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Homenagem à mulher goiana

Miguel Jorge mostra trajetória de Marietta Telles Machado

"Éramos verdadeiros amigos", disse | 24.10.21 - 11:16 Miguel Jorge mostra trajetória de Marietta Telles Machado Miguel Jorge fala sobre Marietta Telles Machado. (Foto: Miguel Jorge)

Jales Naves
*Especial para A Redação

Goiânia - Mulher delicada, íntegra, absoluta, leal em sua palavra de mulher e de escritora que honrava o Grupo de Escritores Novos (GEN) e, por ele, “projetava a nossa poesia e nossa prosa ainda sobressaltada e nascente”. Assim o escritor Miguel Jorge, da Academia Goiana de Letras, descreveu Marietta Telles Machado (Beca), ao falar na mesa redonda, em homenagem à mulher goiana, promovida pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult-Goiás), por meio da Biblioteca Estadual Pio Vargas e do Museu da Imagem e do Som, na quarta-feira, dia 20, no Centro Cultural Marietta Telles Machado.
 
Defensora ferrenha dos direitos da mulher, sobre elas escreveu vários contos. Como destacou, ela consta de uma dezena de antologias de prosa e verso, e é verbete de vários dicionários de literatura em Goiás e de fora do Estado, como no livro “Ensaístas Brasileiras”, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento Araújo. Foi tema de estudos para escritores, como Wendel Santos, Nelly Novaes Coelho, Nelly Alves de Almeida, Geraldo Coelho Vaz, José Fernandes e outros.
 
Merecidamente, como disse Miguel, o Centro Cultural localizado na Praça Cívica, em Goiânia, construído em 1933 “no estilo art déco, leva seu nome. Também foi batizada com o nome de Marietta Telles Machado a Biblioteca que fica na Praça Universitária. As homenagens feitas a ela baseavam-se sempre na qualidade de seus escritos, contos, crônicas, ensaios e literatura infantil, em seu trabalho como bibliotecária, em sua personalidade de comportamento jovem e atuante que reuniam especulações de alto nível e de todo um esquema filosófico no desenvolvimento da “consciência humana”.
 
Citou a escritora Maria Helena Chein, para quem Marietta “deixou-nos um legado literário que tem a grandeza do seu talento e criatividade. A mulher inteligente e cheia de sentimentos aforava-se em cada porção de sua vida, como filha, irmã, amiga e em todas as escolhas feitas nas diversas áreas da literatura, onde atuou com dedicação. Conviveu com a palavra, instrumento maior do escritor, com os personagens, histórias, os dramas e a saga do ser humano, que a cada dia ousa ser o que é, e o que deve fazer, para justificar a acolhida neste mundo”.
 
O escritor Heleno Godoy, que também pertenceu ao GEN, disse que Marietta deixou duas contribuições importantes para a literatura em Goiás: a primeira, no gênero conto, com os livros “As Doze Voltas Dentro da Noite”, de 1970, e “Narrativas do Cotidiano”, de 1978. Dentre eles dois contos merecem ser lembrados, por serem exemplares: “A doméstica” e “Memórias no asilo”. Sua segunda contribuição foi no campo da literatura infantil e juvenil, com alguns dos livros mais importantes do gênero em nossa literatura, enfatizando dois exemplos: “O Burrinho do Presépio”, de 1983, e “O Congresso das Bruxas”, de 1985. Não podemos nos esquecer do teatro infantil que Marietta escreveu, como “A Traição nas Terrinhas do Coelho”, de 1984, inúmeras vezes montada nos palcos goianos. Beca foi uma escritora muito importante em nossa literatura. Pena que tenha partido somente com 54 anos. Grande perda para Goiás e sua literatura”.
 
Trajetória
Marietta Telles Machado, como relatou Miguel Jorge, passou a infância e fez os estudos primários na cidade em que nasceu, Hidrolândia, GO. Transferindo-se para Goiânia, cursou o ginasial, foi interna no Colégio Santa Clara. Depois, o clássico no Liceu de Goiânia, e sua vida literária manifestou-se nos jornais estudantis desse colégio. Ela fez os cursos de Direito e Letras Vernáculas na Universidade Federal de Goiás.
 
“Éramos amigos verdadeiros, de compromisso com as letras. As conversas sobre livros, bibliotecas, passar horas e horas sem ser vencidos pelo cansaço, falando sobre o GEN, sobre a nossa literatura, descobrindo personagens no voejar de um pássaro, em uma nuvem cruzada por raios de sol, em alguma pessoa que nos contasse causo interessante de sua vida”, afirmou.
 
Bibliotecas
Miguel recordou que, como bibliotecária e seguidamente bolsista de várias instituições, Marietta viajou pelo Brasil e pelo mundo, fazendo cursos de especialização, “trazendo em sua bagagem os mistérios, as ruas cruzadas por gente, certamente desconhecidas, mas com real possibilidade de serem registradas em suas anotações de viagem”. “Beca pensava nas crianças, nas carroças puxadas por um burro seguindo estrada a fora, nas árvores ressequidas, nos rios. Amava o rio Araguaia, que em meu poema chamei de ‘Meu mar’”, acrescentou.
 
Foi ela quem liderou movimento para a criação do Curso de Biblioteconomia na UFG, em 1980, além de fundar a Biblioteca Central da universidade, de que fora diretora (1973-1981). Também organizou ou reestruturou bibliotecas de diversas faculdades, institutos e clubes. E foi Secretária de Cultura de Goiânia, de 2 de janeiro de 1986 até a data de seu falecimento, 28 de fevereiro de 1987.
 
Poesias
“Minha grande amiga, gostava de Drummond, de sua poesia, quando dizia da flor que nasce em meio ao asfalto; quando o poeta falava da mulher e seus reflexos de amor, no ‘Caso do Vestido’, da humilde humanidade de um leiteiro que trabalhava pelas madrugadas e foi confundido com um ladrão e atingido por uma bala”, afirmou.
 
“Nas horas ternas da manhã, ou da noite, falávamos de um todo, principalmente de poesia. Dos últimos livros lançados em São Paulo e no exterior. Falávamos dos primeiros romances lançados por Clarice Lispector que, como Rimbaud, descia às profundezas do eu, ou se quiserem, “um tempo no interno” e não saíam de lá impunemente. É uma espécie de profissão de fé marcada pela busca incessante de emoções, onde as fronteiras da razão e sonho estão sempre à prova”.

Foi ativa participante do GEN, grupo estudioso da modernidade e das vanguardas literárias vindas de todas as partes. “Sim, declinávamos sobre a poesia de Fernando Pessoa, multiplicado pelos seus heterônimos. Falávamos de Álvaro de Campos e de seu ‘Guardador de Rebanhos’, da ‘Tabacaria’: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. A parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”. E a gente falava de nossos sonhos. Do mundo. Do nosso mundo goiano, “visto através da janela do quarto”.

Beca falava de suas poetas preferidas: Emily Dickinson e seu lirismo confessional; gostava da poesia leve, amorosa de Cecília Meireles e de seu livro: “Flor de Poemas”. E Miguel falava dos “poemas duros e belos de João Cabral de Melo Neto, um de meus poetas preferidos”.
 
Ela falava “de nossos escritores”: de Violeta Metran, primeira mulher de Bernardo Élis e de seu primeiro livro de poemas: “Sempre Setembro”, de 1981. Violeta foi amiga e secretária da União Brasileira de Escritores, quando Miguel Jorge era presidente dessa entidade cultural. O livro de poemas de Violeta “saiu maduro, equilibrado, repleto de emoções vividas e sentidas em várias estações”, como disse Marietta.
 
Cora Coralina
Marietta falava dos méritos dos poemas de Cora Coralina e de suas premiações. “Compõe quase uma ode irregular e livre, em quatro partes: um brinde a essa mulher desassombrada, em sua casa de raízes tão profundas, que nem o rio raivoso conseguia arrastar. Mulher atemporal, de agora, nem de ontem, nem de amanhã – apesar de ter dito vir do século passado”. Despedaça dentro de si “tudo o que é velho e morto” em “Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais” e em meu livro de cordel”. Ai, desse modo, ressalta a realidade dessa escritora da casa velha da ponte. Foi o Grupo de Escritores Novos quem fez o lançamento de seu primeiro livro, no Bazar Oió, de Olavo Tormin, pois, segundo Cora, os escritores da sua geração não tomavam conhecimento de sua escritura.
 
Cora também esteve no I Festival de Mulheres nas Artes, de 3 a 12 de setembro de 1982, em São Paulo, e quando entrou no recinto foi aplaudida de pé pela seleta plateia e de profissionais da mídia, conforme relatou Ercília Eckel em seu estudo feito sobre Marietta Telles Machado. “Cora Coralina aplaudida de pé, sim, senhores. Marietta disse ter, nesta hora, um tremendo orgulho de ser goiana e amiga dessa extraordinária mulher”
 
Literatura infantil
Marietta trabalhou a literatura infantil e espalhou seus livros por diversas partes do país: “Encontro com Romãozinho”, de 1976; “O Congresso das Bruxas”, de 1978; “O Burrinho do Presépio”, de 1983; e “A Traição nas Terrinhas do Coelho”, de 1984.
 
Também fazia comentários críticos sobre os escritores goianos, quando falou sobre o livro “Do Olhar e do Querer”, de 1974, de Maria Helena Chein, “uma das vozes mais fortes da lírica e da prosa em nosso Estado”. São quatorze contos extraídos do cotidiano. “Fortes em suas propostas, diálogos e realismo amargo imposto pela vida. Com “Do Olhar e do Querer”, Maria Helena Chein “veio para ficar e enriquecer ainda mais a prosa e a cultura de Goiás”.

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