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SISTEMA CARCERÁRIO

Saída temporária: fim do benefício é solução para reduzir criminalidade?

Assunto está em pauta no Senado | 18.01.24 - 14:12  Saída temporária: fim do benefício é solução para reduzir criminalidade? (Foto: Manuel Carlos Montenegro/Agência Brasil)
Ludymila Siqueira

Goiânia - 
A saída temporária de encarcerados, popularmente conhecida como "saidinha", é alvo de constantes questionamentos no cenário brasileiro. Nas últimas semanas, o tema voltou aos holofotes após a morte do policial militar Roger Dias da Cunha, que, segundo a Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais, foi baleado por um homem foragido da Justiça por não retornar para o presídio durante a “saidinha” de Natal. 
 
A saída temporária, inclusive, voltou a ser discutida no Senado Federal, onde tramita um projeto de lei que propõe a extinção do direito previsto na Lei de Execuções Penais. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), lamentou a morte do policial e defendeu a redução de benefícios a detentos. “O Congresso promoverá mudanças nas leis, reformulando e até suprimindo direitos que, a pretexto de ressocializar, estão servindo como meio para a prática de mais e mais crimes”, escreveu na rede social X. 
 
O projeto de lei, proposto em 2022, está parado no Senado desde outubro do ano passado. A matéria está em discussão na Comissão de Segurança Pública e aguarda votação. De autoria do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), o PL que propõe a extinção do direito tem como relator o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que já apresentou voto favorável.
 
Segundo relatório de Flávio Bolsonaro, a extinção do benefício é "medida necessária e contribuirá para reduzir a criminalidade". No entanto, especialistas ouvidos pela reportagem do jornal A Redação avaliam que a extinção do benefício não tem relação com a queda na criminalidade.

Para o advogado e especialista em Ciências Criminais Hebert Valentim, a extinção da saída temporária é uma medida de endurecimento de um Estado que "falhou" na prestação originária de fornecer ao cidadão o devido acesso a direitos fundamentais, como a educação, o trabalho e também o lazer. "Como resultado, prejudica o instituto da ressocialização, que visa, com a saída temporária, fornecer ao apenado o sentimento de proximidade com o elo social", pontua. 

Valentim ainda considera a possibilidade de extinção do direito, além de inconstitucional, como uma "ação desumana". "A Constituição estabelece que a progressão de pena e benefícios são fundamentais para assegurar a ressocialização do apenado na sociedade", afirma. "Vez ou outra, o tema é pauta de embate no Congresso Nacional, o que é totalmente válido e compreensível. Porém, a extinção de medidas que asseguram o contato ativo do apenado com a sociedade, somente fomenta o ciclo vicioso da vingança e preconceito", completa.

A diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias, compartilha do mesmo posicionamento do advogado. "Eu avalio de forma muito crítica a possibilidade da extinção porque a saída temporária é extremamente importante para o processo de ressocialização, de retomada da vida da pessoa que está cumprindo a pena e está num processo de término da pena", opina. 
 
Marina lembra que a pessoa com direito à saída temporária também teria direito ao regime semiaberto, o que significa que ela já teria o direito de sair para trabalhar e voltar. "São todos princípios que regulamentam a ressocialização e restabelecem, aos poucos, os vínculos da pessoa presa. Portanto, a extinção seria muito dramática e problemática', avalia. 

Generalização x segurança pública
Casos pontuais de crimes durante uma saída temporária costumam ser usados em uma forma de experiência geral em relação ao benefício. De acordo com dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do Ministério da Justiça, a saidinha de Natal beneficiou 52 mil presos em 2023. Desses, 2,6 mil não retornaram. 
 

(Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
 
A diretora do IDDD ressalta que o Brasil atualmente tem a terceira maior população carcerária, são mais de 832 mil pessoas cumprindo pena. Para ela, apesar desta taxa expressiva, o país segue com altos índices de violência, ou seja, criminalidade, conforme pontua, não diminuiu ao longo dos anos.
 
"A extinção da saidinha pode dificultar a ressocialização das pessoas que já estão no fim do seu cumprimento de pena. Temos um problema grave de superlotação, de falta de programas para ressocialização e, apesar da tragédia em Minas Gerais, ninguém questiona a estrutura do sistema penal, seus problemas, preconceitos e injustiças. É sempre um olhar isolado sem perceber a questão estrutural. Nesse sentido, a pessoa ainda seria punida porque o sistema é ruim, o Estado não garante seus direitos enquanto está sob sua custódia", explica.

Goiás
Na última semana, o governador do Estado de Goiás, Ronaldo Caiado (UB), defendeu o fim da saída temporária ao citar o caso do policial militar registrado em Belo Horizonte. "Não dá para ter concessão para alforriar bandidos que podem voltar a cometer crimes. Esse caso que aconteceu em Minas Gerais reforça a necessidade de que os governantes assumam a segurança pública como prioridade e não apenas na teoria", declara Caiado. “Esses detentos se acham no direito de voltar à prática do crime. Aproveitar um momento de festividade em família, como no Natal e Ano Novo, é um absurdo", finaliza.

Segundo a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária de Goiás (DGAP), desde o início da pandemia da covid-19, em 2020, que o Estado não permite a saída temporária. A reportagem do jornal A Redação entrou em contato com o Tribunal de Justiça (TJ-GO) para saber o posicionamento do judiciário goiano sobre a questão em pauta, mas não teve retorno. 

Para o advogado Hebert Valentim, os dados fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO) indicam a redução de crimes violentos. No entanto, de acordo com estudo feito pelo Ministério Público de Goiás, o índice de mortes violentas por repressão policial triplicou nos últimos anos. "É certo que os dados são distorcidos para apresentar à sociedade uma sensação de segurança. Todavia, o que se vê no dia a dia é uma sensação de medo da forma confrontativa", diz. 
 
Na visão do especialista, a repressão/supressão é a forma medicamentosa de tratar o problema da segurança pública. Porém, a criminalidade no Brasil, conforme pontua,  é um problema crônico que exige o tratamento na causa, não somente no sintoma (o crime). Segundo ele, por essa razão, a supressão de direitos não configura, necessariamente, uma projeção de resultados na redução da criminalidade. Pelo contrário, como apontam os próprios dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a supressão de direitos e garantias fundamentais somente fomentam uma sociedade com crimes mais violentos.
 
"Acontece que a bandeira da supressão ganha mais notoriedade na sociedade, que, por sua vez, busca resultados rápidos que segue a linha de raciocínio fundada no oportunismo político. Em contraponto, a ressocialização é um procedimento lento e burocrático que exige do Estado recursos e, obviamente, uma posição integradora para assegurar a reinclusão do apenado", arremata. 

Quem tem direito à saída temporária?
As pessoas encarceradas que têm direito à saída temporária são aquelas que estão no regime semiaberto, ou seja, que já podem deixar o presídio em algum momento para trabalhar, estudar ou para atividades que possam contribuir para sua reintegração social. A Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) reforça que a grande maioria já sai e volta dos presídios todos os dias.

A pasta ainda defende que em todas as saídas temporárias há novas pessoas saindo pela primeira vez para visitar seus familiares, para algum evento específico, mas isso tem que ser precedido de três elementos específicos: bom comportamento, cumprimento de determinado período da pena e compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.


(Foto: Conselho Nacional de Justiça - CNJ)
 
O detento que não retornar da dessa saída, na ocasião de recaptura, regressará para o regime fechado e terá direito a novo benefício semiaberto somente depois de 1 ano. Mesmo decorrido esse período, o registro da fuga pode dificultar o acesso ao direito novamente.

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