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Clima

Seca severa x chuvas intensas: Instabilidades climáticas acendem alerta

Produção agrícola preocupa especialistas | 11.02.24 - 08:04 Seca severa x chuvas intensas: Instabilidades climáticas acendem alerta (Foto: reprodução)
Ludymila Siqueira

Goiânia - 
O Brasil tem sofrido com reações climáticas extremas devido ao El Niño, fenômeno natural caracterizado pelo aquecimento anormal e persistente da superfície do Oceano Pacífico na região da Linha do Equador. Com o evento climático, o país registrou, nos últimos meses, uma seca histórica no Norte, enquanto em outras regiões foram registrados altos índices de volume de chuvas. 

Conforme boletim da Agência Nacional de e Saneamento Básico (ANA), considerando as anomalias de chuva – que são a diferença entre a precipitação ocorrida e a média esperada – até 29 de fevereiro, há indicação de condições mais úmidas do que o normal entre o centro e leste do País, entre parte de Mato Grosso, Tocantins, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e parte de São Paulo. Para grande parte das demais regiões do Brasil, a previsão indica o predomínio de condições bem mais secas do que o normal.

Ainda de acordo com a ANA, a previsão climática para o Brasil em fevereiro, março e abril indica maior probabilidade de chuva abaixo do normal em parte da porção central e Norte do País, enquanto em áreas do Centro-Sul e Noroeste, a previsão indica maior probabilidade de chuva acima do normal.

Sendo assim, Goiás deve ser atingido com as duas anomalias climáticas, com registro de chuvas abundantes em algumas regiões e de seca em outras. Goiânia e região metropolitana, por exemplo, sofrem quase que diariamente com desastres provocados por temporais, como ruas alagadas, quedas de árvores e de energia elétrica, enquanto Porangatu, cidade do Norte do Estado, está em estado de emergência por falta de chuvas. O município integra o grupo de 25 cidades reconhecidas pelo governo federal como emergenciais para monitoramento.  Com isso, o Estado se prepara para um período de estiagem mais longo em algumas regiões, sendo que a maioria depende de atividades agrícolas, e sem chuvas, a produção é prejudicada de forma considerável. 

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De acordo com o gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), as chuvas do final de 2023 não foram suficientes. “Como nós tivemos um ciclo chuvoso irregular em setembro, outubro, novembro, dezembro e ondas de calor, nós não tivemos recarga hídrica suficiente. Em janeiro observamos boas chuvas, mas agora só teremos fevereiro, março e meados de abril. Então, teremos apenas três meses de chuva, e isso é preocupante", explica Amorim.

Segundo semestre
De acordo com as projeções do International Research Institute for Climate and Society (IRI), as anomalias de temperatura da superfície do mar atingirão a neutralidade no outono, com possibilidade da formação do fenômeno La Niña no segundo semestre deste ano. Com isso, os meteorologistas e especialistas estão de olho nas condições climáticas que o Brasil deve enfrentar. 

O La Niña, ao contrário do El Niño, é um fenômeno que consiste no resfriamento anormal das águas do Oceano Pacífico e é responsável tanto por chuvas fortes no Norte e Nordeste do Brasil quanto por secas no Sul. 


(Foto: divulgação)

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a última atuação do fenômeno climático no Brasil teve duração de três anos, com encerramento em fevereiro de 2023. O país passou por três primaveras consecutivas sob influência do fenômeno, com temperaturas mais baixas do que o normal no oceano.
 
A atuação do La Niña impacta na pecuária e na agricultura, setores que podem ser afetados pelo excesso de calor, que vem acompanhado pela falta de chuva. É um efeito duplo da atmosfera que afeta a economia.

Efeitos do clima no agronegócio goiano 
Analista de mercado e também de grãos, Cristiano Palavro destaca que o começo da safra, no fim de 2023, foi desafiador com excesso de chuvas em algumas regiões no Sul do Brasil, enquanto no Centro-Norte brasileiro o registro de chuvas irregulares impactou a produção com replantios e atrasos significativos na cultura da soja. 


Cristiano Palavro (Foto: arquivo pessoal)
 
"Em Goiás, nós temos uma situação bem variável em termos de potencial produtivo. Em geral, fora da região Sudoeste do estado, as lavouras têm encontrado boas condições de desenvolvimento. O plantio foi mais tarde, os produtores plantaram com cautela à medida que a umidade chegava. Quem optou por variedades de ciclos não tão precoces, hoje tem lavouras em boas condições. As áreas plantadas muito cedo no estado e com variedades precoces de curto ciclo, elas sofreram mais e essas têm apresentado uma variação bastante grande em termos de produtividade, e é sobre essas variedades e essa janela de plantio onde estão os maiores problemas que vão resultar em uma produtividade menor na média em relação ao ano passado", frisou em entrevista à reportagem do jornal A Redação.
 
A Federação da Agropecuária e Pecuária (Faeg) estima uma perda de 15 a 23% na produção agropecuária goiana neste ano, durante a safra de 2023/2024. Os dados representam cerca de três milhões de toneladas de soja em todo o Estado. O setor é um dos mais pujantes da economia no Estado. O presidente da entidade, José Mário Schreiner, denominou os resultados como uma "surpresa bem desagradavel". "Ainda há muita coisa a ser conferida, tudo depende de como o clima irá se comportar daqui para frente. Sabemos que o El Niño perde força até abril, no entanto, não teremos chuvas constantes", afirma. 
 

Presidente da Faeg, José Mário Schreiner (Foto: arquivo Jornal A Redação)
 
Ainda de acordo com Schreiner, estima-se uma perda considerável que deve, sem dúvida, gerar prejuízos ao produtor rural, à agroindústria e também nas exportações, uma vez que haverá menos produtos. Além disso, o presidente da Faeg cita impactos à empregabilidade e a outras cadeias da agropecuária, como da pecuária de corte e leite que, com a queda na produção de grãos, também acendem a luz amarela. "É o momento de começar a debater a necessidade dos produtores se prepararem para o período de seca que está por vir, orientando a guardarem materiais e procurarem ajuda caso necessário", ressalta. 
 
Os locais de mais agravamento de perda nas lavouras de soja foram percebidos nas regiões Sudeste do Estado, com o predomínio do plantio precoce, Vale da Araguaia, subindo para Caiapônia até Nova Crixás, e Nordeste de Goiás, como o município de Posse.  
 
Coordenador técnico do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag), Alexandro Santos salienta que produtores que ainda vão começar o processo de colheita precisam ficar atentos com os próximos passos. "Os meses de fevereiro e março são importantes para mensuração dos níveis de produção. Será neste período que haverá colheita nas lavouras plantadas em novembro e dezembro. Além disso, as chuvas serão fundamentais neste momento de finalização. Com isso, é necessário estar atento aos prognósticos climáticos para uma maior assertividade no tempo de colheita", explica. 

Além da redução da produtividade das lavouras na safra 2023/2024, causada pela estiagem e ondas de calor no ano passado, pela influência do efeito “El Niño”, a Federação alerta sobre outra situação que pode impactar a sociedade como um todo no que se refere à pecuária de corte e leite, esta última que já vinha sofrendo forte crise. 
 
Schreiner ressalta, ainda, medidas de urgência, com a utilização de estratégias para produção de estoques de volumosos para alimentação do gado. A ação visa evitar maiores custos e prejuízos para os produtores, bem como aumento de preços, principalmente de leite e carne para o consumidor final. O alerta, segundo o presidente da Faeg, se estende a toda a sociedade para colaborar com estratégias de preservação e uso consciente da água.

Impactos no mercado do agronegócio
Em cenário de mercado, o analista Cristiano Palavro, que também é diretor da Pátria Agronegócios, avalia que, em se tratando do agro, atualmente Goiás vive mais problemas gerados pelo mercado em si, como o impacto das quedas bastante significativas de preços registradas ao final do mês de dezembro e início de janeiro. As instabilidades climáticas tendem a agravar mais a situação.

Segundo o profissional, a maior preocupação neste momento é com os preços para quem não está conseguindo obter produtividades tão altas. "Os atuais níveis de preços trazem bastante dificuldade em cumprir os compromissos financeiros, como os custos de produção. Com isso, a gente vai ter margens muito muito apertadas no agro esse ano, isso vai impactar diretamente a receita dos produtores, o que deve gerar menores investimentos nas próximas safras e uma menor conversão de novas áreas para plantio", salienta.


(Foto: reprodução/Faeg)
 
Uma das preocupações do mercado está relacionada com a oferta de produtos. Isso porque com uma menor produção agropecuária no Brasil tende a gerar menos exportações. Palavro destaca que o País tem uma indústria que, atualmente, consome cerca de 53, 54 milhões de toneladas de grãos. No entanto, a tendência é que o excedente fique menor neste ano. Com isso, as exportações devem ser significativamente menores. 
 
Altas temperaturas
Geógrafa e professora  do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (UFG), Juliana Ramalho Barros avalia que são grandes os desafios provocados pelos extremos climáticos causados pelo El Niño, por ser uma ação natural. A professora explica que, de modo geral, há uma tendência de aumento nas temperaturas em várias partes do Brasil, principalmente nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste. Além disso, as condições secas são frequentemente observadas, o que pode resultar em períodos prolongados de estiagem. Normalmente isso ocorre na região Nordeste, mas o fator também foi observado na região Norte. Essa falta de chuvas pode afetar diretamente setores como agricultura, recursos hídricos e geração de energia, conforme já mencionado. 

Por outro lado, com o evento climático, o Brasil tem um cenário com
 tempestades intensas e enchentes em determinadas regiões, o que pode resultar em danos materiais, perdas econômicas e impactos sociais, exigindo medidas de adaptação e resiliência. "Posso afirmar que a principal característica do clima é a variabilidade, e dentro disso ocorrem eventos extremos. Mas em termos de temperatura, os dados têm mostrado tendência de aumento nas áreas urbanas e onde foram feitas modificações significativas nas condições naturais", afirma. 

Segundo a geógrafa, as mudanças no uso e na cobertura do solo (desmatamento, aterramento de cursos d’água, urbanização, construção de edificações cada vez mais altas, substituição da vegetação natural por agricultura e pastagem) favorecem a elevação das temperaturas, com valores cada vez altos a cada ano, e repercussões cada vez mais severas de fenômenos naturais. "Por exemplo, uma chuva que antes era inofensiva, hoje em dia causa alagamentos, inundações e uma série de transtornos. E não necessariamente está chovendo mais, mas o solo perdeu a capacidade de infiltração dessa água, não há mais tantas árvores para interceptar parte das águas dessas chuvas', pontua.
 
O desmatamento e outras mudanças na cobertura vegetal podem afetar os padrões de precipitação. Áreas desmatadas tendem a ter menos evapotranspiração, levando a uma diminuição na formação de nuvens e, consequentemente, na quantidade de chuva. Isso pode resultar em secas prolongadas ou eventos de chuvas intensas e inundações, dependendo da região.
 
"É bom lembrar que a crise climática é mais ampla. Trata-se de uma crise ambiental, para a qual já temos alertado há décadas. Isso porque a perda de habitats naturais diminui a capacidade dos ecossistemas em fornecer serviços ecossistêmicos, como regulação do clima, armazenamento de água e absorção de carbono. A perda de biodiversidade também pode tornar os ecossistemas menos resilientes às mudanças climáticas, comprometendo sua capacidade de se adaptar a novas condições e, consequentemente, de voltar a estágios anteriores", detalha.
 
A especialista pontua, ainda, que o clima é uma das esferas mais dinâmicas do planeta. É um sistema que sempre passará por mudanças. "A grande questão é como temos transformado a superfície a ponto de afetar a atmosfera e as repercussões dos fenômenos. Precisamos compreender que as respostas dos fenômenos climáticos serão proporcionais às transformações que fazemos no planeta", arremata.

 
 


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