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Memórias

Estudantes de Comunicação ousaram há 50 anos

Relembre o I Encontro Nacional | 01.11.22 - 11:38 Estudantes de Comunicação ousaram há 50 anos Plenária de abertura do Encontrão (Foto: Álbum de Jales Naves) 
Especial para o AR

Goiânia - Implantado em 1968, o Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás, um dos primeiros no país, dispunha de uma Sala de Redação improvisada, com apenas cinco máquinas de escrever e três de fotografia; poucos professores com formação específica; um reduzido acervo de livros da área de Comunicação; e ainda não era reconhecido pelo Ministério da Educação. No depoimento de alunos, a UFG possuía equipamentos gráficos, como “off set”, mas o jornal laboratório era impresso em outra gráfica; a Rádio Universitária oferecia espaço; uma emissora de TV cedia 15 minutos semanais para alunos do 3° ano; e estavam filiados ao Diretório Acadêmico de Ciências Humanas e Letras, que os ligava ao Diretório Central dos Estudantes (único para Católica e Federal). O mercado de trabalho era limitado: dois jornais diários, duas estações de TV e nove emissoras de rádio, que não ofereciam estágio.

Esse quadro pouco estimulante, de 1972, constou do levantamento da situação das Escolas de Comunicação do Brasil feito quando da participação dos alunos goianos na IV Semana de Estudos de Comunicação, realizada em maio daquele ano pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. A situação os incomodava, quando começaram a lutar por melhorias na área, buscando mais informações e maior apoio para mudar essa realidade. O envolvimento ganhou corpo nessa Semana da ECA-USP, e se desdobrou em muitas reuniões, debates e definições. Dentre essas, a criação do Centro de Estudos de Comunicação (CEC), no âmbito da UFG, que mobilizou os estudantes da área em Goiás.



Como os problemas eram muitos e comuns, nessa Semana em São Paulo decidiu-se pela realização do I Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação, que apelidaram de Encontrão e ocorreria em setembro, em Brasília. Mas como não foi adiante, o CEC, recém criado, assumiu esse compromisso e deu sequência à proposta. Iniciativa ousada, diante do quadro político vigente, de restrições às liberdades, ao direito de manifestação e às reuniões, em clima tenso, o Encontrão aconteceu de 1º a 4 de novembro de 1972, em dependências do Colégio Estadual Presidente Costa e Silva, no setor Universitário, em Goiânia. Foram muitas as dificuldades e problemas, com resultado final positivo.
 
História
Os Cursos de Jornalismo são recentes no Brasil. O primeiro tem 75 anos e surgiu em 1947 a partir de orientação testamentária do jornalista, advogado e empresário Cásper Líbero, que se transformou na Faculdade que recebeu o nome de seu autor e funciona num dos edifícios símbolos de São Paulo, o “prédio da Gazeta”, na avenida Paulista. O segundo foi criado em 1948 pelo jornalista Danton Jobim – depois Senador –, que se constituiu na primeira faculdade pública de Jornalismo do país, na então Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro; ele inovou na prática jornalística, ao introduzir o lead, a pirâmide invertida.

No final dos anos 1960 os cursos de Comunicação estavam em evidência e eram muito disputados. Em Goiás, numa reivindicação conjunta da Associação Goiana de Imprensa e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado, o primeiro Curso foi iniciativa da Universidade Federal, em 1968. A primeira turma, de apenas quatro concluintes, formou-se em 1971.
 
Participação
Sentindo-se isolados, os estudantes de Jornalismo da UFG resolveram participar de reuniões em diversas regiões do país, onde se discutiam questões urgentes, como a situação dos cursos, a maior parte funcionando de forma precária, e dar sua contribuição à luta pela sua melhoria. Fundaram o CEC, começaram a promover estudos, debates e reflexões, quando sentiram a necessidade de inserir Goiás no cenário nacional.

A primeira iniciativa foi propor a realização do Encontrãem Goiânia, isso já no início do mês de setembro. Mesmo considerando a pouca experiência que tinham, pois o CEC estava sendo estruturado naquele momento, a complexidade que um evento dessa natureza representava, com problemas de toda ordem, e a violência do sistema de repressão, encararam o desafio de sediar esse encontro nacional.


Audiência com o presidente do CFE, Roberto Santos (Foto: acervo Jales Naves)

Tudo foi muito rápido. Em menos de dois meses um grupo reduzido, mas determinado, descentralizou o foco nacional das discussões estudantis e trouxe para Goiânia – correndo todos os riscos e enfrentando todos os obstáculos que se colocavam – o I Encontro Nacional de Estudantes de Comunicaçãorealizado em novembro de 1972. Mais de 300 estudantes, professores e profissionais de todo o país discutiram os problemas da área e apresentaram propostas de solução.

Aconteceu de tudo. Debates acalorados, relatos mostrando dificuldades de toda ordem e até alguns colegas que aproveitavam o momento para todo tipo de protesto, nas mais diversas formas, causando certo desconforto aos organizadores, mas tiveram seu direito assegurado e levaram adiante suas reivindicações.

“Era a nossa contribuição à luta pela melhoria das condições de ensino e pela organização política dos estudantes”, afirmou o jornalista Jales Naves, que presidia o CEC e dirigiu o Encontrão. “Não foi fácil. Coordenador-Geral da Comissão Organizadora do evento, tive que me desdobrar para conseguir levar adiante a proposta. Éramos poucos, todos igualmente com muitas atividades, pois estávamos concluindo o Curso naquele ano e buscando oportunidades no restrito mercado de trabalho. Não tínhamos tradição em discussões mais amplas, diante do número reduzido de estudantes do Curso, e na organização de evento dessa magnitude, ainda mais num momento de muita tensão política”, explicou.

Além do Coordenador Geral, que era do quarto ano, integraram a Comissão que realizou o evento: dois vice coordenadores – de imprensa, Ronaldo Pedroso de Moraes (1º ano), e de administração, Modesto Lopes dos Santos (4º ano); secretário-executivo, Ronaldo Martins de Almeida (1º ano); tesoureiro, Luiz Antônio de Alvarenga Freire (2º ano); e coordenadores de seis comissões: de Alimentação, Jane Jorge Sarques (3º ano); de Finanças, Maria Beatriz Ribeiro Costa (2º ano); de Programação, Leila Daher (4º ano); de Transportes, Thereza Christina de Moraes Lobo (4º ano); de Alojamento, Maria das Graças Cruvinel (2º ano); e de Relações Públicas, Iolanda Barbosa Lima (3º ano).
 
Situações complicadas
Conscientes de suas responsabilidades, mas sem o devido preparo e estrutura para a dimensão do encontro – o primeiro depois da intensa repressão policial às atividades e às entidades estudantis – os organizadores conseguiram resolver todas as pendências e acabaram passando por situações complicadas.

“Uma delas aconteceu comigo. Lembro-me vagamente de um colega, vindo do Rio de Janeiro, que foi um dos primeiros a chegar, antes mesmo da data convencionada, e se dirigiu diretamente para a minha casa, no bairro de Campinas. Não tínhamos uma estrutura de apoio e nem como saber quem estava se apresentando. Bem falante e simpático, ele chegou, mostrou suas credenciais em nome de uma entidade estudantil daquele estado e logo se acomodou, enturmando-se com facilidade. Participava de tudo, dava opiniões e conquistou a todos. Já no segundo ou terceiro dia do encontro, a surpresa: alguém informa que ele tinha ido embora, sem se despedir. Nesse momento ficamos sabendo de sua identidade real: era um militar das Forças Armadas, enviado para espionar as atividades, suas lideranças, relatar as nossas ações etc., mas que, na convivência e no envolvimento que teve, conhecendo nossos propósitos, acabou por desistir de sua missão e voltar antes do fim do Encontrão”, recordou Jales Naves.

Outra, referia-se aos carros da polícia que, vez por outra, passavam no entorno do então Colégio Universitário (Colu)no Setor Universitário, que foi cedido para a realização do evento. “Era uma intimidação, para informar que estavam por perto, mas não desceram, pelo menos os fardados. Sem farda é possível que tenham comparecido muitos”, explicou.

Integrante da Comissão Organizadora, Luiz Antônio de Alvarenga Freire lembrou-se de um episódio que repercutiu muito. Foi quando os alunos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, “num ato que diziam ser de protesto, decidiram sair seminus, apenas cobrindo seus corpos com rolos de papel higiênico, da praça Universitária e descendo pela avenida Universitária e rua 10 até a praça Cívica. Criaram alvoroço por onde passaram”, afirmou.
 
Encontro positivo
“O Encontro foi positivo, abriu oportunidade ao diálogo franco e aberto, propiciou o conhecimento da real situação das universidades brasileiras nessa área naquele momento e serviu para a indicação das propostas de solução”, enfatizou Jales Naves.

'Documento de Goiânia', com as principais reivindicações levantadas no debate, foi entregue, pela Comissão Executiva Nacional Provisória, ao então ministro da Educação, Jarbas Passarinho, e ao presidente do Conselho Federal de Educação, Roberto Santos, em audiências especiais no gabinete de cada um em Brasília.

“Concluído o Curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, deixamos a Universidade, não tivemos maior relação com a instituição, nem como acompanhar as providências adotadas, para saber o que foi feito. Também com relação ao Centro de Estudos de Comunicação não tivemos mais informações sobre o fim que teve, o incipiente acervo que organizou e se houve sequência”, completou Jales.
 


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