Samuel Straioto
Goiânia - A situação da população em situação de rua em Goiás tem gerado crescente preocupação e debates, com uma estimativa de cerca de 4 mil pessoas vivendo nessa condição no estado. Goiânia e Aparecida de Goiânia concentram 80% desse total, destacando a urgência de ações direcionadas.
A ausência de um censo específico e as limitações estruturais no atendimento agravam os desafios enfrentados por instituições como a Defensoria Pública. O órgão tem atuado na defesa e na busca por políticas públicas mais eficazes para atender a essa população.
“O problema é extremamente complexo e exige uma abordagem integrada e humanizada”, afirmou o defensor público Rafael Balduino, do Núcleo Especializado de Direitos Humanos, em entrevista.
Contexto e estimativa
O número estimado de 4 mil pessoas em situação de rua em Goiás tem como base o Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal. Contudo, o defensor público Rafael Balduino ressalta que essa estimativa é imprecisa, já que não existe um censo específico para essa população.
De acordo com Balduino, a ausência de dados concretos dificulta a elaboração de políticas públicas eficazes. Ele destacou que a pandemia de Covid-19 agravou o cenário, aumentando significativamente os índices de extrema pobreza e vulnerabilidade social em todo o país, o que impactou diretamente no crescimento da população em situação de rua.
Além dos efeitos da pandemia, o defensor apontou outros fatores que contribuem para esse aumento, como o desemprego, a crise econômica e problemas relacionados à saúde mental. “Essas condições frequentemente levam as pessoas a uma situação de extrema vulnerabilidade”, afirmou.
Sem um levantamento oficial, qualquer tentativa de compreender a dimensão do problema baseia-se em dados parciais, limitando a formulação de soluções efetivas.
Segundo Balduino, é crucial que governos estaduais e municipais trabalhem juntos para coletar dados mais precisos. A realização de um censo é vital para medir o impacto das políticas implementadas e identificar áreas que necessitam de atenção urgente.
Trabalho da Defensoria Pública
A Defensoria Pública de Goiás tem adotado uma abordagem multidimensional para lidar com o problema. Uma das principais frentes é a promoção da política de habitação, inspirada no conceito de Housing First, que prioriza oferecer moradia como solução inicial para a reintegração social.
Segundo Balduino, iniciativas como o programa federal “Ruas Visíveis” podem ser essenciais, ao integrar recursos e planos voltados à população em vulnerabilidade.
Paralelamente, a Defensoria também realiza atendimentos quinzenais diretamente nas ruas. Durante essas ações, em parceria com a Defensoria Pública da União, são emitidos documentos, realizados levantamentos de processos judiciais e promovidos atendimentos de saúde.
Esses serviços são complementados pelo Núcleo de Direitos Humanos, que atende demandas diariamente no Setor Sul de Goiânia.
A Defensoria também trabalha na articulação com outras instituições, como Ministério Público e Tribunais de Contas, para pressionar por melhorias em políticas locais. Isso inclui garantir que leis como a que reserva vagas de trabalho para pessoas em situação de rua sejam efetivamente regulamentadas e implementadas.
Por fim, Balduino destacou que a Defensoria também busca atuar preventivamente, promovendo conscientização sobre os direitos dessa população e oferecendo suporte para que possam se reinserir socialmente de forma digna.
Políticas municipais e desafios em Goiânia
Apesar de avanços pontuais, como a destinação de 5% das vagas de trabalho em contratos municipais para pessoas em situação de rua, regulamentada recentemente, Goiânia enfrenta graves deficiências no atendimento à população em vulnerabilidade.
Espaços degradados, como a região central e o bairro Campinas, são frequentemente ocupados por indivíduos em situação de rua, que sofrem repressão e são obrigados a migrar entre diferentes pontos da cidade.
Essa dinamicidade migratória se agrava pela falta de diálogo com a população em situação de rua na formulação de políticas. Segundo Balduino, muitas medidas são tomadas “à revelia” dessas pessoas, prejudicando sua eficácia. Ele defende que a centralidade dessa população é essencial para construir soluções reais.
Além disso, Balduino destacou o impacto negativo do estigma social. A população em situação de rua frequentemente enfrenta discriminação tanto por parte da sociedade quanto de autoridades, o que agrava sua exclusão. Políticas baseadas apenas em repressão, sem alternativas concretas de apoio, contribuem para perpetuar o ciclo de vulnerabilidade.
A falta de recursos municipais também é um entrave significativo. Segundo especialistas, há necessidade de maior alocação orçamentária para programas habitacionais e assistência social, além de parcerias com a iniciativa privada para ampliar o alcance das iniciativas existentes.
Críticas aos abrigos municipais
As condições das casas de acolhida de Goiânia também são alvo de críticas. Em inspeções realizadas pela Defensoria, foram constatadas infestações por percevejos, superlotação, falhas na segurança e problemas estruturais que impedem a utilização de quartos.
Embora algumas melhorias tenham sido implementadas, como pintura repelente a insetos, a situação ainda é preocupante, especialmente em períodos de chuvas, quando as demandas aumentam.
As casas de acolhida estão localizadas no bairro Campinas, na Rua Minas Gerais, e no Setor Universitário, atendendo públicos diferentes. A unidade de Campinas é destinada ao público masculino, enquanto a do Setor Universitário atende mulheres e famílias. Ambas enfrentam problemas de infraestrutura que limitam sua capacidade de atender adequadamente.
Um caso emblemático relatado pelo Defensor Rafael Balduino foi o fechamento inesperado do Ginásio da Vila Pedroso, neste final de ano. O local foi anunciado como abrigo temporário para o período de chuvas. Problemas como falta de combustível para vans destinadas ao transporte das pessoas em situação de rua expuseram o descaso da gestão municipal.
Além disso, a localização afastada do ginásio dificulta o acesso dos indivíduos mais vulneráveis, que dependem exclusivamente do apoio logístico prometido pela Prefeitura.
A falta de condições básicas, como alimentação adequada e espaço suficiente, também é uma preocupação recorrente. Apesar do empenho dos funcionários, que muitas vezes enfrentam limitações operacionais, as casas de acolhida permanecem aquém do que seria necessário para oferecer dignidade aos seus usuários.
Caminhos para soluções eficazes
Para enfrentar a questão, Balduino enfatiza a necessidade de uma pesquisa abrangente, prevista pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADPF) 976, do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida permitiria identificar e quantificar a população em situação de rua, oferecendo dados para políticas mais eficazes.
Balduino também ressaltou que soluções sustentáveis exigem a colaboração entre governos, sociedade civil e setor privado. Iniciativas como projetos habitacionais inclusivos, programas de qualificação profissional e incentivos fiscais para empresas que contratam indivíduos em situação de vulnerabilidade podem criar caminhos reais de reinserção.
Para o sociólogo Eduardo Silva, especialista em desigualdade social, a solução não pode ser apenas assistencialista. “É necessário um compromisso estrutural para romper com os ciclos de pobreza e marginalização. Isso inclui investimentos em educação, saúde mental e criação de oportunidades de emprego dignas”, afirmou.
O sociólogo destaca ainda que a falta de integração entre políticas públicas agrava o problema. “Sem uma abordagem intersetorial, onde saúde, habitação e trabalho sejam tratados como partes de um mesmo problema, é improvável que vejamos mudanças significativas no médio ou longo prazo”, completou.
Rafael Balduíno alerta que a população em situação de rua em Goiás, particularmente em Goiânia, enfrenta desafios alarmantes. A atuação da Defensoria Pública evidencia avanços e lacunas estruturais que precisam ser superados.
O fortalecimento das políticas de habitação, a melhoria nos abrigos e o diálogo com a população são passos fundamentais para reverter esse cenário e garantir dignidade a milhares de indivíduos em vulnerabilidade.
Até o final desta reportagem, não conseguimos contato com a Prefeitura de Goiânia para comentar as políticas do município.
O que é uma pessoa em situação de rua?
De acordo com a definição do Ministério do Desenvolvimento Social, pessoas em situação de rua são aquelas que têm vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e vivem em espaços públicos, como praças, calçadas e prédios abandonados, ou em abrigos públicos temporários. Elas enfrentam vulnerabilidade extrema e frequentemente não têm acesso a serviços básicos de saúde, educação e moradia.
Principais motivos que levam as pessoas às ruas:
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Desemprego: A perda de renda é um dos fatores mais comuns que levam indivíduos a essa condição.
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Problemas de saúde mental: Transtornos psicológicos e psiquiátricos, muitas vezes não tratados, contribuem para a situação.
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Rompimento de laços familiares: Conflitos e separações podem deixar pessoas sem apoio.
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Dependência química: O abuso de substâncias é um elemento significativo em muitos casos.
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Migração: Pessoas em busca de trabalho ou melhores condições de vida podem acabar em situação de rua ao não encontrar oportunidades.