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Economia criativa

A arte que se multiplica e gera renda em Goiás

Idealistas mostram que é possível empreender | 05.08.14 - 01:26 A arte que se multiplica e gera renda em Goiás Circuito Câmera Cotidiana capacita multiplicadores e faz do Cinema uma oportunidade (Foto: divulgação/Câmera Cotidiana)
Nádia Junqueira

Goiânia - 
Daquelas ideias que passam pela cabeça, mas parecem ser utópicas demais. Depois, a ideia começa a ser compartilhada com outras duas, três, dezenas de cabeças. O pensamento ganha forma, cara, nome, estrutura, planejamento e, depois, credibilidade. Por fim, ele se multiplica e não para de crescer. A ideia inicial de se fazer algo em que acredita e, mais a frente, algo que gere renda.

Maneco Maracá, Rodrigo Kaverna, Joelma Paes e Erasmo Alcântara são alguns desses idealistas que conseguiram colocar, na prática, bons projetos culturais unindo geração de renda, coletividade e criatividade em Goiás.  Eles tocaram outras tantas pessoas que seguem trabalhando nos projetos e multiplicando cultura. Todos eles acreditam numa mesma coisa: a cultura é determinante para tornar as pessoas melhores e pode, sim, fazer a economia girar.

Kaverna acredita na possibilidade de jovens e adolescentes viverem de música e, por isso, coordena o Ninho Cultural, que funciona como uma incubadora de grupos de música. Hoje, o coletivo é formado por mais de 30 pessoas. Maneco Maracá aposta na formação cidadã e artística sob a lona de um picadeiro. Ele toca o Circo Lahetô há mais de dez anos e já reúne 45 profissionais trabalhando com ele que ensinam educação e técnicas circenses.

Erasmo e Joelma investem na exploração da criatividade de jovens a partir do uso de celulares para fazer vídeos. Eles percorrem instituições de ensino em Goiás com o “Câmera Cotidiana” ensinando essa produção audiovisual. Hoje, já são mais de 30 multiplicadores formados. 

Goiás: localização privilegiada
Os projetos dos empreendedores ouvidos pelo jornal A Redação têm 2, 6, 10 anos e conseguem se estruturar e crescer em Goiás. E iniciativas criativas como essas que aliam com qualidade tecnologia, cultura e economia, crescem cada vez mais no Estado. 
 
De acordo com o superintendente executivo da Secult, Décio Coutinho, a localização geográfica do Estado favorece o crescimento de iniciativas como essas e também nossa diversidade cultural. “Aqui estamos a mil quilômetros de grandes centros, como Belo Horizonte e São Paulo. Também temos comunidades quilombolas, indígenas e uma cultura autêntica preservada, como os Kalunga. Isso facilita”.
 
Décio Coutinho: localização de Goiás incentiva a efervescência cultural (Foto: Lorena Lara/A Redação)
 
É o que se vê, por exemplo, no Ninho Cultural. Entre as oito bandas que compõem o projeto, está o Sonissini Mavutsini. O nome é em caribe e foi escolhido por um dos membros, Lapa Yawalapiti, um músico indígena que mora na Reserva Indígena do Xingu e se juntou aos músicos do Ninho para montar a banda. Atualmente, pleiteam gravação de um CD na lei estadual de incentivo à cultura, a lei Goyazes.
 

Grupo Sonissini Mavutsini, do Ninho Cultural, tem índio xinguano como membro
 
Autonomia financeira
Em um bairro de periferia da região leste de Goiânia, um rufar de tambores quebra o silêncio de uma chácara que faz esquecer, quem passa por ali, que está numa metrópole. No meio da calmaria embelezada por pés de acerola, jabuticaba, pica-paus e udus-de-coroa-azul, uma molecada faz muito barulho de segunda a segunda. Nas paredes da pequena casa sede do Ninho Cultural, cartazes indicam a organização do espaço: todo trabalho da casa é devidamente dividido entre os membros e os dias de oficinas e ensaio também. 
 
No espaço são oferecidas oficinas de canto, percussão, dança, pífano, e de vários ritmos, como coco e toré. Quando a reportagem chegou ao local, o dia era de maracatu e quem liderava a aula era Weiler Jamaika. O jovem, que hoje tem 21 anos, conheceu Rodrigo Kaverna há seis. O colega foi seu professor no projeto “Ciranda da Arte”, no bairro onde moram, o Conjunto Riviera. As aulas no projeto já eram insuficientes para Weiler, que começou a acompanhar as oficinas de coco e maracatu na casa de Kaverna aos domingos. 

Weiller participa de ensaio com o grupo Bake Batuke (Foto: divulgação)
 
Weiler hoje toca em três bandas: Caboclo Roxo, Rural Sistema de Som e Boca Seca. No Ninho, ele participa dos grupos de coco, de toré, de maracatu e Bake Batuke (percussão em material reciclável). Dá aulas de percussão em colégios estaduais, vive de música e assim, escolheu seu caminho. “O Kaverna me deu a oportunidade de continuar o que fazia”, disse se referindo ao projeto Arte e Educação que acabou. “Quero poder fazer o mesmo que foi feito por mim: dar valor ao talento dos alunos, fazer acreditar, valorizar a música e saber que isso é possível”, conclui. 
 
E é por isso que ele segue no Ninho, agora, como professor. “O Ninho tem essa força de mostrar às pessoas que trabalhar com música popular e viver disso é possível. Temos espaço, temos pessoas doando o trabalho, temos talento e visão social. O Ninho é o suporte pra gente ser autônomo”, caracteriza.
 
Rodrigo Kaverna, com seus trinta e poucos anos, acolhe com espírito de paternidade todos os talentos. “Todos aqui têm nível cultural altíssimo e grande potencial mercadológico. Todos têm capacidade de ter autonomia financeira. Que saiam e voem”. 

Por trás de todos os oito grupos musicais do Ninho está o sonho de Kaverna. “Formar grupos autônomos que trabalham cultura popular”, sintetiza. Ele começou sozinho as oficinas de coco e maracatu na garagem de sua casa há oito anos. Todos os domingos, desde então, não fez outra coisa. A garagem ficou pequena para os ensaios e pretensões do grupo. Rodrigo já não estava sozinho. 
 
No fim do ano passado, ele e mais 30 pessoas já compartilhavam a ideia do Ninho e toparam arcar, todos os meses, com aluguel da sede, água e energia. Todos contribuem com alguma mensalidade, para as contas estarem em dia. O projeto ainda recebe doações de pessoas físicas que acreditam na ideia. Além dessa contribuição, os membros do Ninho realizam mensalmente eventos na chácara como festas juninas e noites de coco que reúnem centenas de pessoas. O dinheiro das entradas, da venda de bebidas e comidas é revertido em investimento no projeto.
 
A contribuição dos membros vai além dos bolsos. Eles arregaçam as mangas e capinam o lote, limpam a casa, pintam muros... E, não deixam, é claro, de fazer um bom trabalho musical, de planejamento e produção para que o projeto continue a crescer. Resultado foi a aprovação recente no Fundo de Cultura. 
 

Oficinas de coco aconteceram por seis anos na garagem da casa de Rodrigo Kaverna

Renda que vem do picadeiro
A alguns quilômetros dali, Lucas de Souza Nunes, de 23 anos, mais conhecido como Batatão, comanda 120 crianças, ensinando como se equilibrar em pernas de pau e também valores humanos. Há 16 anos, ele era uma dessas crianças, que se encantava com as artes circenses e o sonho era mesmo ser palhaço. Era um sonho, coisa distante, mas Batatão chegou lá. Hoje ele é o coordenador técnico e artístico do Circo Lahetô, fundado em Goiânia por Valdemir de Souza, mais conhecido como Maneco Maracá.
 

Lucas de Souza (direita), o palhaço Batata, começou como aluno do Circo Lahetô e hoje é coordenador artístico do projeto (Foto: Layza Vasconcelos)
 
Ele se forma no fim do ano em Artes Cênicas na Universidade Federal de Goiás, comprou sua moto e apartamento. Mas não foi fácil. De todas as crianças e jovens que passaram por ali, nem todas conseguiram seguir adiante e não foi por falta de vontade. “A partir dos 15 anos os pais tiram as crianças do circo porque precisam que elas levem dinheiro para casa”, conta Maneco. Com Batatão não foi diferente.
 
“Eu tinha o circo como divertimento e aprendizado. Mas aos 16, precisei de renda. Felizmente o Maneco percebeu que isso me tiraria do circo e me ofereceu aulas. Minha responsabilidade e compromisso aumentaram. Percebi que aquilo poderia me sustentar, e daí as coisas foram melhorando”, conta. Mas nada veio de graça. Batatão faz faculdade, dá aulas durante a semana e não tem fim de semana: ensaia e se apresenta.
 
Como ele, outros jovens conseguiram fazer do circo seu sustento. Dois se formaram na Escola Nacional de Circo, no Rio de Janeiro. Há quem esteja dando aula na Escola de Circo Dom Fernando, no SESC e Escola Internacional. Atualmente, todos os profissionais recebem de R$ 6 a R$ 7 mil por mês de cachê. Eles exploram toda a capacidade financeira do circo: além de espetáculos, locam a lona e arquibancadas, fazem animação infantil e em empresas. 
 

Maneco Maracá coordena, há mais de 10 anos, o Circo Lahetô, que já formou mais de 4 mil crianças
(Foto: Layza Vasconcelos)

Essa é a saída quando não podem contar com verbas públicas, como aconteceu esse ano, por exemplo. “O custeio do circo veio das apresentações. Pagamos artistas e nos mantemos”, conta Maneco.
 
O principal espetáculo do circo “História de Goiás no Picadeiro”, cuja montagem foi financiada pela lei nacional de incentivo à cultura, Lei Rouanet, já foi apresentado 46 vezes neste ano. Seis delas na Funarte em Brasília, dentro da programação da Copa do Mundo. Batatão justifica o sucesso. “Valorizar a cultura goiana deu certo, gerou muito dinheiro. E não é só a gente que ganha com isso. O tio que vende pipoca, o músico contratado para executar a trilha sonora...”, exemplifica. 
 
Mesmo assim, manter o trabalho não é fácil. “A competição com o mercado é muito grande, de forma geral. Concorremos com Disney e produtos comerciais”. Para sair na frente, muito trabalho. “Pesquisamos constantemente, investimos em figurino, equipamento e muita formação profissional. Todos cumprem horários, chegam na hora certa”, se orgulha Maneco. 
 
Trecho do espetáculo "História de Goiás no Picadeiro", que já foi apresentado 46 vezes neste ano 
 
Rede que cresce
Há 20 anos, Maneco Maracá era um sonhador: queria, sob um picadeiro, formar crianças com técnicas circenses. Que elas pudessem ser profissionais de circo, mas, sobretudo, que a arte tocasse a educação e suas vidas de alguma forma. 
 
Hoje, crianças e adolescentes de escolas municipais da periferia da região Leste de Goiânia recebem educação circense sob a lona do Lahetô. Maneco calcula que aproximadamente quatro mil crianças já passaram pelo Circo.
 
Elas são educadas por profissionais que se dedicam ao processo pedagógico como um todo. Por exemplo, há quem auxilie as crianças a fazer tarefa de casa e outras que ensinam informática. Tudo por meio de parcerias com universidades e programas como “Mais Educação”, do Ministério da Educação.   

Cinema como multiplicador de conhecimento
Joelma e Erasmo eram um casal que experimentava oficinas de produção de vídeo com mídias portáteis com jovens e adolescentes. Viram que estava dando certo e resolveram estruturar o projeto de verdade. Há três anos circulam por escolas públicas e pontos de cultura em Goiás com o projeto, financiado sempre com verba pública (Lei Goyazes nas duas primeiras edições e Fundo de Cultura nesta terceira). 
 
Primeiro, eles ensinam os educadores a como fazer essa produção. Depois, os professores ensinam seus alunos. Em seguida, produzem vídeos que participam de um festival online. Os vencedores embarcam com a equipe num intercâmbio, quando visitam iniciativas de produção como essa.
 
Hoje eles são uma equipe de 15 pessoas, 30 multiplicadores formados, 30 instituições, 440 alunos atingidos, 8000 usuários que se cadastraram no site para votar durante o festival. A intenção é que atinjam, até 2016, 75 instituições em mais de 20 cidades. Quem já participou de uma edição pode voltar a participar e assim a rede amplia. Atualmente, 10 municípios participam ativamente do Circuito.
 
“Trata-se de um projeto de base, que planta uma semente e abre o universo do Cinema como possibilidade de expressão artística e profissional. Depois, a partir do interesse desse estudante e de outras oportunidades, sim, podemos afirmar que é possível pensar que alguns estudantes podem trabalhar com cinema”, conta Joelma.
 
E a semente plantada começa a dar frutos. Cida Vilarinho é uma das multiplicadoras que integrou o projeto em 2013 e continuou o trabalho na escola mesmo quando a segunda edição chegou ao fim. Ela trabalha audiovisual com 60 alunos atualmente e as aulas fazem parte do projeto pedagógico da escola. 
 
Vilarinho dá notícias de seus alunos, que tiveram o primeiro contato no ano passado com o projeto. “Três alunos fizeram making of da campanha de Natal de um shopping, outro fez curso de câmera na em uma tv goiana. Eles tomaram gosto”, testemunha.  
 

Circuito Câmera Cotidiana deve circular 20 municípios até 2016 e formar mais de 45 multiplicadores

Financiamento público
Para Rodrigo Kaverna, a aprovação do projeto do Ninho Cultural no Fundo Estadual de Cultura é fundamental para que o Estado auxilie que os jovens não deixem o projeto. “A falta de verbas para pagarmos oficineiros pode ser desestimulante. Essa verba evita que eles deixem o projeto para se dedicar a outros trabalhos – não musicais – para pagar conta. Esse financiamento aumenta a dedicação dos membros”, avalia.
 
O Circuito Câmera Cotidiana e Circo Lahetô também aprovaram projetos no Fundo Estadual de Cultura. Para Maneco, o investimento é fundamental para que possam ter recursos para manutenção do espaço e aposta no papel do Estado em investir em cultura. “Tenho certeza de que com financiamentos como esse não haveria necessidade de se investir em segurança pública. É fundamental que Estado invista na valorização humana”. 
 

(Vídeo: Lorena Lara/A Redação)

Décio Coutinho também acredita que o financiamento público é fundamental para assegurar essas iniciativas e também ajudá-las a sobreviver no mercado. “O mercado é voraz, deve-se pensar políticas públicas que preservem o fazer cultural que não pense em primeiro lugar o mercado”, explica.

Para o superintendente, é fundamental que a existência das iniciativas não dependam apenas do Fundo. “É necessário mais que fomento financeiro. É necessário que sejam criadas redes de proteção e de sustentação. Ações que tornem os nós dessas redes mais duradouros e assegurem o fazer cultural”, aconselha.
 
Para isso, Décio expande a responsabilidade do Estado para outras frentes, além do financiamento público. Uma delas é a oferecer capacitação e formação. Outra, possibilitar que as iniciativas tenham acesso ao mercado e, para isso, os espaços culturais do Estado devem gerar o máximo de eventos.

Ter um sistema de cultura estruturado também garante que tudo isso se torne política pública. A expectativa é de que ele seja aprovado ainda este ano na Assembleia Legislativa. Por fim, o Estado deve oferecer informação e, por isso, deve ser inaugurado ainda este mês o escritório “Goiás Criativo” que vai incubar e dar apoio a iniciativas como as de Kaverna, Maneco, Joelma e Erasmo.  
 

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