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Cerrado em foco

Estudo alerta para importância da fiscalização do uso de pivôs centrais

Captação indevida da água põe bioma em risco | 22.03.25 - 15:35 Estudo alerta para importância da fiscalização do uso de pivôs centrais Estudo alerta para importância da fiscalização do uso de pivôs centrais. (Foto: Fellipe Abreu/ Acervo ISPN)
A Redação

Goiânia -
Usando como mote o Dia Mundial da Água, celebrado neste sábado (22/3), a ONG Instituto Cerrado divulgou um alerta sobre os riscos que o Cerrado corre diante do desmatamento e da irrigação. É que, segundo o levantamento, 80% do total de pivôs centrais utilizados para irrigação no Brasil estão situados no bioma - segundo maior do país e responsável por bombear água, por meio de  3.427 mil rios, para todos os lados e para os biomas vizinhos: Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica e Caatinga.

A ONG lembra que a dinâmica natural de distribuição da água vem sendo ameaçada pela substituição da vegetação nativa por culturas irrigadas. "
Para alimentar os rios que formam oito das principais bacias hidrográficas da América do Sul, o Cerrado precisa da vegetação de pé: gramíneas, arbustos e árvores são receptáculos da água da chuva que infiltra pelas longas raízes, ajudando a abastecer os aquíferos e as nascentes dos rios que chegam a milhares de quilômetros de distância, mantendo a disponibilidade de água nos períodos secos", traz parte do estudo.
 
Ainda de acordo com o levantamento, 50% dessa água é captada para atividades agropecuárias, como irrigação de lavouras de soja, segundo análise de conjuntura dos recursos hídricos elaborada pela Agência Nacional de Águas. "Como 40% das exportações brasileiras de soja provêm do Cerrado, o bioma carrega o título de 'bioma de sacrifício':  a vegetação nativa é retirada em larga escala e substituída por lavouras de soja e pasto, alterando completamente o ciclo hidrológico. Essa mesma vegetação garantiria a provisão de água para parte do continente", informa o Instituto.
 
Legislação
A ONG destaca ainda que o bioma Cerrado é pouco protegido pela lei: apenas 8% está em Unidades de Conservação e o Código Florestal exige de 20 a 35% de preservação, em Reservas Legais, nas propriedades privadas. 
 
A situação se agrava com o avanço das mudanças climáticas e as incertezas na estação chuvosa, já que a irrigação é cada vez mais requerida no modelo de produção agropecuária de larga escala. Para isso, são realizadas captações, com ou sem autorizações (outorgas), de águas superficiais ou subterrâneas que alimentam pivôs centrais de irrigação. 
 
“Além de não haver fiscalização alguma acerca do volume utilizado versus o volume outorgado, muitas vezes, os pivôs funcionam nas horas mais quentes do dia, o que reduz muito a eficiência da irrigação com a perda dessa água para a atmosfera”, destaca a ecóloga e coordenadora do Programa Cerrado do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Isabel Figueiredo.  
 
Poços artesianos
Isabel explica que os poços artesianos estão sendo perfurados cada vez mais em profundidade, para acompanhar o rebaixamento do nível dos corpos d'água subterrâneos. “Além disso, grandes piscinões de armazenamento de água, que ficam expostos à radiação solar e evaporação, têm sido cada vez mais comuns nas fazendas de monocultura, aumentando ainda mais a pressão sobre os cursos de água”, completa a coordenadora do Programa Cerrado do ISPN. 
 
Essa água, recolhida nos “piscinões”, vem de rios como o Arrojado, no município de Correntina, no Oeste da Bahia. Ali, comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, que mantêm um modo de vida baseado na criação de gado solto e no cultivo de roçados, são constantemente ameaçadas pelas monoculturas. A água, que há pouco tempo era abundante, limpa e servia para banho, cozinhar e lavar roupa, agora está escassa, poluída pelos agrotóxicos utilizados nas plantações do agronegócio, ou barrenta, como consequência do rompimento de alguma barragem utilizada para alimentar os pivôs centrais de irrigação. 

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Vazão da água dos rios 
De acordo com o estudo “Os efeitos das mudanças do uso do solo e das mudanças climáticas nas vazões dos rios do bioma Cerrado e estimativas futuras”, do geógrafo e diretor-executivo do Instituto Cerrados, Yuri Salmona, os municípios do Oeste baiano apresentam diminuição de 24,2% na vazão dos rios. 
 
O rio Arrojado, que passa pelo município de Correntina (BA), perdeu 18,2% de sua vazão média, segundo o estudo. “Cerca de 56% dessa perda deveu-se à ocupação agrícola e 44% às mudanças climáticas”, destaca Yuri. As tendências futuras indicam uma perda acumulada de 36,2% de vazão do Rio Arrojado, até 2050. 
 
Na mesma região, o Rio de Ondas perdeu 25% de sua vazão média, também em função, principalmente, da expansão do uso agrícola das terras situadas em sua bacia hidrográfica. A estimativa de redução da vazão do Ondas para 2050 é de 56%. “Estes são apenas alguns dos casos. A tendência é clara nos rios do bioma Cerrado, em todos os estados analisados, e isso acontece como reflexo da expansão agropecuária e das mudanças climáticas”, avalia Yuri. 
 
Ao longo do levantamento, a ONG frisa que, além dessa ameaça à vida, as comunidades sofrem violência direta, com armas de fogo e represálias no contexto da disputa por água. Em 2017, Correntina esteve em todos os jornais do Brasil, devido ao conflito pela água entre fazendeiros e as comunidades locais. 
 
Cerrado, Coração das Águas 
No mês de comemoração do Dia Mundial da Água, o ISPN, o Instituto Cerrados e a Rede Cerrado destacam a importância de sensibilizar a opinião pública para o bioma mais rapidamente desmatado do Brasil. Localizado no centro do país e ocupando cerca de um quarto do território nacional, o bioma já perdeu 50% de sua vegetação nativa. 
 
Em 2024, em parceira com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e WWF-Brasil, o ISPN, o IC e a Rede Cerrado lançaram a campanha Cerrado, Coração das Águas, que continua este ano e culmina na Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima em Belém, COP30. O objetivo é apresentar o Cerrado aos representantes de 193 países partes que estarão no Brasil e a conexão, pelas águas, entre ele e os demais biomas vizinhos, incluindo a Amazônia. 


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