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Entrevista

Flúvia Amorim: “A gente sabe que a vida deve voltar. Mas com protocolos”

“Ainda não” é hora de tirar a máscara, afirma | 16.10.21 - 08:13 Flúvia Amorim: “A gente sabe que a vida deve voltar. Mas com protocolos” "Eu sei que todos estão ávidos para ter sua vida normal de volta... E a gente vem voltando as atividades de uma forma gradativa. A última atividade a retornar são os grandes shows" (Foto: Britto)
Augusto Diniz
 
Goiânia – “Eu sei que todos estão ávidos para ter sua vida normal de volta... E a gente vem voltando as atividades de uma forma gradativa”, relata a superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO), Flúvia Amorim. Mesmo ao reconhecer que as pessoas aguardam ansiosas pelo momento de retomarem tudo o mais parecido possível com o que era a vida antes da pandemia da covid-19, Flúvia observa que é preciso tomar cuidado para não cometermos os mesmos erros de outros países.
 
Ao ser perguntada pelo jornal A Redação sobre o momento já ter chegado para cair a obrigatoriedade do uso de máscaras, a superintendente responde sem titubear: “Ainda não. Até para não cometer o mesmo erro que alguns Estados americanos cometeram de tirar a obrigatoriedade da máscara e depois ter de retroceder porque houve um recrudescimento de casos”. 
 
Para Flúvia, a experiência norte-americana de abrir mão do item de proteção facial contra o coronavírus antes de atingir 80% da população com as duas doses da vacina deve nos servir de exemplo. “O que vimos de errado nesses locais? Eles ainda estavam com um percentual muito baixo de totalmente imunizados. Em alguns Estados dos Estados Unidos, o percentual dos que tomaram as duas doses ou a dose única da vacina estava em 50%”, avalia.
 
Na entrevista ao AR, Flúvia Amorim fala sobre a preocupação com as novas variantes, a eficácia das vacinas na redução de internações e mortes por covid-19 e o primeiro grande evento musical com capacidade autorizada de 15 mil pessoas, o show do cantor sertanejo Gusttavo Lima no dia 23 de outubro.
 
O show do cantor Gusttavo Lima contará com o maior público em eventos desde o início da pandemia: 15 mil pessoas. Como a Secretaria de Estado da Saúde avalia este momento? Quais são as precauções e preocupações com o show?
Nós temos acompanhado alguns eventos-teste em diferentes municípios. Um bom exemplo que tivemos em Goiânia foi o Bon Odori, com cerca de 2 mil pessoas. Os dados que a Secretaria Municipal de Saúde nos passou mostram um resultado positivo em relação à organização, sem repercussões posteriores negativas. 
 
E agora teremos o show, que é um evento com um público bem maior. Os protocolos são acompanhados pelo município, não é o Estado. Nós apenas trabalhamos em parceria com o município. O protocolo está sendo construído, ainda não finalizaram, pelo o que nos foi passado. E que vai seguir a vacinação. As pessoas vão ter de apresentar a carteira de vacinação. Os serviços não contarão com open bar. E a intenção é fazer como se fossem algumas células.
 
Uma das exigências é a de que o público use máscara PFF2 ou N95. Qual a importância de exigir esses modelos de proteção?
Eu sei que todos estão ávidos para ter sua vida normal de volta... E a gente vem voltando as atividades de uma forma gradativa. A última atividade a retornar são os grandes shows, com quase 1 ano e 8 meses sem funcionar. A gente sabe que a vida deve voltar. Mas deve voltar com protocolos. Estamos batendo muito nessa tecla.
 
Não dá para trabalhar como se a pandemia tivesse acabado. Nesse caso do uso da máscara, o porquê do uso da máscara? Porque sabemos que é uma máscara que tem uma eficiência boa. E mesmo sendo um local aberto – lá será ao ar livre –, sabemos que as pessoas vão ficar muito próximas. Por isso a necessidade dessa máscara. 
 
Por mais que a gente fale em distanciamento, a gente sabe que no momento do show as pessoas acabam se animando mais e ficando mais próximas. Por isso a necessidade dessa máscara. Não está se alimentando e não está bebendo? Coloque a máscara. 
 
"Ainda não. Até para não cometer o mesmo erro que alguns Estados americanos cometeram de tirar a obrigatoriedade da máscara e depois ter de retroceder porque houve um recrudescimento de casos" (Foto: Britto)


A média diária de mortes em Goiás por covid-19 tem variado de 20 a 27. Isso dá uma tranquilidade para dizer que o momento é de fato de retomada? 
Com certeza um momento muito melhor. Um dos melhores momentos que a gente já viveu desde o começo da pandemia. Para se ter uma ideia, chegamos a um momento em março a mais de 1 mil óbitos por semana. Chegamos de 150 a 153 óbitos por dia. Isso apenas o indicador óbito. Agora estamos com 20. Dá para ver a redução. Esse é um ponto importante.
 
Temos também uma redução das taxas de ocupação. Junto a isso um avanço na vacinação. O que nos leva a crer que, sim, estamos em um momento muito bom. Agora, um momento bom não quer dizer fim da pandemia. Não quer dizer isso. É possível voltar as atividades. Assim como retomamos as aulas, voltaram as atividades culturais menores, a gente pode retomar, sim. Mas ainda tendo protocolos, não só escritos, mas executados e monitorados. 
 
Não adianta falar que nós aplicamos todos os protocolos. Definitivamente, realmente foi aplicado? Foi monitorado, foi cobrado? É isso que a gente precisa.
 
Não resta dúvida sobre a eficácia da vacinação com o impacto na redução de casos, internações e mortes. O que a Secretaria de Estado da Saúde, juntamente com as secretarias municipais, pode fazer para resolver um problema que já está evidente, por exemplo, em Goiânia: chegou-se aos 83,5% de vacinados com a primeira dose, mas há dificuldade de avançar na imunização da população adulta? O que pode ser feito além dos postos fixos diários de vacinação?
Os municípios, em reuniões que temos feito, têm nos relatado que têm adotado algumas outras estratégias. Salas abertas aos finais de semana, em horários alternativos. Em algumas situações, eles levam a vacina até a pessoa para tentar resgatar os não vacinados. 
 
Entendemos que esses 376 mil goianos que não tomaram nenhuma dose e que têm mais de 18 anos são pessoas que realmente não querem se vacinar. Não é dificuldade de acesso. Não é porque não tinha vacina, porque não é a nossa realidade de hoje. É porque realmente não querem se vacinar. 
 
Em uma situação como essa, um evento que, obrigatoriamente, a pessoa tem que apresentar a vacinação, isso ajuda no resgate dessas pessoas. Mesmo que não seja por uma questão individual ou um pensamento coletivo, que seja para ela participar de algum evento, ela acaba se vacinando.
 
Como está a discussão para se adotar medidas em Goiás como vimos nos Estados Unidos, de demissão de profissionais de saúde que se recusaram a receber a vacina, ou no Rio de Janeiro, onde a visitação a espaços públicos depende da apresentação do certificado de imunização?
São decisões mais municipais porque são os municípios que fiscalizam, inclusive. Não adianta a gente impor algo no Estado sendo que podemos ter municípios que não vão concordar ou fiscalizar. O que temos recomendado é usar todas as estratégias possíveis para termos a maior cobertura vacinal possível. É disso que precisamos correr atrás.
 
Sendo estratégias legais – o passaporte da vacinação é uma estratégia legal, vários locais já têm utilizado –, os munícipios podem essas ferramentas para poder melhorar a cobertura vacinal. Cada município tem uma realidade diferente. Temos municípios que chegaram a praticamente 100% e que não precisam usar, por exemplo, o passaporte da vacinação. Já outros não, estão com mais dificuldade de avançar na aplicação da vacina.
 
De acordo com a realidade local, as estratégias se modificam. Mas elas devem ser utilizadas.
 
Na quarta-feira (13/10), chegou ao conhecimento da população o aumento de casos de contaminados com a variante delta do coronavírus em Goiás. A delta continua a ser uma preocupação?
As variantes sempre serão uma preocupação. O que temos visto da delta no Brasil – incialmente havia o medo de como a variante se comportaria no território brasileiro – é, por exemplo, o caso do Rio de Janeiro, que foi o nosso primeiro laboratório, vamos dizer assim, porque foi a primeiro cidade em que delta se tornou predominante. Depois vieram São Paulo e outros municípios. 

Vimos que, mesmo com a predominância de uma nova variante, não houve aumento de internações e óbitos. Era o que nós temíamos, os escapes vacinais. Quando a variante escapa da proteção da vacina. Felizmente, isso não se concretizou. Aqui em Goiânia ocorreu da mesma forma.

Em Aparecida de Goiânia e em Goiânia, a delta também já é predominante. Nós verificamos um crescimento em todo Estado dessa variante. No Estado, de uma forma geral, ainda não é predominante. Mas já temos municípios em que a delta é predominante e não vimos aumento de internações e de óbitos. O que mais uma vez só corrobora com o fato de que a vacina é realmente eficiente para o controle da doença.
 

"Entendemos que esses 376 mil goianos que não tomaram nenhuma dose
e que têm mais de 18 anos são pessoas que realmente não querem se vacinar.
Não é dificuldade de acesso. Não é porque não tinha vacina, porque não é a
nossa realidade de hoje. É porque realmente não querem se vacinar" (Foto: Britto)


 
Em maio, Nova York acabou com a obrigatoriedade do uso de máscara para pessoas vacinadas. Pouco tempo depois, no final de julho, os Estados Unidos voltaram a recomendar que mesmo os vacinados usassem máscara em locais fechados e áreas consideradas de risco de transmissão do coronavírus. Agora já vemos no Brasil a discussão se é ou não a hora de acabar com a obrigatoriedade do uso da máscara. Já chegamos a um ponto em que é possível discutir o assunto ou ainda está cedo?
Ainda não. Até para não cometer o mesmo erro que alguns Estados americanos cometeram de tirar a obrigatoriedade da máscara e depois ter de retroceder porque houve um recrudescimento de casos. O que vimos de errado nesses locais? Eles ainda estavam com um percentual muito baixo de totalmente imunizados. Em alguns Estados dos Estados Unidos, o percentual dos que tomaram as duas doses ou a dose única da vacina estava em 50%. 
 
Que isso nos sirva de exemplo! Estudos apontam que precisamos ter pelo menos 80% de imunização completa. A partir de 70% já começamos a ter um impacto positivo, mas que estejamos em pelo menos 80% de população totalmente imunizada para começarmos a pensar na flexibilização do uso de máscara. Um exemplo positivo que temos hoje é Portugal, que está com mais de 80% e começa agora a flexibilizar o uso de máscara em locais abertos.
 
E mesmo assim viveu várias medidas que variaram entre momentos mais brandos e outros mais rígidos no controle da população ao longo da pandemia.
Exatamente. 
 
Começamos a ver algumas discussões para a campanha de vacinação contra a covid-19 no Brasil em 2022, se deve-se adotar novamente duas doses ou apenas uma aplicação de reforço para toda a população. Já podemos falar em algo cientificamente ou politicamente estabelecido para o País no ano que vem?
O que foi anunciado pelo Ministério da Saúde até o momento é que está previsto para o ano que vem uma dose para pessoas mais jovens e duas doses para idosos e imunossuprimidos. Mas as evidências vão surgindo. Até lá, a ciência tem um caminho a percorrer porque outras evidências e estudos serão concluídos. Só então teremos uma ideia mais certa de como será a vacinação no ano que vem.
 
Qual é o total de pessoas que deixaram de tomar a primeira dose e quantos são os habitantes do Estado que não voltaram para receber a segunda dose da vacina contra a covid-19?
Nós temos hoje 376 mil goianos com 18 anos ou mais que não tomaram nenhuma dose. E temos mais de 500 mil pessoas no Estado de Goiás com a segunda dose atrasada.
 
É possível apontar quais seriam os motivos de a pessoa não voltar para receber a segunda dose?
Em reunião com os secretários municipais de Saúde, temos ouvido das buscas que as cidades têm feito que o não voltar ocorre porque a pessoa diz que recebeu uma mensagem falando que a segunda dose causa mais problemas ou que a segunda dose diminui a eficácia. Até isso já apareceu em redes sociais. As fake news têm atrapalhado muito.
 
Outro fator detectado é o da pessoa que acha que com uma dose só está bem e não precisa tomar a segunda dose, que bastaria uma dose, o que é um pensamento errado. Porque para ter proteção máxima contra a doença com Coronavac, Pfizer e AstraZeneca as pessoas precisam de duas doses.
 
Tem alguma situação ou informação que gostaria de acrescentar e eu não perguntei?
A meta de 80% da população completamente imunizada não é apenas um número, é algo que precisamos alcançar para voltarmos o máximo à nossa normalidade de forma mais rápida. O Brasil sempre foi modelo em campanhas de vacinação. E espero que sejamos modelo novamente. Porque capacidade de aplicação nós temos. O Brasil já mostrou isso. Mas precisamos que a população entenda a responsabilidade dela em todo esse processo. Não adianta ter vacina e gente para aplicar se as pessoas não forem se vacinar. E a vacinação não é um ato individual, também é um ato coletivo.
 
 

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