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Especial

"Meu pai tem nome": uma oportunidade de restabelecer vínculos importantes

Projeto reconheceu 245 paternidades em Goiás | 14.08.22 - 08:00 "Meu pai tem nome": uma oportunidade de restabelecer vínculos importantes (Foto: Pixels)
Ludymila Siqueira
 
Goiânia – “Cresci sem a presença do meu pai. Apesar de ter o reconhecimento dele na certidão de nascimento, só fui conhecê-lo pessoalmente aos 16 anos. Hoje, não temos tanto contato, mas encontrá-lo foi uma oportunidade de estabelecer um vínculo importante entre nossas vidas.” Este relato é de Samara Rodrigues, de 25 anos, ao A Redação. Realidade diferente dos mais de 57 mil recém-nascidos nos primeiros quatro meses deste ano registrados sem o nome do pai no Brasil. É o maior número de bebês identificados somente com o nome da mãe nos cartórios brasileiros.

Os dados são da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) e obtidos a partir do Portal da Transparência do Registro Civil. De janeiro a abril de 2022, foram 56,9 mil bebês com mães solo, o maior número em comparação com o mesmo período de anos anteriores. De acordo com o levantamento, em 2018, foram 51,1 mil recém-nascidos somente com o nome materno No ano seguinte, 56,3 mil. Em 2020, o número diminuiu e passou para 52,1 mil. Em 2021, 53,9 mil crianças não tiveram o pai reconhecido na certidão de nascimento. 
 

Brasil tem 5,5 milhões de crianças sem registro do pai na certidão de nascimento (Foto: Breno Esaki/Agência Saúde)
 
Conforme as regras determinadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), caso o pai não queira reconhecer o filho, a mãe pode indicá-lo com genitor no cartório, que deverá comunicar o fato aos órgãos competentes para início do processo de investigação de paternidade.

No entanto, o reconhecimento de paternidade pode ser feito gratuitamente por meio da Defensoria Pública, onde, na maioria dos casos, não é preciso entrar com ação na justiça. "Temos a absoluta compreensão da relevância da paternidade no registro civil. Para além do nome no registro, tão relevante para o Projeto Meu Pai Tem Nome, mais do que eventualmente do próprio registro civil, é como esse reconhecimento se dá: respeitando plenamente o protagonismo das partes envolvidas, com a participação inegociável das crianças e dos adolescentes", ressalta o subdefensor público-geral para Assuntos Administrativos em Goiás, Tiago Gregório, em entrevista exclusiva ao jornal A Redação.
 
Ele, que também é coordenador do projeto, explica que as partes envolvidas participam de todo o processo. "Eles são convidados, eles vão estar sentados na mesa de mediação enquanto sujeitos de direitos e ali, mais do que o registro civil, é o reconhecimento da sua antecedência, da sua ancestralidade, a tutela da sua personalidade e, evidentemente, isso tem repercussões de ordem financeira na medida em que o reconhecimento da paternidade permite a pensão alimentícia, o direito de herança, a própria tutela do cuidado e da proteção", complementa. 

Uma oportunidade de criar vínculos

Em três edições itinerantes realizadas em Goiás, sendo a última em março deste ano, o programa Meu Pai Tem Nome reconheceu 245 paternidades, que envolveram 617 pessoas. Entre as demandas, 71,2% ocorreram por reconhecimento de vínculo biológico; 28,16% por reconhecimento de vínculo socioafetivo/adoção e 8,16% foram de reconhecimento de multiparentalidade.

Além disso, das demandas atendidas, 23,67% dos casos foram necessários exames de DNA; 13,87% se tratava de reconhecimento pós óbito; 10,61% envolveram pessoas em privação de liberdade (sistema socioeducativo, internação hospitalar, unidade prisional, comunidade terapêutica, etc) e 13,78% de reconhecimento após a morte.


(Foto: Dicom/DPE-GO)
 
Ao AR, Gregório afirma que os atendimentos não ocorrem somente no âmbito do Projeto Meu Pai Tem Nome. A população pode procurar a Defensoria Pública para assistência. Sendo assim, qualquer cidadão que resida, por exemplo, nas comarcas atendidas pela Defensoria Pública, tem o direito de assistência jurídica para reconhecer a paternidade, seja ela biológica, socioafetiva, multiparentalidade ou pós morte. O órgão funciona de segunda a sexta, eventualmente até no plantão, para situações de urgência para acolher esse tipo de demanda.
 
O Projeto Meu Pai Tem Nome tem como diferencial 
o contexto em que a Defensoria Pública vai até as comunidades
fazer uma interlocução mais próxima com a comunidade local,
definindo outras estratégias de alcance da população
em situação de vulnerabilidade. 
(S
ubdefensor público-geral para Assuntos Administrativos em Goiás, Tiago Gregório)

O projeto tem a 4ª edição prevista para o início de outubro, próximo ao dia das crianças. "Mas, provavelmente, com uma deflagração prévia no mês de setembro, em que a gente conversa com as comunidades em vulnerabilidade previamente para definir os locais de mediação."

Rede de apoio
No âmbito do Meu Pai Tem Nome, assim como na atividade ordinária da Defensoria Pública, após um reconhecimento de paternidade celebrado ou judicializado é possível o acompanhamento das famílias, tanto no jurídico como no socioassistencial. É o caso da demanda da pensão alimentícia e do direito de herança, por exemplo.

Também é possível esse acompanhamento socioassistencial na medida em que o Centro de Atendimento Multidisciplinar direciona essa demanda para a rede de proteção, como Centro de Referência da Assistência Social (Cras), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e os próprios Conselhos Tutelares.

"Em regra, não há, eventualmente, essa necessidade de acompanhamento. Sobretudo, com um volume tão expressivo da paternidade socioafetiva, muitas situações em que o pai não é o pai biológico, mas socioafetivo, já manifesta afeto, carinho, vínculo evidente de paternidade e filiação, de forma que não há a necessidade desse acompanhamento socioassistencial, posteriormente", pontua o subdefensor. 

Como funciona
De acordo com Gregório, a Defensoria Pública faz uma reunião com a rede de proteção, com alguma associação que mantém interlocução com a comunidade vulnerável, com lideranças comunitárias, definindo quando serão realizadas as mediações e conciliações do Dia D do programa Meu Pai Tem Nome. A recepção dessa demanda se dá de forma presencial, virtual ou híbrida, e define o local de realização das mediações e quem seriam os mediadores entre os próprios líderes comunitários. 

"As demandas vêm até a Defensoria Pública, eventualmente, se direciona quando é necessária a solicitação do exame de DNA, com o custeio pela Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), que é nossa parceira neste projeto. As demandas são recebidas e registradas com toda cautela para resguardo da legislação necessária, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), por exemplo", pontua. 
 

(Foto: Dicom/DPE-GO)
 
O coordenador do programa ainda explica que, "na sequência, é expedido um convite à mediação, então esse pai não vai ser citado, ele não vai ser notificado. Isso porque não há um ambiente de 'melindre' com esse homem desde início, pelo contrário, a expressão legal inclusive é o convite à mediação. Ele recebe um convite feito pela Defensoria Pública para que esteja presente no Dia D escolhido por esta comunidade". 
 
"No Dia D, reunimos todos os casos a partir da identificação feita pela comunidade e conduzimos à solução extrajudicial. Em 90% dos casos a gente tem tido êxito na composição amigável consensual, ainda que, eventualmente, algumas dessas demandas tenham que ser judicializadas. Por que, em alguns casos, por exemplo, é só o Judiciário que pode determinar o reconhecimento da paternidade, como é o caso do póstumo. O consenso realizado junto à Defensoria Pública tende a agilizar absolutamente o processo judicial", finaliza o subdefensor público-geral para Assuntos Administrativos em Goiás, Tiago Gregório, em entrevista exclusiva ao jornal A Redação.
 






 

 


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