Carla Lacerda
Goiânia - De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 82 startups foram fundadas em 2024 em Goiás, recorde histórico que representa um aumento de 43% em relação a 2023. De 2000 até o dia 6 de junho deste ano, já são 350 empresas em early stage mapeadas no Estado pela plataforma, o equivalente a 17,41% da região Centro-Oeste (2.010).
Fonte: Observatório Sebrae Startups
Criado há dois anos, o
Observatório Sebrae Startups agrega iniciativas de capacitação, conexão e fortalecimento de empresas em early stage para fomentar o empreendedorismo inovador em todo o Brasil. O objetivo é desenvolver o setor tecnológico em todas as regiões do país.
Em Goiás, essas 350 startups catalogadas até o momento impactaram mil pessoas diretamente, de 53 municípios. O levantamento traz um perfil diagnóstico das empresas iniciantes: elas estão divididas em 117 segmentos, sendo puxadas pela área do agro; de tecnologia da informação; e de saúde e bem-estar. Quase 30% das startups goianas estão na fase de tração e a média de sócios em cada uma delas é de três pessoas.
Fonte: Observatório Sebrae Startups
Para o coordenador de inovação do Sebrae Goiás, Athos Valladares, o crescimento na fundação de novas startups no Estado, entre 2023 e 2024, pode ser atribuído a diversos fatores, entre eles os investimentos significativos realizados em ciência, tecnologia e inovação (CT&I).
“Entre 2019 e 2024, o governo estadual investiu cerca de R$ 690 milhões nessas áreas, sendo quase R$ 200 milhões apenas em 2024. Destaques para a retomada dos editais para empresas inovadoras da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), para a criação de ambientes de inovação com o Hub Goiás e iniciativas privadas como o Hub Cerrado”, exemplifica. “Esses investimentos, aliados a ações contínuas de fomento a startups no ecossistema, têm impacto direto neste crescimento”, completa.
Um pacto pela inovação
Uma iniciativa que também contribuiu para o recorde histórico de fundação de startups em Goiás, segundo Athos, foi o lançamento do
Pacto Goiás pela Inovação, em março de 2023. O movimento reúne entidades e órgãos da chamada quádrupla hélice da inovação - governo, universidades, setor produtivo e sociedade civil organizada - para fomentar o desenvolvimento do estado por meio da CT&I.
Inspirado em modelos que já lograram êxito no mundo, como em Barcelona, na Espanha, e nacionalmente em Porto Alegre, o pacto goiano contou com a colaboração de um dos principais especialistas em inovação da atualidade, o espanhol Josep Piqué. Ele veio a Goiás em mais de uma oportunidade e, na sede do Sebrae, se reuniu com os atores do ecossistema para traçar as diretrizes da proposta de governança conjunta na área de CT&I no Estado.
Integrantes do Pacto Goiás pela Inovação se reúnem periodicamente para debater projetos de ciência, tecnologia e inovação (Foto: divulgação)
De forma simplificada, o pacto funciona a partir de um conselho gestor formado por 15 entidades da quádrupla hélice da inovação. Os integrantes do colegiado se reúnem mensalmente e, a cada 90 dias, é realizada uma sessão plenária, quando são discutidos e votados projetos importantes para o setor. Atualmente, a coordenação do movimento está sob a responsabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Goiás (Fecomércio) e da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg).
As 15 entidades goianas que têm cadeira no Pacto Goiás pela Inovação
Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti)
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
Universidade Estadual de Goiás (UEG)
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás)
Instituto Federal de Goiás (IFG Goiás)
Instituto Federal Goiano (IF Goiano)
Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Goiás (Fecomércio)
Associação Pró-Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás (Adial)
Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras no Estado de Goiás (OCB-GO);
Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg)
Federação a Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg)
Associação Comercial, Industrial e Serviços de Goiás (Acieg)
Sebrae Goiás
Representante de uma startup
Segundo mapeamento do ecossistema será divulgado em agosto
Um dos resultados práticos do Pacto Goiás pela Inovação é o mapeamento do ecossistema, que traz um raio-X de como estão as áreas que o compõem. A primeira edição, de julho de 2024, além de estar disponível no
site do Hub Goiás, foi traduzida para o mandarim e para o inglês, e hoje faz parte do portfólio apresentado pelo Governo de Goiás em suas missões internacionais. O segundo levantamento está previsto para ser lançado em agosto deste ano.
O estudo já divulgado identificou 212 startups, em 19 cidades. Elas estão divididas em 134 segmentos e 54 áreas de atuação. O setor de maior destaque é o agrotech, com 20,75%. Goiânia apresenta maior número de startups, seguida de Anápolis, Rio Verde e Aparecida.
“O mapeamento é fundamental porque ele não apenas organiza as informações, mas subsidia tomadas de decisão tanto públicas quanto privadas em várias frentes: desde políticas públicas mais assertivas, até programas de fomento, investimentos e parcerias estratégicas”, destaca a analista de Inteligência de Negócios do Hub Goiás, Jade Caiuá Lemos, responsável pela elaboração do documento.
Agro tech e sustentável
No Sul Goiano há bons exemplos de startups que têm encontrado na CT&I soluções para os desafios diários enfrentados por produtores e empresários rurais. A Simple Agro Corporation nasceu como uma spin-off de uma empresa que produzia software para atender a sementeiras em 2017. Em 2021, já consolidado como um hub de inovação em Rio Verde, o grupo ampliou a carteira de produtos e serviços ofertados aos clientes e hoje, além de ter uma fábrica de biológicos, também atua nos ramos de consultoria, agricultura de precisão, coworking e comercialização de commodities.
Por meio de pesquisas, startup inovou com produção de fungos em meio líquido (Foto: divulgação)
“Nascemos de uma necessidade específica, da demanda que as sementeiras e revendas tinham por um software e, ao longo do caminho, percebemos outras ‘dores’ do setor”, explica Jeferson Peres de Oliveira, engenheiro agrônomo e um dos sócios-fundadores da corporação.
A criação da bioindústria Simple Verde, que faz parte do conglomerado, veio acompanhada de muita pesquisa e inovação. ”Somos os primeiros no mundo a produzir fungos em meio líquido. Nossa patente no Ministério da Agricultura sairá agora em julho”, informa Jeferson, ao pontuar a diferença de tempo entre o processo de fermentação no meio líquido e o realizado com substratos sólidos, como o arroz: apenas quatro dias no primeiro caso e 25 dias na forma tradicional.
Do município de Mineiros, também no Sul Goiano, há promessa de mais soluções inovadoras para o homem do campo. Foi de lá que saiu o último vencedor do Desafio Agro Startup, iniciativa organizada em conjunto por três das entidades ligadas ao Pacto Goiás pela Inovação: Faeg, Sebrae e Fapeg.
A equipe composta pelo zootecnista e mestre em Agronomia Ricardo Silva Pinto, pela doutora em Geografia Karine Ten Cate, pela advogada Lília Veloso Fonseca Pinto e pela estudante de Marketing, Publicidade e Propaganda Beatriz Veloso Fonseca Pinto apresentou uma solução muito mais sustentável e econômica para a limpeza dos bebedouros para gado: um purificador movido a placa de energia solar.
Legenda: Protótipo de purificador de bebedouro de bovinos (Imagem: Feito por Inteligência Artificial)
“Por trabalhar no campo há muito tempo, meu pai percebeu essa ‘dor’, esse desafio que os fazendeiros tinham, já que, tradicionalmente, os bebedouros são limpos uma vez por semana, jogando-se fora toda a água que estava no recipiente. Pensa no desperdício de água ao longo do tempo?”, questiona Beatriz. “Mas também sabemos que o gado precisa de água potável para engordar”, diz a estudante.
Como eles resolveram essa equação? ”Observamos os purificadores de aquário e pensamos em desenvolver algo semelhante para os bebedouros dos bovinos”, explica a jovem. “Com o purificador, a limpeza do recipiente pode ser feita a cada três meses e não mais semanalmente, como ocorria”, complementa o pai da estudante, o zootecnista Ricardo Silva.
A solução encontrada agradou aos jurados e a equipe, batizada de HidroBovino, levou o prêmio máximo do Desafio Agro Startup 2024, R$ 60 mil, que foram subsidiados pela Fapeg. “Pensamos também, ao desenvolver nosso projeto, nos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU”, ressalta Ricardo.
Questionado se a participação na competição tecnológica pode mudar, literalmente, os rumos da família, Ricardo se mostra ainda comedido na resposta, ao analisar, primeiro, as transformações que já ocorreram.
“A Bia teve esse contato com a inovação quando estudou aqui em Mineiros na Escola do Futuro Raul Brandão”, conta. “Para mim, que sou da geração que buscava por empregos estáveis, é uma grande alegria ter testemunhado que o empreendedorismo funciona, que as coisas podem ser colocadas em prática. Ter participado desse desafio científico fez, sim, diferença para a minha família”, atesta o zootecnista, ao revelar que o segundo semestre deste ano será dedicado ao processo de validação e às demonstrações do produto em feiras agropecuárias.
Saiba mais
As startups são empresas que surgem com novos modelos de negócios, escalável e repetíveis, com o intuito de promover novas práticas, serviços e soluções inovadoras no mercado, e que tenham até dez anos de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
Segundo o Marco Legal das Startups (Lei complementar 182/2021), são “organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”.