Augusto Diniz
Goiânia - “Sai da rua, filho da p...” Eu ouvi essa frase há duas semanas enquanto voltava para casa no final da tarde de um dia de trabalho em um dos quase dez quilômetros que percorro. Isso depois de escutar o ronco do motor do condutor que acelerou em ameaça para tentar me convencer a sair da frente de seu carro na pista da direita em uma avenida de Goiânia. Não foi apenas uma arrancada, foram três, até que o motorista aparentemente perdeu a paciência, jogou para a faixa da esquerda e aproveitou para me xingar enquanto me ultrapassava em alta velocidade.
A cena descrita aqui é corriqueira na vida de quem se aventura numa bicicleta pela cidade em trajetos como o meu, nos quais não há a existência de qualquer ciclofaixa, ciclovia ou ciclorrota. Nos quase dez quilômetros diários, a buzina impaciente de quem acha que ruas e avenidas não foram feitas para bicicletas é uma constante. Resta ao ciclista não se intimidar e se manter na metade da faixa direita da via. Quando se sentir inseguro, o jeito é andar no meio da via, como se fosse um veículo qualquer.
Até porque o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) define em seu artigo 29 que os veículos de maior porte devem preservar a integridade dos menores, dos ciclistas e pedestres nas ruas e avenidas.
A não ser que o condutor tenha fraudado o sistema e comprado a carteira de habilitação, ele deveria ter aprendido na aula de legislação de trânsito o que diz o parágrafo 2º do artigo 29 do CTB: “Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”.
Aliás, a conduta do motorista que me ameaçou no trânsito com seu carro está prevista no artigo 170 como gravíssima, com penalidade prevista de multa, suspensão do direito de dirigir, além da medida administrativa de retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação.
Donos da rua
Mas nada disso impede que parte dos motoristas de Goiânia se sintam donos da rua quando entram em seus carros particulares, muitas vezes acima da velocidade permitida na via, e joguem os veículos na direção dos ciclistas na tentativa de desobstruir a via para passar logo em sua extensão da propriedade privada.
Só para constar, vale lembrar o texto do parágrafo único do artigo 38 do CTB. “Durante a manobra de mudança de direção, o condutor deverá ceder passagem aos pedestres e ciclistas, aos veículos que transitem em sentido contrário pela pista da via da qual vai sair, respeitadas as normas de preferência de passagem.” Se tudo isso fosse seguido à risca por todos os motoristas da cidades, os números de ciclistas acidentados graves no trânsito do Estado não seriam tão alarmantes.
A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) compila anualmente os dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, referentes a acidentes de trânsito. E os ciclistas gravemente feridos nas vias da capital aumentaram em 240% entre janeiro e maio de 2021 na comparação com o mesmo período de 2020 em Goiás. O Estado registrou um salto de 169 colisões que envolveram bicicletas com ciclistas traumatizados no ano passado para 575 nos cinco primeiros meses de 2021. É o maior aumento percentual do País, acima dos 1123% registrados em Rondônia e 100% no Sergipe.
Os 406 acidentes de trânsito no Estado com ciclistas gravemente feridos chamaram a atenção da Abramet, que alerta para a situação preocupante de risco a quem anda de bicicleta nas ruas e avenidas de Goiânia, Belo Horizonte (MG) e Fortaleza (CE). O Dia Nacional do Ciclista, que caiu neste ano na última quinta-feira (19/8), não tem qualquer motivo para comemoração.
Chance maior de óbito
Fora a buzina, as ameaças de atropelamento e o desrespeito de parte dos motoristas e motociclistas, que nem sequer respeitam a distância lateral e frontal mínima de 1,50 metro (artigo 201 do CTB), que rende infração média e multa, o diretor técnico da Abramet, Flavio Adura, destaca que a probabilidade de um ciclista morrer em um acidente de trânsito é oito vezes maior do que um motorista de automóvel.
Eu me incluo na faixa etária que corre mais riscos no trânsito como ciclista. Pelos dados do DataSUS apresentados pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, aproximadamente 80% dos acidentados graves de bicicleta nas ruas e avenidas das cidades brasileiras são homens. Quando observamos a faixa etária de 60% dos casos, a idade também me pega: de 20 a 59 anos.
Em todo o Brasil, o aumento de acidentes graves com ciclistas foi de 30% entre janeiro e maio de 2021 na comparação com o mesmo período do ano passado. Só no primeiro mês do ano, o número saltou de 1,1 mil para 1.451 colisões da mesma natureza entre janeiro de 2020 e o mesmo mês deste ano. “Esses dados demonstram a importância de termos atenção e iniciativas focadas nesse público. O uso da bicicleta cresceu no Brasil e exige uma abordagem de prevenção ao sinistro”, descreve Antônio Meira Júnior, presidente da Abramet.
Deixado de lado
Para o diretor técnico da associação, o ciclista foi deixado de lado como ‘objeto de políticas de prevenção” frente ao pedestre. “Percorrem ruas e estradas, partilhando espaço com veículos pesados e, muitas vezes, sequer sendo percebidos”, aponta Adura. Enquanto isso, eu e outros ciclistas encaramos diariamente o trânsito entre uma fechada em um cruzamento, uma buzinada na esquina seguinte, uma ultrapassagem em alta velocidade no quarteirão da frente de veículos que passam colados à bicicleta e outra ameaça de atropelamento na próxima avenida.