando a vida virou de cabeça para baixo, eles decidiram permanecer de pé. O motivo? Os filhos! Dois homens de Goiás enfrentam o desafio de criar filhos sozinhos após perderem suas companheiras em circunstâncias trágicas. Paulo Henrique Pinheiro, advogado de 45 anos, tornou-se o único cuidador do pequeno Bell, hoje com 9 meses, depois que sua esposa, Juliane Bernardes, morreu por complicações no parto. Já Sebastião Afonso Teixeira, de 58 anos, morador de São Miguel do Passa Quatro, dedica seus dias à filha Marina, de 8 anos, a única sobrevivente de um acidente que matou a mãe e os dois irmãos dela em 2021.

 As histórias revelam como a paternidade solo transforma homens em cuidadores completos, assumindo papéis tradicionalmente femininos e reconstruindo suas vidas em torno do amor paternal.
 

Paulo Henrique Pinheiro e o filho Bell (Foto: arquivo pessoal)
 
Os relatos emergem no contexto do Dia dos Pais, celebrado neste domingo (10), e ilustram uma realidade crescente no país. Segundo dados do IBGE, o número de pais solo no Brasil aumentou significativamente na última década, chegando a quase 4% das famílias monoparentais. Embora ainda seja bem menor comparado às mães solo, que representam a maioria dos casos, trata-se de um cenário em constante ascensão.
 
Renascimento
Paulo Henrique Pinheiro, presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/GO, viu sua vida virar de cabeça para baixo na madrugada de 24 de outubro de 2024. Juliane Bernardes, sua esposa e também advogada, morreu em Goiânia devido a complicações no parto. Bell, o terceiro filho de Paulo, nasceu órfão de mãe.


Paulo Henrique Pinheiro com os três filhos (Foto: arquivo pessoal)
 
“Foi uma realidade muito difícil de superar, até pelo fato da tragédia. Quando ela nos atinge da forma como foi, você conseguir colocar a cabeça no lugar, entender tudo que aconteceu e saber da sua responsabilidade afetiva como pai e mãe durante toda uma vida de um ser, é algo que mexe muito”, relembra Paulo.
 
O advogado já era pai de Clara, de 19 anos, e Davi, de 6 anos, de relacionamentos anteriores. Mas criar um recém-nascido sozinho desde os primeiros minutos de vida representou um desafio completamente novo. “De imediato, quando aconteceu a tragédia, já procurei profissionais para que viessem trabalhar comigo”, explica.
 
Aprendizado
A rotina de Paulo mudou drasticamente. Todas as consultas médicas do Bell são acompanhadas por ele pessoalmente, além de gerenciar a logística de cuidados com os outros dois filhos. Clara, que estuda Direito e estagia no escritório do pai, e Davi, que mora em Catalão com a mãe, mas visita o pai quinzenalmente, precisaram se adaptar à nova dinâmica familiar.
 
O advogado destaca que aprender a ser pai e mãe simultaneamente exigiu uma transformação pessoal profunda. "É muito difícil lidar, porque tinha uma convivência de anos com a mãe do Bell, uma pessoa maravilhosa, e foi uma tragédia totalmente inesperada. Você tem que controlar o seu emocional pela perda, mas também ter consciência de que há uma vida que depende essencialmente de você."
 
Reconstrução
A 250 quilômetros de Goiânia, em São Miguel do Passa Quatro, Sebastião Afonso Teixeira enfrenta desafios similares há quase quatro anos. Em dezembro de 2021, um acidente de trânsito destruiu sua família. Naquele dia ele perdeu a esposa e dois dos três filhos. Marina, então com 4 anos, foi a única sobrevivente, mas ficou internada por meses em estado grave.
 
“Foi muito difícil pelo tamanho da dor, do baque que eu senti. Mas eu tinha a convicção que o Pai Eterno tinha deixado ela com um propósito em minha vida. A fé e as orações me manteram de pé. Eu sabia que não ia ser fácil, que eu teria que ser pai e mãe dela daquele momento em diante”, relembra Sebastião, emocionado.
 
 

Sebastião e a filha Marina (Foto: arquivo pessoal)
 
Quando Marina voltou para casa, Sebastião enfrentou um novo aprendizado. A menina, que antes do acidente falava e caminhava normalmente, voltou como “um bebê de um ano e oito meses. Não andava, não falava, não mastigava". "Eu tive que ensinar praticamente tudo para ela novamente.”
 
Superação
O fazendeiro conta que precisou aprender tarefas que antes eram responsabilidade da esposa. “Eu era um pai presente, mas quem fazia tudo era a mãe. Dar banho, arrumar cabelo... Tive gratidão pela minha cunhada, irmã da minha esposa que faleceu, que morava perto e me ajudou muito até pegarmos prática.”
 
A rotina na fazenda precisou ser reorganizada completamente. Sebastião assumiu os cuidados físicos com Marina e também o papel emocional de oferecer segurança e afeto. “Acho que me tornei um pai com um pouco de coração de mãe. Converso muito com a Marina, me dou liberdade dela falar o que ela quiser pra mim. É uma relação de pai, mãe e muito amigo.”
 
Em maio de 2024, Sebastião se casou novamente com Dênia, que se tornou uma figura materna para Marina. “Ela me ajuda muito hoje em dia, a Marina tem um carinho enorme por ela, mas, mesmo assim, eu não deixo de dar banho, de fazer tarefa de escola, de arrumar o cabelo dela. Quero estar sempre presente na vida dela nesses momentos.”
 
Vínculos
Ambos os pais destacam a importância dos vínculos familiares na reconstrução de suas vidas. Paulo observa com alegria o desenvolvimento de Bell e a relação que ele estabelece com os irmãos. “O desenvolvimento dele vem sendo maravilhoso, extremamente saudável, forte, sorridente. Os vínculos que ele vem construindo com os irmãos, principalmente com o Davi, que tem seis anos, são duradouros. Davi adora brincar com ele, o Bell já responde, é algo bonito de se ver.”
 
Marina, hoje com 8 anos, se transformou em uma “menina super inteligente”, segundo o pai. “Hoje levo pra escola, graças a Deus ela foi crescendo, mas não foi fácil não. A gente querendo e tendo força de vontade aprende tudo.”
 
Desafios
As dificuldades da paternidade solo vão além dos cuidados práticos. Paulo, que recentemente também perdeu o próprio pai, enfrenta múltiplos lutos simultaneamente. “Há um pouco mais de dois meses, perdemos meu pai, então mais outra tragédia que estamos tentando superar.”
 
Sebastião admite que os momentos de solidão e tristeza são constantes. “Não é fácil. Igual perder a esposa, pai enterrar dois filhos. Acho que pela lógica o certo é o fim enterrar o pai, não o contrário.” Ele revela que jamais pensou em desistir: “Pensar em não dar conta nunca me passou pela cabeça, porque o Pai Eterno deixou a Marina para ser uma luz na minha vida.”
 
Esperança
Apesar das adversidades, ambos os pais encontraram significado em suas jornadas. Paulo se sente realizado com o papel que assumiu. “Amo todos os meus filhos, acho que a paternidade é o que eu sempre quis. É o dia a dia que vai dando a pedra de toque que temos que estabelecer, mas é muita serenidade, muito amor, muita resiliência para poder seguir a vida.”
 
Sebastião deixa uma mensagem de esperança para outros pais em situação similar: “Qualquer situação que você esteja na sua vida, valorize a sua vida. Valorize a alegria, os momentos alegres. Se Deus te deu o poder de abrir o olho, você já agradece porque essa vida é uma passagem. Cada momento que você viver, viva com intensidade. Se você tem seu filho, valorize, porque de uma hora para a outra tudo pode ir.”
 
Situação no País
As histórias de Paulo e Sebastião refletem uma realidade crescente no Brasil. Dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas mostram a existência de mais de 11 milhões de mães que criam seus filhos sozinhas no país, enquanto segundo o IBGE, de 2005 a 2015, os números de pais solteiros no Brasil chegaram a quase 4%, ainda muito baixo em relação ao número de mães solteiras.
 
Entre 1993 e 2006, famílias em que o homem assumiu a responsabilidade pelas crianças, sem presença da mulher, cresceram 28,57%, segundo estudo do Ipea. Os especialistas apontam que os desafios enfrentados pelos pais solo são grandes, envolvendo não apenas questões práticas de cuidado, mas também aspectos emocionais e sociais.
 
Dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostram que 706 homens solteiros estavam habilitados à adoção no Brasil, demonstrando que muitos homens optam conscientemente pela paternidade solo.
 
As histórias de Paulo e Sebastião mostram que, mesmo diante das maiores tragédias, o amor paternal tem o poder de reconstruir vidas e criar novos significados. No Dia dos Pais, eles representam milhares de homens brasileiros que descobriram na paternidade solo muito mais que um desafio, mas uma oportunidade de amor incondicional e crescimento pessoal.
 

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