A Redação
Goiânia - A escalada da crise na área da Saúde nas últimas semanas levou o procurador-geral de Justiça de Goiás, Cyro Terra Peres, a protocolar, no início da tarde desta sexta-feira (6/12), um pedido de intervenção estadual na área da Saúde do Município de Goiânia, com implicações na área de finanças relacionadas ao setor. A peça apresentada ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) contém 75 páginas e detalha um cenário de colapso no sistema de saúde pública local, caracterizado por violações sistemáticas aos direitos fundamentais à vida e à saúde, além de descumprimentos reiterados de decisões judiciais (acesse aqui a representação).
A crise se intensificou nas últimas semanas, após eventos como a necessidade de prisão de integrantes da cúpula da Secretaria Municipal de Saúde, em operação do MPGO para cessar irregularidades, e o pedido de demissão da secretária substituta e auxiliares em menos de uma semana. Ainda nesta semana, houve, por meio de depoimentos tomados pelo MPGO e publicações na imprensa, relatos de falta de insumos básicos, medicamentos, higienização adequada nas unidades de saúde e combustível para ambulâncias, além do anúncio da paralisação de médicos prestadores de serviço.
A piora da situação se deu também pelo descumprimento de decisões judiciais anteriores requeridas pelo MPGO e que buscavam mitigar as falhas administrativas, incluindo obrigações relacionadas ao repasse de verbas destinadas à manutenção de hospitais e maternidades municipais. Em uma força-tarefa realizada em maio, o MPGO inspecionou unidades de saúde e constatou graves problemas estruturais e operacionais, como a superlotação, atendimento precário e insalubridade em diversas unidades.
O pedido de intervenção baseia-se em um histórico de mais de dez investigações conduzidas pelo MP apenas na área da saúde. O procurador-geral destacou que medidas menos drásticas já foram adotadas sem sucesso, como a tentativa de acordos e notificações formais, o que reforça a necessidade de uma resposta mais contundente para resguardar os direitos da população.
Procurador-geral de Justiça aponta desrespeito a princípio constitucional
Na peça, Cyro Terra Peres requer ao TJGO que reconheça “o desrespeito a princípio constitucional sensível, consistente na violação sistemática de direitos da pessoa humana (vida e saúde), além de inexecução de lei e descumprimento de decisões judiciais pelo Município de Goiânia” e requisite ao “governador do Estado de Goiás que expeça Decreto de Intervenção no ente federado local de forma setorizada na área da saúde, com abrangência dos atos de gestão do Chefe do Poder Executivo, da Secretaria Municipal de Saúde, do Fundo Municipal de Saúde e da Secretaria Municipal de Finanças no que for pertinente ao serviço de saúde prestado pela administração direta, indireta e terceiro setor e sua fiscalização, para a adoção das medidas urgentes necessárias à normalização dos serviços essenciais de saúde e ao cumprimento das decisões judiciais”.
A representação ressalta a gravidade da violação dos direitos humanos e das normas constitucionais que regem o Sistema Único de Saúde (SUS). Para o MPGO, a intervenção estadual é imprescindível para assegurar a vida e a dignidade dos cidadãos goianienses, restabelecendo a normalidade no funcionamento do sistema de saúde e garantindo o cumprimento das obrigações constitucionais por parte do Município.
O pedido será avaliado pelo Tribunal de Justiça, que decidirá sobre a intervenção parcial na gestão da saúde pública de Goiânia.
Atuação na área da Saúde
Em maio deste ano o Grupo de Atuação Especial da Saúde (GAE Saúde) deflagrou operação na qual houve apreensão de documentos em mais de 20 unidades de saúde da capital. Essa atuação contribuiu para as investigações que culminaram na Operação Comorbidade, do Grupo de Atuação Especial do Patrimônio Público (GAEPP), que resultou na prisão da cúpula da Secretaria Municipal de Saúde na semana passada.
Uma das ações diz respeito à falta de repasses para as entidades gestoras de hospitais na capital. A ação foi protocolada em agosto deste ano pelas 53ª e 87ª Promotorias de Justiça, tendo sido concedida decisão liminar para que o Município de Goiânia regularizasse, no prazo de 15 dias, a assistência hospitalar, adequando os serviços às normas que regem o Sistema Único de Saúde (SUS).
Constam no escopo da ação:
• longas filas de espera por internação hospitalar mesmo com leitos vazios habilitados no SUS;
• hospitais que deixaram de prestar assistência por falta de pagamento;
• aplicação de recursos provenientes do Ministério da Saúde para finalidades diversas, em detrimento do pagamento dos prestadores de serviços hospitalares;
• permanência de pacientes nas unidades pré-hospitalares por longo período à espera de leito.
A decisão previa, a pedido do MPGO:
• adoção todas as medidas administrativas, a fim de encaminhar os pacientes que se encontram por tempo superior a 24 horas aos leitos hospitalares que necessitam;
• não manter pacientes intubados no ventilador artificial em UPAs, os quais, nessa condição, devem ser imediatamente transferidos para o serviço hospitalar;
• não internar pacientes em unidades pré-hospitalares de urgência;
• garantir o acesso a todos os leitos de internação hospitalares habilitados no SUS, de forma que, inicialmente, a ocupação se dê nos leitos das unidades próprias; na sequência, que se promova a ocupação total dos leitos das unidades filantrópicas e sem fins lucrativos e, em complementação, que sejam ocupados os leitos disponibilizados pelas unidades privadas.
A decisão liminar, no entanto, foi suspensa pelo Tribunal de Justiça e só restaurada em outubro, após interposição de recurso pelo MPGO evidenciando o agravamento da crise e as dívidas com hospitais e gestoras das unidades.
Embora a decisão liminar esteja em vigor desde 17 de outubro, não houve seu cumprimento integral, o que já foi combatido pelo MPGO mediante requerimento para o cumprimento da liminar.
Em outra frente de atuação, em ação civil pública da 88ª Promotoria de Justiça, o MPGO obteve na Justiça a determinação de bloqueio de aplicação financeira ou depósito bancário nas contas vinculadas ao Fundo Municipal de Saúde do Município de Goiânia, até o valor de R$ 6.895.584,93, visando satisfazer a obrigação de repasses à gestora de três maternidades referentes ao mês de agosto de 2024. A decisão foi proferida no mês de outubro.
Esses valores se referem à obrigação de fazer consistente em efetuar o repasse integral e mensal à Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc), enquanto vigorarem os convênios e seus valores, até o quinto dia do mês, dos recursos destinados a garantir o atendimento à saúde no Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara, na Maternidade Nascer Cidadão e no Hospital e Maternidade Dona Íris.
Além das ações judiciais citadas, há outros inquéritos civis em trâmite para apuração de irregularidades em:
• credenciamento de pessoas jurídicas para serviços médicos
• contratações para o Samu
• contratação emergencial para locação motofog
• celebração e execução de convênio da SMS com a Organização Social União Mais Saúde
• gestão do Fundo Municipal de Saúde.
A instituição ainda deflagrou, recentemente, por meio do Grupo de Atuação Especial do Patrimônio Público (GAEPP), a Operação Comorbidade, que levou à prisão do secretário de Saúde de Goiânia e outros dois integrantes da pasta, em investigação que apura eventuais irregularidades no uso dos recursos públicos.