Victor Santos
Goiânia - Com a obrigatoriedade da implementação do reconhecimento biométrico a partir de 2025, imposta pela Lei Geral do Esporte (Lei 14.597), os clubes de Goiânia já se movimentam para atender à nova regulamentação. A lei determina que estádios com capacidade superior a 20 mil pessoas adotem a tecnologia, mas, mesmo não se enquadrando nesse critério, os times da capital goiana decidiram acompanhar a tendência observada em outras regiões do país. O Goiás, por exemplo, já utiliza o sistema há dois anos, enquanto Atlético-GO e Vila Nova iniciam o processo de adequação para a implantação da tecnologia.
Para entender melhor as implicações dessa medida, a reportagem do jornal A Redação conversou com especialistas em segurança e gestão esportiva. Os entrevistados destacaram os principais benefícios da biometria facial, como o aumento da segurança, a facilitação do acesso aos estádios e a possibilidade de personalizar a experiência do torcedor. No entanto, também foram abordadas as preocupações relacionadas à privacidade dos dados e à necessidade de investimentos em infraestrutura.
Na capital goiana, os estádios oferecem uma variedade de capacidades de ocupação para atender diferentes eventos esportivos e culturais. O maior deles é o Estádio Serra Dourada, com capacidade para 50.049 torcedores, seguido pelo Hailé Pinheiro (Goiás), que comporta 14.450 pessoas. Já o Estádio Olímpico pode receber até 13.500 espectadores, enquanto o Antônio Accioly (Atlético-GO) tem espaço para 12.089, e o Estádio Onésio Brasileiro Alvarenga (Vila Nova) comporta 11.788 pessoas. Esses espaços desempenham um papel fundamental no cenário esportivo local, especialmente no futebol goiano.
Goiás
O Goiás foi o primeiro time do Brasil a adotar o sistema de reconhecimento facial, que foi implantado no estádio Hailé Pinheiro em outubro de 2022. A tecnologia monitora o acesso a todos os setores, desde imprensa até equipes visitantes, garantindo a identificação de 100% das pessoas que entram.
Em nota, o clube afirmou que “a inovação trouxe melhorias significativas em segurança e praticidade”, além de reduzir filas e eliminar a necessidade de documentos físicos. O sucesso fez com que outros times buscassem o Goiás como referência para adotar soluções semelhantes. Após dois anos de uso, o clube avalia o sistema de forma positiva, destacando a segurança e eficiência para torcedores e organizadores.
Catracas no estádio Hailé Pinheiro, casa do Goiás (Foto: Goiás E.C.)
Atlético-GO
O Atlético-GO entra na era do reconhecimento facial com o primeiro teste programado para o jogo contra o Vitória, neste sábado (14/9). “Já estamos cadastrando os torcedores que compram ingressos online, que só é possível via reconhecimento facial”, informou o clube. O objetivo é garantir um ambiente seguro e moderno para os torcedores.
O Atlético-GO também pretende combater o cambismo, uma prática que o sistema inibe, já que a entrada será restrita ao rosto cadastrado. “Um rosto por CPF”, ressaltou a assessoria do clube.
Catracas no estádio Antônio Accioly, casa do Atlético-GO (Foto: Ingryd Oliveira)
Vila Nova
O Vila Nova está em fase de implantação do sistema de reconhecimento facial no estádio Onésio Brasileiro Alvarenga (Oba). O clube já testou o sistema no setor A e espera implementá-lo em breve em todos os setores. "Tudo bem adiantado”, informou o Tigrão.
Catracas no estádio Onésio Brasileiro Alvarenga, casa do Vila Nova (Foto: Vila Nova F.C.)
Lei Geral do Esporte
O artigo 148 da Lei Geral do Esporte exige que estádios com capacidade superior a 20 mil pessoas utilizem monitoramento por imagem e identificação biométrica, com prazo de dois anos a partir de junho de 2023.
O advogado Paulo Pinheiro, presidente da da Comissão de Direito Desportivo da OAB/GO, explicou que a fiscalização inicial deverá ser feita pelo Procon e pelo Ministério Público, além de estar presente nos regulamentos das competições.
Pinheiro comentou ainda sobre a recusa de torcedores em se cadastrar. “Quem não atender à exigência não terá acesso ao estádio”, afirmou.
Paulo Pinheiro, presidente da Comissão de Direito Desportivo da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB/GO)
Ministério Público de Goiás
Segundo o promotor Sandro Henrique Silva Halfeld Barros, coordenador do Grupo de Atuação Especial em Grandes Eventos de Futebol (GFUT) do Ministério Público, apenas o estádio Serra Dourada é obrigado a seguir a lei em Goiás, em razão da capacidade de público, mas os clubes estão aderindo voluntariamente devido aos benefícios. A tecnologia ajuda a inibir a entrada de foragidos da justiça e impede a ação de cambistas.
“O Goiás implementou e, obviamente, está colhendo os frutos desta implementação. O Atlético e o Vila Nova perceberam a experiência exitosa do Goiás na Serrinha", destacou.
O promotor reforçou as vantagens da tecnologia do ponto de vista da Segurança Pública. “O primeiro fato é que quem tem problema com a justiça se afasta do estádio automaticamente. Quem deve pensão alimentícia, quem deve algum processo em algum crime e quem está em dívida com a justiça não quer participar de um estádio onde elas sejam identificadas ao entrar”, afirmou.
O promotor analisou, ainda, que a identificação de torcedores que se envolverem em qualquer tipo de confusão nos estádios pode livrar os times de punições esportivas. “Se acontece algum incidente dentro do estádio, o clube identifica a pessoa claramente. A partir do momento em que o clube, quando tem alguma confusão, identifica o torcedor que fez a coisa errada, o time se livra da punição esportiva”, reforçou em entrevista ao AR.
Lei Geral de Proteção de Dados
O advogado Murillo Simiema Campos alerta para os direitos dos torcedores garantidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que exige consentimento claro e informado para o uso de dados biométricos. “O torcedor pode recusar o cadastramento, e os clubes devem esclarecer como esses dados serão usados”, afirmou.
A LGPD garante o direito à revogação do consentimento a qualquer momento, e o titular dos dados não pode ser forçado a fornecer dados pessoais, como a imagem facial, se não desejar. (Lei 13.709/18, art.8, parágrafo 5º).
Para o advogado, “a Lei Geral do Esporte (LGE) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) podem entrar em conflito se a LGE obrigar o uso de reconhecimento facial de uma forma que não esteja totalmente alinhada com os princípios e direitos estabelecidos pela LGPD". "Será necessário que os clubes, ao utilizar um sistema de reconhecimento facial, se comprometam a investir em sistemas de gerenciamento de dados apropriados, que possam responder às solicitações de acesso do titular dos dados”, analisou.
Murillo Simiema (Foto: Acervo pessoal)
Murillo Simiema ainda salientou a forma como os clubes tratam o reconhecimento facial e os cuidados que devem ser tomados. “O que se constata, na atualidade, é que grande parte dos clubes de futebol estão incentivando ou até vinculando a compra de ingressos para eventos ao cadastramento da biometria facial. Mas esse ponto merece atenção, pois o torcedor faz a cessão obrigatória dos seus dados pessoais, mas ele não tem clareza sobre as distintas possibilidades de uso dessas informações. Isso porque não são apresentados os órgãos públicos e as empresas que têm acesso a elas. Assim, caberá aos clubes o dever em comunicar essas questões de forma clara e acessível aos torcedores", alertou.
“Importante acrescentar também que o uso de câmeras com a tecnologia de reconhecimento facial em estádios de futebol pode violar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quando realiza a coleta dos dados de menores de 18 anos, sem o devido tratamento e autorização”, finalizou.
Polícia Militar
A Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO) apoia o uso da tecnologia para garantir a segurança nos estádios. “Tecnologias como o reconhecimento facial têm se mostrado eficazes na identificação de suspeitos e prevenção de crimes”, disse por meio de nota. "O emprego dessas inovações contribui para tornar o ambiente esportivo mais seguro para torcedores, atletas e todos os envolvidos”, completou.
Torcedores
Josemar Póvoa, torcedor do Goiás, acredita que a tecnologia trará mais segurança aos frequentadores de estádios. “se realmente conseguirem colocar esse sistema, vai ser possível prevenir a entrada de pessoas que estão foragidas, por exemplo, e que vão com segundas intenções pro estádio e acabam gerando mais brigas entre as torcidas”, afirmou.
A torcedora do Atlético-GO Renata Silva também gosta da ideia do reconhecimento facial nos estádios. "Eu acho que tem a questão da segurança. Meio que você vai obrigar aquelas pessoas a se identificarem para entrar no estádio, então talvez isso ajude a reconhecimento de casos de racismo e também de homofobia nos estádios. Então, de certa forma, eu acredito que seja uma coisa boa”, comentou.
Opinião compartilhada também por Luciano Vieira, torcedor do Vila Nova. "Tudo para garantir a segurança das pessoas de bem. Talvez com essa medida as pessoas voltem a frequentar os estádios com suas famílias. Ainda há esperança", arrematou.
A reportagem entrou em contato com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mas não obteve retorno.