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Leia análise dos filmes exibidos na quarta (3) | 04.07.13 - 14:31
Curta italiano I Morti di Alos, inspirado por Edgar Allan Poe, resume história do capitalismo tentacular em 30 minutos (Foto: reprodução) Fabrício Cordeiro
Especial para o AR
Goiás - Até mesmo por estarem sujeitos a um modus operandi da produção televisiva, os episódios de seriados costumam aparecer no FICA como se seguissem um manual de redação a partir da adequação ao tema. Expédition Grand Rift (FRA) e Somos Um Só (BRA) figuraram com capítulos didáticos, informativos e ambientais, inaugurando as primeiras duas horas da Mostra Competitiva, talvez para que apenas cumpram o papel de apresentar algumas das questões motoras do festival.
A distinção entre a modernidade/urbanidade e civilizações ainda não capturadas pelo progresso é certamente um debate constante por aqui, observados com mais interesse pelas exibições seguintes, a começar pelo curta-documentário goiano Boiúna, de Maurélio Toscano, estudante do curso de Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás, em que, no diálogo entre seus dois últimos planos, nos rostos de dois indígenas do Amazonas, há a revelação de uma vergonha atual do Brasil, talvez num dos desfechos mais inspirados a passar no Cine Teatro São Joaquim este ano.
O outro documentário goiano selecionado para a Competitiva, Dona Romana e o Grande Eixo da Terra, de Paulo Rezende, também foi exibido na primeira tarde de programação. Logo de início, o curta nos traz Dona Romana, mulher de crença em Deus e no destino, porta de entrada para um universo místico muito pessoal que Rezende lapida para fazer dessa senhora uma personagem minimamente curiosa, indo além de uma mera postura de apresentar um sujeito interessante ao mundo ou mesmo sua arte.
Dona Romana nasce de uma atmosfera criada pelo documentário, que se defende muito bem de qualquer maior esforço em racionalizar e resumir esta figura como só uma doida que diz escutar vozes e receber ordens espirituais para que seja uma das responsáveis pela manutenção da vida terrestre e do eixo do planeta. Apesar de inserções de um garoto pesquisando na internet destoarem do todo, são 20 minutos que parecem ter algo de estranho ali. O envolvimento é bom.
Curta
O feel good movie do dia ficou a cargo da produção estadunidense Carbon for Water, curta-metragem inicialmente amargo, a respeito da rotina de mulheres quenianas que desde muito cedo devem buscar e carregar pilhas de madeira para que possam ferver a água a ser bebida.
O impasse é logo identificado no fato de a constante necessidade de madeira auxiliar o desmatamento local, problema solucionado na segunda metade da projeção, que a partir deste momento lembra uma peça publicitária do projeto social que intitula o filme: por cinco semanas, uma grande equipe tem a missão de levar um filtro de água a 900 mil moradias do oeste do Quênia, ensinando os residentes a utilizar o novo mecanismo.
Esses rumos finais agem como um passe de mágica que, agora ritmado por uma trilha devidamente alegrinha, plantam aquela desconfiável sensação de “podem ficar calmos, está tudo bem”. Ao final, fotos de famílias sorridentes segurando o filtro surgem como que para atestar missão cumprida. O festival é repleto de boas intenções como essa, algumas muito louváveis, mas na tela Carbon for Water termina por lembrar um quadro assistencialista do Caldeirão do Huck.
Após intervalo de meia-hora, o curta italiano I Morti di Alos, de Daniele Atzeni, ignora qualquer traço de doçura da programação até então e, inspirado por Edgar Allan Poe, basicamente resume a história do capitalismo tentacular em 30 minutos. No timbre de um narrador-personagem fatalista, sobrevivente da pequena vila de Alos, que nos relata o destino dos moradores locais, testemunhamos aqui algo extremamente apocalíptico, espécie de conto macabro com notas de rodapé marxistas. Montado com materiais de arquivo e filmagens do vilarejo abandonado, conjunto de muros vazios e silenciosos, Atzeni fez disso aqui um trem fantasma dos bons. A última imagem, depois dos créditos finais, é impressionante.
Por fim, O Som ao Redor, cuja presença no festival chegou a ser questionada, na dúvida se seria ou não uma “produção ambiental”. É no mínimo uma discussão nova para filme já tão premiado e discutido, e o cineasta Pedro Novaes, em texto publicado na revista Janela já fez a melhor defesa que o longa poderia ter nesse sentido.
Em grande parte, Kleber Mendonça Filho traz em O Som ao Redor um lamento pela urbanidade ansiosa e descompromissada, algo como um crescente abismo invertido que cerca a todos sem que se perceba de imediato. Em alguns momentos, é um filme sob a perspectiva de prédios e muros, concretos plantados pela história de nossas terras e cercas.
A crítica de O Som ao Redor pode ser conferida aqui:
Na manhã de domingo, o filme será exibido em sessão especial e debatida pelo diretor Kleber Mendonça Filho e por Ismail Xavier, professor doutor da USP.